Não era propriamente uma ciência exata, porque nestas coisas do futebol há sempre fatores aleatórios que nenhum treino controla, mas um treinador português costumava dizer que se podia ver se a sua equipa ia ou não ganhar os jogos pelo que acontecia antes de entrar em campo. Onde? No estágio, no ambiente, no que vinha das bancadas, na forma como os jogadores estavam no aquecimento. Tinha sempre uma dose de risco mais umas pitadas de futurologia mas aproximava-se dentro do possível da matemática das probabilidades. Se assim fosse, e olhando para tudo o que se passava em Paços de Ferreira, era complicado não arriscar que o FC Porto iria voltar aos triunfos na Primeira Liga: um autêntico mar azul e branco de adeptos que encheram o Estádio Capital do Móvel, muito apoio na chegada do autocarro, semblantes confiantes, a certeza de que o empate caseiro com o Gil Vicente já eram águas passadas como um dado adquirido.

“Melhor momento da época? Não, temos é de provar essa melhor fase amanhã [domingo], acho que a melhor fase está sempre por vir. Dentro do que é um jogo ou um ciclo positivo, há sempre coisas que queremos melhorar. Sabemos que a época é longa, que faltam muitos jogos nas diferentes competições e temos sempre de ir à procura de um momento em que somos melhores. Os resultados têm sido positivos mas muitíssimo positivos também acho que não, podíamos ter feito melhor em algumas situações”, comentava na antecâmara da deslocação a Paços de Ferreira o técnico Sérgio Conceição, reforçando a “batalha difícil num campo historicamente difícil também” que teria pela frente e onde consentiu a última derrota em encontros a contar para a Primeira Liga em outubro de 2020 – e esta noite podia igualar um recorde de Bobby Robson, chegando aos 53 jogos consecutivos na principal competição portuguesa sem consentir qualquer desaire.

Segredos? Acertar na fórmula para retirar o melhor de cada jogador para que viesse ao de cima o melhor da equipa (ou vice-versa, depende da perspetiva). E esse foi o grande mérito de Sérgio Conceição no quinto ano no Dragão, provavelmente aquele em que a equipa joga melhor, marca mais e concede menos facilidades aos seus adversários a nível do que consegue fazer sem bola em terrenos avançados na reação à perda. Se em Alvalade trocou cinco jogadores, na Mata Real voltou a mexer em cinco unidades sem que se notasse uma flutuação do rendimento. A equipa atingiu um ponto de estabilidade que propicia a que quem entre de novo se sinta “confortável” dentro das dinâmicas coletivas entre duas figuras que ganharam protagonismo.

“Depende tudo de como olharmos para o futebol. Para mim é fabuloso quando o guarda-redes num passe consegue isolar um avançado. Mas também gosto que na nossa primeira fase de construção haja quatro passes e depois se entre numa segunda fase, em que haja mais três ou quatro passes e umas trocas posicionais e ludibriar o adversário de forma ligada e trabalhada. Também gosto. Já temos jogado em 3x4x3, transformado em 5x4x1 em alguns jogos, em 4x4x2 muito tempo, em 4x2x3x1… Dentro do que temos à disposição, é termos duas ou três variantes que não permitam dar ao adversário referências na organização defensiva. E, como equipa, estarmos preparados para desmontar o processo defensivo do adversário e fortes quando não tivermos a bola. O Vitinha não é um Danilo, um Uribe pode-se aproximar a um Herrera, mas os médios são diferentes. Eu tenho o Evanilson e o Taremi, que são jogadores refinados. Eu tinha o Marega ou o Soares, que era diferente. Tinha de provocar algo no jogo para tirar o melhor do Marega e do Soares e, neste momento, tiro o melhor do Evanilson e do Vitinha. Este é o trabalho dos treinadores e das equipas técnicas. Sempre com o pensamento em ganhar, que é o mais importante”, frisara na conferência.

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O exemplo paradigmático do que é conseguir aumentar rendimento está agora centrado nos dois avançados, Evanilson e Taremi, que voltaram a marcar três golos com assistências do companheiro. No entanto, a master piece de Sérgio Conceição é mesmo Vitinha. Aquilo que o jovem médio consegue fazer com bola é evidente e conhecido. Faz o que quer. A jogar curto, a controlar com bola, a arriscar a profundidade, a dar toques na bola como se estivesse no futebol de praia como aconteceu no lance do terceiro golo. No entanto, aquilo que consegue fazer sem posse é o segredo deste FC Porto, deitando abaixo a teoria de que não seria suficiente para aguentar um meio-campo a dois com Uribe e fintando o estilo franzino com uma inteligência de colocação que permite fazer várias recuperações e ganhar muitas segundas bolas em terrenos adiantados. Até sem instrumento, é um maestro que nunca deixa de tocar. E que dá o ritmo para a banda do FC Porto.

