O caso está ainda em fase de investigação no Ministério Público de Évora: um homem é suspeito de ter mantido relações sexuais sem proteção com pelo menos cinco pessoas, mesmo sabendo que era portador do vírus da sida. O crime em causa é o de propagação de doença, punível com pena de prisão de um a oito anos.

Mas para construir o caso e, mais tarde, chegar a uma eventual acusação ou arquivamento, o Ministério Público precisa de todas as provas. Incluindo uma prova médica de que o suspeito tem VIH. E, por isso, o procurador do caso pediu ao seu centro de saúde que revelasse se o paciente tinha alguma doença, nomeadamente se era portador do vírus da sida. Mas o médico recusou fornecer essas informações, invocando o sigilo médico decisão que a Ordem dos Médicos considerou “legítima”.

No entanto, um acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido no final de fevereiro e consultado agora pelo Observador vem decidir contra a vontade do médico e da Ordem, ao ordenar que o profissional de saúde deve quebrar o sigilo profissional porque só assim o Ministério Público pode “avançar com a investigação, possibilitando a descoberta da verdade”.

Na decisão tomada, as três juízas desembargadoras que assinam o acórdão consideraram que, neste caso, “os factos indiciados são graves, não apenas pela moldura penal abstrata aplicável, mas ainda por serem cinco as presumíveis vítimas que ao terem mantido relações sexuais com o arguido de forma desprotegida, poderão ter contraído VIH”, lê-se. E, por isso, entendem que saber se o suspeito se encontra infetado “é imprescindível e fundamental“.

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A informação sobre se efetivamente o suspeito se encontra infetado por VIH é imprescindível e fundamental para o exercício da ação penal levada a cabo pelo Ministério Público em nome do Estado”, lê-se no acórdão a que o Observador teve acesso.

Se de um lado está o “interesse do Estado na realização da justiça penal, face à suspeita de perigo de vida e da integridade física das pessoas com quem o suspeito manteve relações sexuais desprotegidas”, do outro está “o interesse da proteção da relação de confiança entre um médico e o utente, bem como da proteção da reserva da vida privada”. No entanto, as desembargadores defendem que existem “razões justificadoras da prevalência do primeiro interesse sobre o segundo”.

Assim, a quebra do segredo profissional é, no caso concreto, justificada, porquanto apenas com o acesso aos elementos clínicos do suspeito poderá o Ministério Público avançar com a investigação, possibilitando a descoberta da verdade e viabilizando a realização da justiça”, concluem as magistradas.

Uma vez quebrado o sigilo, o médico “será chamado ao processo penal na qualidade de testemunha para prestar a informação necessária à descoberta da verdade”, lê-se ainda no acórdão.

Os médicos, e outros profissionais como jornalistas ou advogados, podem recusar depor sobre factos abrangidos pelo segredo profissional, como está previsto no artigo 135.º Código de Processo Penal. O objetivo é “proteger os direitos pessoais ao bom nome, reputação e reserva da vida privada”, lê-se no acordão. No entanto, o mesmo artigo prevê “a possibilidade de o tribunal superior decidir a prestação de testemunho com quebra de segredo profissional” no caso de, por exemplo, o depoimento ser imprescindível “para a descoberta da verdade” e tendo em conta “a gravidade do crime”.