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"Tabu": não há limites para rir, chorar e chorar a rir com Bruno Nogueira

Este artigo tem mais de 2 anos

Sem medos e sem preconceitos, "Tabu" é novo programa de humor da SIC. O objetivo é fazer rir a partir de desgraças pessoais. Contas feitas após o primeiro episódio, não tem limites. E ainda bem.

No primeiro capítulo de "Tabu", Bruno Nogueira constrói comédia e empatia entre pessoas com deficiências físicas
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No primeiro capítulo de "Tabu", Bruno Nogueira constrói comédia e empatia entre pessoas com deficiências físicas

No primeiro capítulo de "Tabu", Bruno Nogueira constrói comédia e empatia entre pessoas com deficiências físicas

Qual é o limite do humor? A questão é velha, podíamos estar aqui a discuti-la durante horas e não chegar a um consenso. A resposta pode simplesmente ser diferente para cada um de nós, dependendo da capacidade que temos de nos rirmos de nós próprios e das nossas dificuldades, dependendo dos temas que mexem mais connosco e do distanciamento que conseguimos ter, dependendo do pudor em dizer certas coisas com medo da interpretação dos outros.

“Tabu”, que se estreou na SIC no sábado à noite, é o novo programa de Bruno Nogueira e, a julgar pelo primeiro episódio, é um balão de oxigénio que durante mais de uma hora nos faz esquecer os tempos incertos em que estamos mergulhados.

O conceito nasceu na Bélgica e é o primeiro formato adaptado pelo humorista. Durante uma semana Bruno Nogueira vive com quatro pessoas que têm alguma particularidade com a qual não é suposto fazer-se humor — os temas previstos são deficiências físicas, racismo, obesidade ou doenças mentais. Cada um se senta individualmente com ele para contar a sua história e esses momentos vão sendo intercalados com cenas do dia a dia, como jantares, um passeio na praia, uma partida de golf. Depois, cabe ao humorista preparar um espetáculo de stand-up que apresenta a uma plateia com os quatro convidados, familiares e amigos. Deste lado do ecrã vamos saltitando entre estes dois cenários, num balanço perfeito que nos leva a rir, chorar e chorar a rir.

Não é preciso ver o original para saber que, por cá, a adaptação está muito bem entregue: temas sensíveis embrulhados em humor e empatia — o próprio Bruno Nogueira estará exatamente no ponto certo da carreira (e da vida?) para saber lidar com tudo isto com uma mestria que parece simplesmente natural.

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Não é preciso ver o original para saber que, por cá, a adaptação está muito bem entregue: temas sensíveis embrulhados em humor e empatia — o próprio Bruno Nogueira estará exatamente no ponto certo da carreira (e da vida?) para saber lidar com tudo isto com uma mestria que parece simplesmente natural

As comparações com “Como é Que o Bicho Mexe” são inevitáveis, não pelo conteúdo, mas pelo timing. Para quem não está familiarizado com este fenómeno, deixem-me contextualizar. Quando a Covid-19 chegou a Portugal e nos fechamos todos em casa para um primeiro confinamento, as pessoas estavam assustadas, confusas e muitas profundamente sozinhas. Eis que, para um desabafo espontâneo que refletia muito do que a maioria estava a sentir, Bruno Nogueira liga a câmara do telemóvel e começa a fazer uma transmissão em direto no Instagram. E depois começa a ligar a amigos: Nuno Markl, Nuno Lopes, João Manzarra… Numa bola de neve fulminante que ninguém podia prever, começaram a juntar-se, cada uma em sua casa, dezenas, centenas, milhares de pessoas. De repente eram 60 mil, com um copo de vinho na mão a rir até a barriga doer ou a chorar até embaciar os óculos. A espontaneidade virou programa obrigatório, ganhou um nome e um genérico e transformou-se num fenómeno que levou milhares de pessoas a pendurarem luzes de Natal nas respetivas janelas em pleno mês de maio, uma ideia insana e ao mesmo tempo comovente que foi o culminar de uma espécie de terapia de grupo que acontecia todas as noites.

Onde quero eu chegar com esta nostalgia? Exatamente à estreia de “Tabu” e à sensação arrepiante de um déjà vu. Já não temos (tanto) medo de um bicho chamado Covid-19, mas tememos um chamado Vladimir Putin. Se o primeiro era imprevisível, este parece ainda mais. A pandemia começou lá longe, na China (nunca chegaria cá, achávamos nós, ingénuos); esta guerra, em contrapartida, não é assim tão distante e não nos deixa indiferentes. Todos os dias somos bombardeados com informação, imagens e histórias de pessoas como nós que, num segundo, perdem tudo. Passámos de um filme de ficção científica para outro, sem direito a intervalo, e embora não possamos desviar os olhos, precisamos de uma pausa para não enlouquecermos todos de vez. E é aí que entra de novo Bruno Nogueira.

