Os advogados de defesa no julgamento principal das dívidas ocultas em Moçambique sustentaram esta segunda-feira em tribunal que as alegações imputadas aos arguidos resultam de “imaginação e presunções”, acusando o Ministério Público de “precipitação”.

“Caiu com estrondo a imputação do crime de peculato [apropriação indevida de recursos], a jurisprudência do Tribunal Supremo já demonstrou isso“, afirmou Abdul Gani, advogado de Gregório Leão, ex-diretor-geral do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE) e arguido, nas alegações finais.

Abdul Gani desvalorizou a acusação de que Gregório Leão usou a mulher, Ângela Leão, como “testa-de-ferro” para receber 8,9 milhões de dólares (8,1 milhões de euros) de subornos do grupo de estaleiros navais Privinvest.

O que é testa-de-ferro? O Ministério Público não explica e ficou demonstrado que o casal Leão está casado em regime imperativo de separação de bens pelo que não há comunhão patrimonial”, declarou Abdul Gani.

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O advogado negou ainda que o seu cliente se tenha associado a outros arguidos para delinquir, assinalando que a relação entre Gregório Leão e outros arguidos não resulta naquele tipo de delito.

Damião Cumbana, advogado de Ângela Leão, também rejeitou as acusações que pendem sobre a sua cliente, alegando que o Ministério Público não produziu prova convincente.

“Este processo nasceu inquinado, nasceu condicionado e precipitado pela detenção de Manuel Chang”, antigo ministro das Finanças moçambicano detido na África do Sul em 2018 no âmbito do processo das dívidas ocultas, afirmou Cumbana.

O advogado acusou o Ministério Público de ter “vendido a narrativa de que os arguidos se apoderaram de mais de dois mil milhões de dólares“, omitindo deliberadamente o facto de que foram comprados bens e serviços com o dinheiro que a acusação diz que foi desviado.

Lourenço Malia, advogado de Teófilo Nhangumele, arguido considerado um dos cérebros do projeto usado como pretexto para a contração das dívidas ocultas, afirmou que o dinheiro que o seu constituinte recebeu correspondente ao trabalho de consultoria que prestou à Privinvest.

“Teófilo Nhangumele trabalhou para o Governo moçambicano e para a Privinvest e foi pago por isso, não cometeu nenhum crime”, afirmou.

Rodrigo Rocha, advogado de Cipriano Mutota, arguido e ex-diretor de Estudos e Projetos do SISE, também negou que o seu constituinte tenha cometido crime, observando que o dinheiro que recebeu foi uma oferta de Nhangumele.

“Teófilo Nhangumele disse aqui em tribunal que o meu constituinte nem sabia que o grupo Privinvest pagou montantes pelo trabalho do projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva”, destacou.

O tribunal, prosseguiu, “tem de considerar a absolvição de Cipriano Mutota” por não ter sido provado “qualquer crime”.

Ainda esta segunda-feira apresentaram alegações finais Alice Mabota, advogada do arguido Khessauji Pulchand, funcionário de uma casa de câmbios considerada, e de Cremildo Manjate, também arguido, que negaram igualmente que os seus clientes tenham cometido crimes.

A leitura das alegações finais por parte dos advogados de defesa prossegue na terça-feira.

Nas suas alegações finais na sexta-feira, o Ministério Público moçambicano pediu ao tribunal pena máxima para oito dos 19 arguidos do processo principal das dívidas ocultas pela elevada “intensidade do dolo” com que “lesaram” o povo e Estado moçambicano e pediu ainda a absolvição de um arguido.

O Ministério Público moçambicano pediu ainda ao tribunal que os arguidos sejam condenados ao pagamento de uma indemnização de 2,7 mil milhões de dólares, correspondentes ao total das dívidas ocultas (2,3 mil milhões de euros), acrescidos de juros de 850,5 mil dólares (779 mil euros) calculados até 2019.

Os empréstimos no valor de cerca de 2,3 mil milhões de euros foram secretamente avalizados pelo governo da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), liderado por Armando Guebuza, sem conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.