Andriy Shevchenko é, com um grau muito alto de certezas, o nome mais conhecido do futebol ucraniano. Jogou no Dínamo Kiev, no AC Milan e no Chelsea, foi a três finais da Liga dos Campeões e ganhou uma, conquistou a Bola de Ouro e ainda começou a carreira de treinador pela seleção da Ucrânia, desenhando uma geração promissora que inclui Zinchenko, Yaremchuk ou Malinovskyi. De forma natural, Andriy Shevchenko é também um dos nomes que o desporto mais quer ouvir sobre tudo aquilo que se está a passar em território ucraniano.

Mas o antigo avançado, agora com 45 anos, demorou a quebrar o silêncio. Começou por fazê-lo de forma indireta, surgindo num vídeo transmitido em San Siro antes do apito inicial no dérbi entre o AC Milan e o Inter Milão. Embrulhado numa bandeira da Ucrânia, dirigiu-se aos “amigos italianos”. “Peço-vos que, a partir de San Siro, ofereçam o vosso apoio à paz na Ucrânia. O povo ucraniano quer paz. Porque a paz não tem fronteiras, porque o que nos une tem de ser mais forte do que aquilo que nos separa. Vamos parar a guerra juntos. Abraço-vos a todos”, disse Shevchenko.

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Depois da aparição em Milão, através de um vídeo, o agora treinador deu uma entrevista à Sky Sports — onde revelou que a mãe e a irmã estão ainda em Kiev, já que não querem deixar a Ucrânia. “Tento falar com elas a todas as horas, a cada 20 minutos, porque há muita coisa a acontecer. As cidades estão sob ataque, há ataques de mísseis, Kiev está sob ataque e muitas cidades estão na mesma situação. A minha mãe e a minha irmã, tal como a maioria do povo ucraniano, recusam-se a sair. Vão ficar lá para lutar pela nossa nação, para lutar pela nossa liberdade, para lutar pela nossa alma. Já tentei tirá-las de lá muitas vezes mas a resposta é sempre a mesma, dizem que querem ficar. É esse o espírito ucraniano”, atirou Shevchenko, que vive em Londres depois de ter saído do comando técnico do Génova a meio de janeiro.

“Digo à minha que quero voltar mas é este o meu papel agora. Falar sobre o que se está a passar, sobre a tragédia real que o povo ucraniano está a atravessar. Milhares de crianças estão a ser obrigadas a ir para debaixo de terra para procurar proteção, porque estão constantemente sob ataque de mísseis. É uma verdadeira tragédia”, acrescentou. Dias depois, o antigo jogador falou com a televisão ucraniana para garantir que está a fazer a ponte entre os clubes da Premier League e os clubes do próprio país para que as crianças e os jovens não deixem de jogar futebol.

AC Milan v FC Internazionale - Coppa Italia

O antigo internacional ucraniano apareceu num vídeo transmitido em San Siro antes do dérbi entre o AC Milan, onde jogou, e o Inter Milão

“No Reino Unido, todos os clubes de futebol estão a responder à situação em que está a Ucrânia. Estão prontos para aceitar crianças e jovens ucranianos nas academias dos clubes da Premier League. As negociações para formalizar tudo isto ainda estão a decorrer, precisamos de autorizações. Mas vamos tentar tratar de tudo de forma muito rápida, estou em contacto com a Federação. Tudo tem de ser feito para que as crianças que deixem as próprias cidades possam treinar na parte ocidental da Ucrânia ou então noutros países”, revelou Andriy Shevchenko.

Seguiu-se uma presença no programa “Che Tempo Che Fa”, da italiana RAI, onde voltou a falar da mãe e da irmã mas já divergiu o discurso para a necessidade de os outros países terem de abrir as portas aos refugiados ucranianos. “Não consigo olhar para o que se passa no meu país sem chorar. Dizem-me a verdade sobre o que se passa na Ucrânia, sobre as cidades bombardeadas, sobre os novos e velhos que já morreram. Precisamos de tentar convencer a Rússia a cessar fogo e encontrar uma solução diplomática para parar esta guerra. Quando cheguei a Itália, o país abriu-me o coração. Fizeram com que me sentisse um de vocês e agora sinto que é a minha segunda casa. Agora, peço-vos: abram os vossos corações ao meu povo, precisamos da vossa ajuda… Façam com que eles sintam aquilo que eu senti. Já existe muito afeto e apoio de toda a gente, eu sei, mas peço ainda mais”, acrescentou.

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Por fim, nas últimas horas, Shevchenko deu aquela que foi, talvez, a entrevista mais completa desde que a invasão russa à Ucrânia começou oficialmente. Na plataforma de streaming DAZN, o treinador reconheceu que o mundo desporto já comprovou que está “ao lado” dos ucranianos mas lembrou que “a angariação de fundos é importante” para combater os avanços das forças militares russas. “Pedimos ajuda para encontrar fundos. A Ucrânia tem falta de comida e o equipamento médico está a ficar escasso. Precisamos de tudo mas também de apoio moral. As pessoas têm de protestar e falar mais, a Ucrânia precisa de mais humanidade. Temos de nos expressar para acabar com esta guerra e tentar, de todas as maneiras, ajudar o meu país a vencer esta batalha. Esta guerra tem de acabar o mais depressa possível, temos de cancelar todas as perdas humanas. A guerra é a pior coisa que existe. Neste momento, o meu país vive um inferno. Estou a tentar falar para o coração das pessoas para angariar fundos e ajuda. Há muitas pessoas na Ucrânia que precisam de ajuda”, terminou Shevchenko, que já fez parte do partido Ukrajina–Vpered! e chegou a ser o segundo nome na lista às eleições legislativas de 2012, tendo falhado a eleição para o Parlamento.