Os portistas surpreenderam inicialmente os pacenses, não só pela habitual agressividade em terrenos mais adiantados com e sem bola mas também no desenho tático com que entraram em campo, com Otávio a ocupar posições mais centrais perto de Otávio e Taremi a desenhar um 4x3x3 como falso ala esquerdo tendo Pepê à direita e Evanilson no meio. Esse posicionamento tático conseguiu tirar ainda mais daquilo que pode ser dado ao jogo por Vitinha com e sem bola, por permitir que o médio conseguisse avançar até terrenos mais adiantados sem ter a preocupação dos equilíbrios nas transições que tem de fazer com Uribe. E foi assim que, numa jogada onde ganhou espaço à entrada da área, tentou o primeiro remate para defesa de André Ferreira para canto (7′). Estava dado o mote para puxar ainda mais pelo ânimo dos muitos portistas.

Este era mais um jogo onde parecia ser uma mera questão de tempo até surgir o primeiro golo, tendo em conta não só a incapacidade de saída dos pacenses mas também a maneira como os portistas conseguem ir empurrando o adversário para o seu reduto. E demorou apenas 17 minutos, curiosamente numa fase em que o domínio dos visitantes nem estava depois a traduzir-se em oportunidades: Vitinha fez um passe fantástico a picar a bola para Taremi, André Ferreira ainda conseguiu tirar a bola dos pés do iraniano mas sobrou para Wendell cruzar para o desvio de cabeça de Pepê ao segundo poste. O mais difícil estava feito mas era apenas uma aparência perante a eficácia que o conjunto de César Peixoto conseguiu ter no jogo: Antunes conseguiu ganhar espaço na esquerda, fez a bola passar por toda a área e Juan Delgado, esquecido por Wendell ao segundo poste, conseguiu desviar por entre as pernas de Diogo Costa para o empate (31′).

Voltava tudo à estaca zero mas seria sol de pouca dura numa primeira parte que funcionou como um hino à eficácia. Mais uma vez, por “culpa” daquilo que o FC Porto consegue fazer sem bola em zonas adiantadas do terreno: interceção após tentativa de saída de Fernando Fonseca, passe rápido de Otávio para Taremi entrar pela esquerda e assistência do iraniano para o 2-1 de Evanilson sozinho na área (38′). A intensidade que os azuis e brancos colocavam no encontro e a forma como conseguiam dominar o jogo justificavam a vantagem ao intervalo, sendo que, no único remate tentado nos 45 minutos iniciais que não foi enquadrado com uma das balizas, Pepê desviou de cabeça por cima após um cruzamento na direita de João Mário na sequência de uma grande cavalgada de Uribe, a atravessar meio-campo com bola controlada (43′).

Ao intervalo, César Peixoto queria mais e abdicou do lateral Fernando Fonseca, descendo Delgado na direita com Nuno Santos mais na frente e lançando Rui Pires para o corredor central. Também não funcionou. E foi pelo meio que teve origem o terceiro golo dos azuis e brancos, com Vitinha a ganhar uma segunda bola em que ficou a dar toques sem deixar cair como se estivesse a preparar o remate no futebol de praia, fez o passe para Taremi e o iraniano voltou a assistir de cabeça Evanilson (52′). O FC Porto já estava melhor com o 2-1, ficou ainda mais confortável com o 3-1 e conseguiu dentro desse contexto chega com relativa facilidade ao 4-1, desta vez com Evanilson a assistir Taremi na área após nova jogada de génio de Vitinha um minuto depois de o iraniano ter permitido a Nuno Santos criar perigo na baliza contrária com um passe errado (59′).

O encontro ficava resolvido a meia hora do final, apesar da entrada relâmpago de Nico Gaitán que, apenas no segundo jogo que fez neste novo regresso a Portugal, entrou para o lugar de Denis Jr., fez um passe fantástico a variar jogo para a esquerda, correu para a área e foi depois finalizar de cabeça mais um grande cruzamento de Antunes (66′). Mesmo perante um FC Porto sem a mesma capacidade de pressionar alto como fez ao longo de 60 minutos, o P. Ferreira nunca conseguiu verdadeiramente discutir o encontro para poder voltar a entrar no resultado, vendo Otávio obrigar André Ferreira a uma grande defesa com o pé para canto, Pepê falhar aquele que seria um “passe de morte” na área e Vitinha a arriscar de novo a meia distância.