Ganhou com o equipamento azul e amarelo da Ucrânia. Festejou com a célebre dança hopak tão querida na Ucrânia. Emocionou-se com a bandeira da Ucrânia. Zhan Beleniuk acabara de conseguir aquela que viria a ser a única medalha de ouro da Ucrânia nos Jogos Olímpicos de Tóquio e a receção na chegada ao país foi digna de um verdadeiro herói, entre honras estatais como colocar o seu nome no Passeio das Estrelas da Sportyvna Square em Kiev e “recompensas” como ser júri do concurso da Miss Ucrânia com a também atleta Daria Bilodid, judoca que passou pelo Sporting e que foi medalha de bronze na categoria de -48kg.

A vida já corria bem ao lutador de greco-romana e melhor ficou com aquela vitória na categoria de -87kg que lhe valeu a segunda medalha olímpica depois de já ter ganho a prata no Rio de Janeiro, em 2016, entre várias outras conquistas entre Campeonatos do Mundo e Europeus. E notava-se o orgulho até pela própria imagem que exibia como fotografia nas redes sociais, onde surgia dividido ao meio entre o fato de atleta e o fato de deputado do Parlamento para onde foi eleito em 2019 pelo partido do presidente Volodymyr Zelensky. Mas houve um episódio isolado fez com que refletisse sobre algo que lhe custou a aceitar.

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“Se sou um ucraniano no meu estado, que critérios de patriotismo existem? Como pode um campeão olímpico sentir-se seguro na sua terra e na sua cidade? Será normal num estado europeu ouvir estas ofensas por quem arrisca tudo pela glorificação do seu país? Amo o meu país, deu-me tudo o que tenho e ninguém vai fazer com que me vá embora. Comportamentos inadequados existem infelizmente em todo o lado”, escreveu nas redes sociais após ouvir insultos racistas por parte de um grupo quando passava no bairro de Pechersk, em Kiev. “O Beleniuk é um dos nossos heróis, isto é uma provocação. Já mostrou tantas vezes que é um patriota, que é um verdadeiro ucraniano”, destacou Oleksandr Pastukhov, porta-voz da Federação Ucraniana de Luta Greco-romana, em declarações à Reuters, acrescentando ainda as “dezenas e dezenas de felicitações” que recebeu depois dessa medalha de ouro, a primeira numa modalidade muito praticada no país desde os Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996, e o facto de ser um caso isolado.

“O que se passou é completamente inaceitável. O Zhan é um dos filhos mais pródigos da Ucrânia”, defendeu o presidente Zelensky, no mesmo dia em que foi aberta uma investigação para tentar encontrar os jovens em questão. O país revoltou-se contra o momento que foi um episódio isolado de alguém que sempre destacou estar numa sociedade diferente. “Quando a minha avó se mudou para Kiev, tinha medo de andar na rua sendo negro mas sei que o mundo está a mudar e espero ser um exemplo para todos”, comentou numa entrevista sobre a sua infância em Kiev e sobre a forma como foi vendo a mudança de mentalidades no país.

Hoje, aos 31 anos, Zhan Beleniuk é uma das principais referências desportivas e até políticas do país, depois de se ter tornado o primeiro afrodescendente a chegar ao Parlamento ucraniano em 2019. E, entre vitórias desportivas em todas as competições internacionais em que participava, chegou a tenente do exército da Ucrânia em 2017, estando agora na linha da frente da batalha em Kiev como organizador das milícias que estão a preparar a defesa da capital perante a aproximação das investidas russas nos arredores depois de ter estado a negociar com deputados de outros partidos, longe dos locais habituais, as leis que permitem que o país se tenha adequado a nível de defesa a tudo o que aconteceu desde 24 de fevereiro. Mais do que isso, gravou um vídeo partilhado por várias organizações sobre o seu próprio caso na Ucrânia em resposta a todas as acusações da Rússia e a argumentação de que quer fazer uma “desnazificação”.

“O meu nome é Zhan Beleniuk, sou campeão olímpico de luta greco-romana e também membro do Parlamento da Ucrânia. Quero deixar uma mensagem a todos os líderes de países africanos por causa de toda a propaganda que está a ser espalhada sobre a Ucrânia ser dominado pelo racismo e pela discriminação racial. Quero dizer que nada disso é verdade, é um país tolerante e não existe qualquer tipo de pressão racial. Quero pedir a todos os líderes africanos que condenem esta execução, esta morte de civis e de crianças em cidades que estão a ser bombardeadas pela Rússia. Temos uma necessidade crítica de assistência e peço a todos que se juntem para apoiar a Ucrânia e condenem as ações cruéis do governo russo contra o meu país. Acabem com o terrorismo e com a guerra! Ajudem a Ucrânia, parem a Rússia!” 

Nascido em Kiev, filho de um pai natural do Ruanda que rumou à Ucrânia para tirar o curso de piloto na Universidade Nacional de Aviação e de uma mãe ucraniana, Zhan Beleniuk perdeu o pai quando teve de ser chamado para guerra civil que o país enfrentava (o avião que pilotava foi abatido) e cedo encontrou na luta greco-romana uma espécie de porto seguro para fugir aos ataques físicos e insultos que ia recebendo por parte de alguns colegas de escola. Começou na modalidade aos nove anos e, uma década depois, sagrava-se vice-campeão mundial de juniores, ganhando no ano seguinte o Campeonato da Europa de juniores. Era só o início de uma carreira com duas medalhas olímpicas, quatro mundiais e sete europeias, entre muitas outras distinções de uma figura que se tornou um dos desportistas mais respeitados e acarinhados no país.

Beleniuk foi também um dos primeiros desportistas a pedir sanções à Rússia, um país com quem tem há muito uma ligação paradoxal. “Recebi convites para me mudar para outros países várias vezes, incluindo a Rússia ou o Azerbaijão. Recusei. Porque não fui? Nunca tive vontade de ir mesmo percebendo que aqui na Ucrânia teria sempre condições completamente diferentes de trabalho. Nunca quis”, explicou. Não foi e, em dezembro de 2020, passou a constar da lista de individualidades sujeitas a sanções pessoais por fazer parte dos legisladores ucranianos, medida que aumentou ainda mais o sentimento de patriotismo. “Não era algo que sentisse tanto dessa forma mas que foi aumentando desde a guerra da Crimeia. Cada um tem a sua posição sobre isso, eu sou ucraniano. Tenho muitas memórias associadas à Crimeia, pessoais e ligadas ao desporto. Para mim sempre foi uma parte da Ucrânia, ainda é, e tirarem-nos isso dói-me”, disse em 2016.

Mesmo numa altura de guerra, Zhan Beleniuk. Esta terça-feira fez um vídeo que colocou nas suas redes sociais onde mostrava a devastação que os bombardeamentos russos provocaram em várias instalações de desporto na zona de Kiev e esteve depois em mais uma conversa com um grupo de civis que se preparava para seguir também para a linha da frente do combate nos arredores de Kiev. O atleta que três semanas antes dos Jogos Olímpicos de Tóquio deslocou o ombro, fugiu a uma intervenção cirúrgica que o faria parar mês e meio e conseguiu ir ganhar a medalha de ouro está a dar mais uma mostra da capacidade de resiliência e já foi muito elogiado pelas suas ações por Zelensky e por Vitali Klitschko, antigo campeão mundial de boxe em pesos pesados e líder da cidade de Kiev e é cada vez mais um herói nacional a agir como herói nacional.