O ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, vai ser ouvido pela Comissão Parlamentar de Defesa Nacional na próxima terça-feira, 8 de março, pelas 16h30, numa reunião extraordinária cuja marcação teve de ser aprovada pelo presidente da Assembleia da República. Em fase de dissolução, o Parlamento vai acompanhando a evolução do conflito e se há uma semana nenhuma reunião extraordinária estava prevista, agora a situação já obriga a novas reuniões.

A audição de João Gomes Cravinho já surge na agenda parlamentar disponibilizada pela Assembleia da República e com a indicação de que a reunião vai decorrer à porta fechada e sem a possibilidade de recolha de som e imagem. Este formato é permitido pelo Parlamento quando em causa estão “matérias de caráter reservado”, que neste caso envolve detalhes sobre contingentes militares, armamento e informações sobre a própria situação no terreno no Leste da Europa. Na Comissão de Defesa este formato é até recorrente, embora também se verifique o contrário: em 2017 por ocasião do caso Tancos, Azeredo Lopes quis que a audiência fosse à porta aberta, contrariando o requerimento do PSD que previa uma audição fechada.

Com o Parlamento dissolvido, as comissões parlamentares só podem reunir caso exista um motivo especial e depois de autorização do presidente da Assembleia da República. Ao Observador, o gabinete de Ferro Rodrigues esclarece que “a autorização teve como base os fundamentos invocados pela Comissão de Defesa para audição do ministro, atenta a extraordinária situação que se vive na Ucrânia”. Esse pedido para a reunião extraordinária foi formulado pela comissão, liderada pelo socialista Marcos Perestrello.

A evolução do conflito tem ditado ainda assim a mudança de postura da Assembleia da República. Há uma semana, na manhã em que a Rússia invadiu a Ucrânia, Marcos Perestrello disse em entrevista ao Observador que o Parlamento tomava conhecimento do processo “preferencialmente através da Comissão Permanente”, como aconteceu na tarde de quinta-feira com a audição de Augusto Santos Silva, e depois “através dos membros da Assembleia que integram o Conselho Superior de Defesa – os deputados Marcos Perestrello, Fernando Negrão (PSD) e Lara Martinho (PS) –, e através do presidente da Assembleia da República”. Uma semana depois, o entendimento mudou e a Comissão de Defesa resolveu convocar o ministro para atualizar os deputados sobre o envolvimento militar de Portugal no conflito entre a Ucrânia e a Rússia.

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Um dos papéis desta comissão parlamentar é fiscalizar o envolvimento de militares portugueses em missões internacionais, o que vai acontecer agora de forma antecipada com o envio de 174 militares para a Roménia, para além da disponibilização de um contingente em forças rápidas da NATO, mas também o envio de armamento para apoiar a Ucrânia. No inicio do conflito, Marcos Perestrello admitiu que esta guerra “é um processo” e que “ainda não é percetível até onde é que a Rússia quer ir” e o acompanhamento desse processo leva também os deputados a convocarem esta reunião extraordinária.

Durante esta semana, o gabinete de Ferro Rodrigues diz que “tem-se mantido informado através de contactos oficiais como o que aconteceu com o homólogo ucraniano, Stefanchuk Ruslan Oleksiiovych” e no final de um desses contactos, Ferro Rodrigues publicou uma mensagem no site da Assembleia da República onde dá conta de que “informou o presidente do Parlamento da Ucrânia sobre as medidas adotadas pelo governo em resposta à crise humanitária, assim como das impressivas ações de solidariedade que os portugueses têm promovido”, manifestando ainda “solidariedade e a condenação pela agressão militar russa à Ucrânia”. Para Ferro Rodrigues, “esta difícil situação comporta ansiedade para a significativa e bem integrada comunidade ucraniana que vive em Portugal”.

Até onde pode ser necessário o envolvimento do Parlamento no conflito?

A Assembleia da República tem que ser ouvida num conjunto de documentos e de orientações estratégicas e acompanhar as ações do governo em matérias de defesa. Isso acontece por ser um dos “órgãos diretamente responsáveis pela defesa nacional”, como consta na Lei da Defesa. Em situações limite, a Assembleia da República – ou na atual situação, a Comissão Permanente –, tem de autorizar as declarações de estado de sitio ou de estado de emergência por questões relacionadas com a defesa, à semelhança do que aconteceu por exemplo durante a situação pandémica: o governo propõe, o Parlamento aprova e o Presidente da República promulga e define as balizas de atuação.

Para já, o gabinete de Eduardo Ferro Rodrigues diz que “não existe qualquer pedido formalizado para que a Comissão Permanente discuta ou vote alguma matéria relacionada com o conflito”, destacando que o Ministro dos Negócios Estrangeiros foi ouvido no inicio deste conflito – numa audição agendada ainda antes do inicio da invasão. Em matérias de defesa é também habitual os dois maiores partidos – PS e PSD –, terem posições idênticas, facilitando assim o processo de audições e de fiscalização no Parlamento.

Com a Assembleia da República a ter ainda diversas competências no que toca à criação de leis para o setor, para já o Parlamento vai assegurar a “fiscalização ao governo” e o “acompanhamento das Forças Armadas no exterior”, com uma audição extraordinária de João Gomes Cravinho, tendo em conta que todas as decisões sobre o envio de militares portugueses estão a ser feitas no âmbito dos tratados internacionais assinados – NATO – e não carecem de autorização especial por parte dos responsáveis políticos.