O território português deve registar “desagravamento da situação de seca extrema em parte do território” até ao final de março, de acordo com previsões do Instituto Português do Mar e da Atmosfera para a Agência Portuguesa do Ambiente (APA). A chuva das últimas semanas tem permitido que os níveis das barragens estejam a subir, e por isso, a autoridade governamental admite rever as medidas em vigor, “assim que for possível”.

Durante os primeiros dez dias de março, choveu cerca de metade do que é normal para este mês do ano. Segundo os dados avançados pela APA ao Observador, os níveis de precipitação na região Norte e Centro do país foram os que mais contribuíram para uma possível melhoria da situação de seca extrema. No dia 14 de março, das 62 albufeiras que estão a ser monitorizadas pela Agência Portuguesa do Ambiente, 11 apresentavam “disponibilidades superiores a 80%”, são menos 22 quando comparado com os dados de 2021.

Nuno Lacasta, presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, adianta à rádio Observador que se tem verificado uma melhoria dos níveis de enchimento de várias barragens do país e, por isso, aumentaram também as reservas de água no “rio Lima, Cávado, Douro, Vouga, Mondego, Tejo, também nas ribeiras do Oeste, no próprio Sado e até na região do Alentejo”. Algumas zonas do Guadiana, no entanto, ainda não apresentam essa subida. O presidente da APA lembra que a situação nacional tem, por isso, de “continuar a ser monitorizada” com o objetivo de “assegurar sempre que os diferentes usos, sobretudo os prioritários como o abastecimento humano, são acautelados.”

No início de fevereiro, o Governo suspendeu a produção hidroelétrica cinco barragens do país –  Alto Lindoso/Touvedo, Alto Rabagão,  Vilar/Tabuaço, Cabril e Castelo de Bode no Zêzere – o que “permitiu aumentar os níveis de armazenamento”, explica Nuno Lacasta. Também na semana passada, a APA decidiu suspender “a produção de eletricidade na barragem do Ermal, em Guilhofrei, isto para assegurar o abastecimento de Póvoa de Lanhoso e também uma captação de água que abastece Guimarães e Vizela”, afirma o presidente.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Seca. Governo suspende produção de electricidade em 5 barragens da EDP

As medidas podem vir a ser reconvertidas, consoante a evolução da situação: “Evidentemente que agora, à medida que os níveis de chuva e de enchimento das albufeiras possam vir a melhorar, nós não deixaremos de ajustar as medidas”, adianta Nuno Lacasta. Para isso é preciso que os “valores de enchimento das albufeiras” voltem a estar próximos dos valores médios nesta época do ano. Nessa altura, “e assim que for possível” as medidas podem ser alteradas. Há cerca de um mês, a previsão interna da APA era a de que não deveria haver condições para repor a exploração hidroelétrica nas cinco barragens conducionadas até ao final do ano hidrológico, setembro.

Mas desde o início do mês já se verificaram melhorias em algumas barragens, com destaque para a de Castelo de Bode em que os níveis de água subiram um metro, no último mês. A barragem está agora a 60% da capacidade total. Ainda assim, Nuno Lacasta adianta que faltam 9 metros para os níveis voltarem ao normal. “Significa que ainda temos que continuar a priorizar esse enchimento”, sublinha. O presidente da Agência Portuguesa do Ambiente lembra ainda que a barragem de Castelo de Bode beneficiou das reservas maiores da barragem de Cabril: “Foi possível haver alguma compensação de Cabril para Castelo de Bode contribuindo para  enchimento desse metro”.

Nuno Lacasta aponta o facto de ter chovido mais, a gestão conjunto de diferentes barragens e também o “caudal ecológico que foi registado em baixa” como os fatores que permitiram “haver alguma recuperação nas diferentes barragens”, ainda assim alerta que “os níveis não estão totalmente repostos”. 

[Ouça aqui as declarações do presidente da Agência Portuguesa do Ambiente à Rádio Observador]

Agência Portuguesa do Ambiente destaca a melhoria nos níveis de água das barragens

Na semana passada, em entrevista à Antena 1 e ao Jornal de Negócios, o ministro do Ambiente abria a porta ao alívio das restrições nas barragens, caso a chuva se mantivesse. O presidente da Agência Portuguesa do Ambiente considera este um cenário realista já que “a chuva tem contribuído de uma forma muito importante para o nível de recuperação”, o que coloca as barragens “mais próximas dos níveis de enchimento para esta época do ano”. Ainda assim, Nuno Lacasta volta a alertar que neste momento esses níveis “históricos” ainda não foram atingidos e por isso as restrições têm de se manter.

APA admite prolongamento de situação de seca extrema a Sul

Nuno Lacasta explica que o “aumento de precipitação sobretudo a Norte e Centro, neste início de março, levou a alguma recuperação dos níveis de albufeira” o que permite traçar um cenário mais positivo. Ainda assim, a APA alerta que a situação de seca extrema pode “prolongar-se a Sul com as barragens da Bravura e Monte da Rocha em níveis críticos e já com o uso condicionado para rega”.

As aldeias submersas que a seca fez emergir e os turistas que elas atraem

Nuno Lacasta aconselha, por isso, que, mesmo com números mais animadores das últimas semanas, se mantenham todas as precauções: “Estamos em situação de seca, isso é muito claro. Temos que continuar a fazer uma gestão de água, que é normal em situação de seca, mas esta é uma gestão particularmente parcimoniosa.”

O presidente da Agência Portuguesa do Ambiente sublinha que têm vindo a ser tomadas várias medidas de contingência. No Algarve, por exemplo, até ao final do ano, vão aumentar a permissão de água para reutilização, nomeadamente em campos de golfe e para a rega de espaços públicos. Para além disso, estão a ser controlados e restringidos alguns de consumos de “forma inovadora” como é o caso da zona da Bravura, no Algarve, em que “foram alocados para rega cerca de três hectómetros cúbicos de água” para que a associação de agricultores possa gerir e distribuir conforme as necessidades. Nuno Lacasta adianta que esta medida vai ser reproduzida também na zona do rio Mira, no âmbito do Plano de Gestão Hidrográfica do Alentejo.

Mais de 60% do território do continente em seca extrema no final de fevereiro

A Agência Portuguesa do Ambiente também está a acompanhar os níveis das águas subterrâneas, os dados apontam um “número significativo de massas de água com níveis abaixo de percentil 20”. E, por isso, foi suspensa a emissão de novas captações de águas subterrâneas. O presidente sublinha que quando é possível fazer essas captações, “mesmo que seja em pequenas quantidades”, agora têm sempre de ser autorizadas primeiro.

No final de fevereiro, 66% do país apresentava níveis de seca extrema, 29% em seca severa e 5% em moderada. Apesar disso, Nuno Lacasta considera que o país “nunca esteve tão bem preparado para gerir a seca como agora”. E diz que está a haver uma coordenação a nível regional sobre os passos a tomar. “Todas as medidas são aprovadas pela Comissão Nacional de Seca e são aprovadas ao nível regional. Temos sistemas de governação organizados, temos os diferentes atores mobilizados”, justifica. Nuno Lacasta sabe que a situação é “complexa e complicada”, mas diz que “o nível de envolvimento é sem precedentes” e destaca medidas como o Plano de Eficiência Hídrica do Algarve, como exemplo disso mesmo.