O pai da dona da casa de acolhimento de Torres Novas acusada de manter uma idosa morta a pernoitar com outras duas durante 12 dias, ouvido esta sexta-feira no Tribunal de Santarém, tentou responsabilizar os familiares das idosas pela sua debilidade.

A testemunha foi arrolada pela defesa depois de o coletivo do Juízo Criminal de Santarém ter comunicado, no passado dia 16 de fevereiro, uma alteração não substancial dos factos constantes da acusação, relativos à alimentação deficiente que era prestada pela arguida aos idosos que tinha ao seu cuidado na casa de acolhimento de que era responsável em Riachos, Torres Novas (distrito de Santarém).

O pai da arguida procurou convencer o tribunal de que “nunca faltou comida” aos idosos e tentou responsabilizar as famílias das duas idosas que acabaram por morrer em março de 2021, afirmando não saber onde a filha “tinha a cabeça” para as ter recebido “desidratadas de tudo” e declarando a convicção de que, tendo em conta “o estado” em que estavam quando ficaram ao seu cuidado, “aguentaram tempo demais”.

“Porque é que umas estavam bem e outras não?”, questionou, concluindo que “já iam assim” e que as próprias não se queriam alimentar devidamente porque não estavam habituadas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Quis ajudar e agora está na situação que está”, declarou.

Quando questionado sobre o que terá levado a filha a não comunicar a morte da primeira idosa à família, corroborou o que a arguida havia já dito ao tribunal, de que “paralisou, bloqueou”.

A audiência desta sexta-feira ficou marcada por uma chamada de atenção do advogado da arguida sobre a “separação de poderes” entre o tribunal e o Ministério Público, criticando uma alegada troca de impressões, o que levou a procuradora Ana Melchior a classificar esta intervenção de “torpe”.

Ana Melchior questionou o que levou a defesa a só agora apresentar esta testemunha, que veio ao tribunal afirmar que a casa era “mais que abastecida” e “endossar a responsabilidade a terceiros”, quando foi às mãos da arguida que “aconteceu o que aconteceu”.

A defesa, que admite a prática de um crime de profanação de cadáver, afirmou que, ao longo do julgamento, não foi produzida prova da prática do crime de maus-tratos, “muito menos resultando em morte”.

A mulher foi acusada pelo Ministério Público da prática de quatro crimes de maus-tratos, dois deles de forma agravada (por terem resultado na morte de duas idosas), e um de profanação de cadáver.

Na primeira audiência de julgamento, no passado dia 2 de fevereiro, a arguida procurou convencer o tribunal do seu arrependimento, mas entrou em contradição quando questionada sobre quando se apercebeu da morte da idosa que permaneceu, segundo as perícias médicas, pelo menos 12 dias no mesmo quarto em que dormiam outras duas mulheres, até ser descoberto em 2 de março de 2021.

A proprietária da casa de acolhimento justificou a não comunicação da morte nem às autoridades de saúde nem aos familiares com um “bloqueio”, porque se “atrapalhou” devido à situação da pandemia da Covid-19.

Quando questionada pela procuradora do Ministério Público sobre se se apercebeu da morte da idosa e do momento em que ocorreu, a mulher afirmou deduzir que tenha sido “repentina”, mas insistiu que só se apercebeu que estava morta no dia em que o neto a ia buscar para a mudar para outro lar, a 2 de março de 2021.

Quanto à situação da segunda idosa, cujo óbito foi declarado em 3 de março, a arguida tentou explicar os sinais de aparentemente não ter seguido as instruções que lhe estavam a ser dadas pelo INEM na sequência da chamada que fez para o 112, afirmando que continuou a fazer as manobras de reanimação com uma mão enquanto enviava uma mensagem pelo telemóvel à sobrinha da vítima, e que os silêncios notados pelos técnicos ocorreram no momento em que foi abrir as portas para que a equipa de socorro pudesse entrar em casa.

Segundo a acusação, a vítima (a quem havia sido feito o teste Covid pedido pelo neto da outra idosa) morreu, “em data não concretamente apurada”, entre as 10h00 do dia 1 de março e o dia 3.

A presidente do coletivo, Raquel Rolo, agendou a leitura do acórdão para o próximo dia 17, às 13h45.