Quando os caroline lançaram o primeiro single na Rough Trade, em março de 2020, o mundo estava prestes a fechar-se. Más notícias para uma banda com oito elementos que, em início de carreira, se via impedida de tocar ao vivo e de se lançar a sério na produção do primeiro álbum. Do outro lado da linha estão Jasper Llewellyn, Mike O’Malley e Casper Hughes, ou seja, os três cabecilhas dos caroline, os que deram início à ideia há cerca de cinco anos, quando ainda estavam na universidade. Muito relaxados e felizes com o resultado do álbum homónimo, que se desprende da ideia de rock tradicionalista, assente em ideias de fusões e art-rock, com uma linha direta a bandas como Black Midi, Black Country, New Road ou Squid. Mas os caroline não soam a qualquer uma delas. Tocando no tema pandemia, Jasper dirige-se à coisa nestes termos: “Houve alturas em que pensei que um de nós iria apanhar Covid e lixar um concerto importante ou uma atuação num festival. Não aconteceu. Mas estivemos sem tocar durante quase um ano e meio.” E por falar em tocar: os caroline vão estar em Lisboa a 5 de maio , para um concerto com produção da ZDB.

O álbum começa com “Dark blue” e “Good morning (red)”, as duas primeiras canções que a banda gravou e que estão na sua génese. “Houve uma altura em que éramos só essas duas músicas”, diz-nos Mike O’Malley. As interações dos três surgem como se estivéssemos todos juntos numa mesa (não estamos, estamos ligados via Zoom), a ter uma conversa de amigos. Cada um completa-se ao outro, não à procura da melhor resposta, mas a contar as situações, tal qual como se lembram. Entrar em caroline com essas duas canções tem um sabor especial. Em “Dark blue” ouve-se “I want it all / so tell them / I want it all”, ressoa um pouco ao “I wanna be adored” que abre o álbum homónimo dos Stone Roses, sem a arrogância ou o estranho desejo do absoluto. O que se ouve em “Dark blue” é menos uma mensagem para o exterior e mais uma mensagem interior. É simples: gravar a música que querem, como querem.

[“Good Morning (red)”:]

Antes de assinarem com a Rough Trade já tinham várias versões para algumas música. Elas foram sempre evoluídas até chegarem às versões que se conhecem hoje. Nada de anormal aqui, o que muda nos caroline é que ao longo deste processo foram adicionando novos elementos à banda. “Nunca foi algo que tenhamos projetado”, conta Jasper, ao qual Mike acrescenta: “Ter uma banda com tantos elementos foi algo que aconteceu. Não mudaria nada do que somos hoje, mas isso nunca fez parte do nosso objectivo inicial.” Casper conclui: “Deve-se sobretudo às limitações do que conseguíamos fazer com três pessoas. E à medida que fomos tocando, crescendo e sabendo mais de música, começámos a ficar excitados com as possibilidades de outro tipo de arranjos, o que outras pessoas poderiam trazer à banda. E fomos conhecendo pessoas, músicos, que acharíamos que colaborariam bem connosco, que iria trazer algo de novo e mais personalidade. Queríamos que o nosso som fosse mais expansivo e não apenas uma banda de três amigos. Gostamos de tocar com um grande grupo de pessoas.”

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[ouça o álbum “caroline” na íntegra através do Spotify:]

Isso nota-se muito no resultado final de caroline. A música abre-se muitas vezes para caminhos inesperados. Oiça-se “Engine (eavesdropping)”. Na primeira parte da canção, ela parece estar a ter um nascer contínuo, em que os instrumentos sugerem não estar exatamente a executar notas, mas a procurar um som. Na segunda parte, o tema abre-se e inicia-se um processo em que todas as ideias andam em círculos sem chegar a uma conclusão. É incrivelmente satisfatório para o ouvinte, a procura da própria banda resulta em algo inerente ao rock, sem sair da pop. Com o som rejeita as associações que existem ao pós-rock – fácil de cair nessa armadilha, numa banda com esta configuração – e colocam-na mais próxima de uma nova era do rock: uma para a qual ainda não se arranjou um catálogo concreto.

A magia dos caroline está nessa constante rejeição da fórmula. A banda que ouvimos em “Dark blue” – convém relembrar, o primeiro tema que gravaram – é totalmente diferente daquela do último tema, “Natural Death”. A muitos sítios foram antes de chegar ali, muitas experiências sonoras se viveram, mas sem sair da narrativa: caroline não parece uma amálgama de temas, mas uma carta de apresentação de uma banda disposta a experimentar. Na entrevista fala-se em música concreta, em gravações do ambiente que os rodeou em determinado momento e, no meio da conversa, Casper lança um nome inesperado: Mark Fell e o seu projeto snd. Acrescenta: “Eu sei, não tem nada a ver com a nossa música, mas houve um momento em que estávamos muitíssimo interessados na música dele.” Jasper salta para a conversa e clarifica: “O que ouves no Mark Fell é o que ouves  na música improvisada, só que no caso dele, parece uma máquina à procura do seu ritmo. Ele duplica várias coisas até as encontrar. Ouço esses ritmos como música livre. Para nós foi importante usar essa tensão, aquela que existe na contradição entre a repetição e a improvisação. Enquanto criávamos as canções tentámos encontrar as relações entre um e outro.”

[“Skydiving onto the Library Roof”:]

Por isso, alguns temas – olá “Skydiving onto the library roof” – soam a música improvisada dentro desta lógica. Percebe-se que certos sons nasceram dessa sessões e que a repetição existe para encontrar um ponto de fuga: algumas vezes porque a repetição quebra as correntes e segue o seu caminho, noutras porque o próprio efeito repetitivo encontra as suas soluções. Ou seja, o padrão desloca-se para outros padrões. É uma estranha forma de fazer pop/rock, mas é uma que nasce de uma geração que teve um acesso facilitado a vários géneros de música e cuja curiosidade permite-lhes ter ferramentas – alguém já mostrou isso ser possível – para encontrar novos caminhos no rock: “Queremos que os nossos instrumentos se oiçam como objetos e não como coisas que fazem notas. São materiais vivo. Isso é essencial para a nossa improvisação, para o modo como tocamos,”, finaliza Jasper.

Ouvido de uma ponta a outra, caroline é música antissistema, contra a descoberta de música via playlists ou o rótulo de que uma banda é uma coisa que começa e acaba numa música. No seu primeiro álbum, os caroline querem ser ouvidos com a liberdade com que criaram estes temas. Onde folk, rock, música concreta, field recordings e música contemporânea minimal convivem em harmonia, fluindo todas as coisas no mesmo caminho. Não é estranho, difícil ou esquisito. É libertador.