Desta vez não foi um ato espontâneo, a estreia do programa da SIC já estava anunciada e o formato gravado, mas o efeito, mesmo não sendo em direto, é um bocadinho o mesmo. Durante um episódio de “Tabu” temos o direito de não ver notícias, temos o direito de rir como se o mundo não estivesse a acabar aqui mesmo ao lado. Depois da estreia, fiquei com vontade de abraçar o Bruno Nogueira como as senhoras que querem esborrachar Marcelo Rebelo de Sousa quando encontram o Presidente da República na rua.

Bruno Nogueira em entrevista: “Ser morno é a pior coisa que pode acontecer, sobretudo agora”

Haverá quem olhe para “Tabu” e não ache graça nenhuma. Onde é que já se viu fazer piadas com tetraplégicos ou amputados? E ainda por cima usar a palavra deficiente? “Sinto que os nomes certos para as coisas estão sempre a mudar”, comenta Bruno Nogueira logo no início do programa. É um bocadinho isso, todas as palavras e vírgulas têm de ser pensadas e repensadas antes de saírem das nossas bocas. Menos aqui. Mesmo as conversas individuais com os protagonistas, que têm um registo mais sério, vão evoluindo e libertando-se para terem espaço — e legitimidade — para ter piadas sobre as respetivas condições.

São os próprios convidados que, à medida que vão ganhando confiança, fazem comentários sobre os outros ou sobre eles próprios e isso é libertador — para eles, mas sobretudo para os espectadores.

Micaela tem 22 anos e pseudocontroplasia. Chamem-lhe trambolho, mas nunca anã. É inevitável que a afete cada vez que na rua ouve alguém dizer: “Filho, olha ali uma anã”. Porém, parece muito bem resolvida com as suas limitações. “Quando vou a uma discoteca, passo a noite a lavar o chão.”

Como ela, também Sérgio, de 36 anos, continua a notar diferenças de tratamento  — como o facto de ter de fazer 15 ou 16 entrevistas até conseguir um emprego — mas já nasceu sem membros inferiores e sem alguns dedos das mãos e a realidade para ele sempre foi assim. Tem uma relação que “não tem pernas para andar”, diz Bruno Nogueira, e o facto de vermos o próprio Sérgio a rir à gargalhada com o comentário dá-nos autorização para rirmos também, sem medos.

Inês ficou com 65% do corpo queimado num incêndio e perdeu uma perna. Aos 23 anos tem uma maturidade que pode envergonhar muitos de nós. Adaptar-se ao corpo que tem agora foi um processo, não o esconde, mas o mais curioso é dizer que tinha mais vergonha antes do acidente de uma cicatriz herdada de uma cirurgia do que tem agora. Esta parte não é para rir, é para nos deixar a refletir e a colocar muita coisa em perspetiva, outra vertente na qual “Tabu” é eficaz.

Sérgio viu a vida mudar aos 21 anos quando um teto lhe desabou em cima. Ficou paraplégico e a sua condição desarma-nos logo nos primeiros minutos quando os cinco se preparam para entrar na casa que os vai acolher durante uma semana. “Isto não está preparado para pessoas altas”, diz Bruno Nogueira enquanto se desvia do galho de uma árvore. Sérgio é o último, fica para trás a tentar subir com a cadeira para uma estrutura de madeira que não tem rampa. Naqueles primeiros instantes, será que podemos rir? Será que é demasiado cedo? Bruno Nogueira volta para trás e dá a resposta: “Parece que estava a ouvir um motoserra”. OK, a partir daqui tudo é permitido.

Discute-se a vida sexual — “devia existir um kamasutra para coxos” — e o momento da problemática das meias é delicioso. “As minhas meias duram o dobro e não cheiram a chulé”, diz Inês. “Mas tu lavas as meias?”, pergunta a Sérgio. “Calças a meia na prótese antes de colocares a prótese, certo?” O que podia ser constrangedor está muito longe disso. Aquilo que vemos são pessoas comuns a trocarem opiniões sobre pormenores do dia a dia. Ponto final. Não interessa o tema.

Eles riem muito e esses momentos, quando estão apenas os cinco, são contagiantes. Na plateia do espetáculo de stand-up a energia é outra. “Eu sou cancelado a seguir a isto”, atira Bruno Nogueira. Sabe que à sua frente tem quatro pessoas que lhe são familiares, mas há dezenas de outros olhos à volta cuja reação é imprevisível. “Estão aqui três pessoas e um restinho.”

Muitas vezes faz um comentário e ri-se sozinho, encostando o microfone à testa, talvez na dúvida se terá ido longe demais. Talvez vá para alguns, mas só fica quem quer, e o mais provável é que a legião em torno de “Tabu” vá aumentando à imagem de “Como é Que o Bicho Mexe”. Se o mundo continuar um filme de ficção científica, teremos sempre para onde fugir pelo menos aos sábados à noite. Quem sabe com um copo de vinho na mão.

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