A central nuclear de Chernobyl foi um dos primeiros alvos das forças russas, ocupada logo no primeiro dia de invasão da Rússia à Ucrânia. Desde aí que 210 funcionários têm sido mantidos reféns pelas forças russas — sem a possibilidade de sair do local e serem substituídos. A Agência Internacional de Energia Atómica já veio alertar para a situação, indicando que os trabalhadores estavam “exaustos”.

Há três semanas no mesmo local, os funcionários estão “exaustos” quer do ponto de vista “físico”, quer “moral”. De acordo com o que apurou o Wall Street Journal, os trabalhadores comem relativamente pouco — a sua alimentação é baseada em papas de aveia e enlatados. A comida é preparada por um cozinheiro de 70 anos, que está ininterruptamente a trabalhar desde 24 fevereiro, e que já terá colapsado devido à exaustão.

As condições de vida são precárias dentro da central nuclear. De acordo com um relato de um familiar de um dos técnicos à Agence France-Presse, os trabalhadores “dormem no chão”, em “secretárias” ou em “cadeiras”. “Não podem lavar os dentes”, mas podem tomar banho — “sem sabão, nem champô”. “Não há medicamentos”, sublinha a mesma fonte, isto apesar de vários sofreram de hipertensão.

Os reguladores internacionais estão a tentar entender o que se passa dentro de Chernobyl, mas é cada vez mais difícil. As forças russas cortaram a comunicação com a central nuclear. Nos últimos dias, soube-se apenas que a energia foi restabelecida, isto após um novo corte.

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Confrontos em centrais nucleares aumentam nas últimas horas. Trabalhadores de Chernobyl estão em “exaustão moral”

Nem os próprios trabalhadores contactam com o mundo exterior quando querem. Inicialmente, ligavam aos familiares e até conseguiram falar com o ministro de Energia ucraniano. Mas os soldados russos já lhes retiraram os telemóveis, permitindo o contacto com a família raramente. Além disso, os funcionários não podem ir a lado nenhum sem militar a segui-los.

Nos primeiros dias de invasão, os funcionários tinham de registar, o que acontecia durante a noite numa ata, uma prática que foi abandonada, dado que acumulam turnos e horas de trabalho sem descanso. Agora, os militares russos até contam uma piada, nos altifalantes, todas as manhãs: “Outro turno permanente começou”.

Tendo em conta este cenário, muitos trabalhadores ponderam revoltar-se, mas os tanques russos estacionados na entrada da central nuclear fazem temer o pior. Ainda assim, como forma de protesto, o hino ucraniano começa a tocar nos altifalantes na central nuclear, todos os dias às 9 da manhã. Durante esses segundos, os funcionários deixam de trabalhar e metem a mão no peito. Depois voltam ao trabalho.

As famílias dos funcionários estão na mesma situação. Praticamente todas vivem em Slavutych (também conhecida por cidade atómica), que serve como dormitório para os trabalhadores da central nuclear. Cercada por forças russas, a comida também está a começar a faltar. No domingo, dezenas de pessoas saíram à rua para protestar contra o tratamento dos técnicos de Chernobyl. “Os nossos rapazes não são apenas reféns, são prisioneiros de um campo de concentração russo”, disse uma das manifestantes a uma televisão local citada pela AFP.

Uma explosão nuclear é improvável, visto que a central deixou de produzir eletricidade em 2000. No entanto, é necessário manter uma equipa de técnicos no local para controlar o sarcófago que cobre o reator número 4 da central nuclear, onde estão confinadas 200 toneladas de corium radioativo, um material com a consistência semelhante à da lava que se gerou durante o acidente nuclear, 30 toneladas de poeiras contaminadas e 16 toneladas de urânio e plutónio, elementos que também são radioativos.

Chernobyl nas mãos da Rússia. O que acontecia se o material radioativo fosse libertado?