Terceiro El Clássico da época, terceiro jogo com o Real Madrid teoricamente favorito, terceiro jogo com o Barcelona a querer superar-se para dar uma imagem mais condizente com aquilo que é a sua história. Até aqui, nada de novo. Mas este era talvez o duelo onde o foco estaria tanto ou mais na zona do banco do que em campo, uma realidade adensada pelas lesões de Karim Benzema e de Ansu Fati. Há quatro anos que Ronaldo não está, há quase um ano que Lionel Messi também partiu e por mais que exista qualidade com fartura nos dois conjuntos aquela figura do galáctico estava em jogo com o decorrer dos minutos. Entre os técnicos, de diferentes gerações e com diferentes perfis, aí sabia-se ao que se ia. E o triunfo por 3-2 do conjunto da capital nas meias da Supertaça após prolongamento mostrou que também contam e muito.

Os tempos verbais que definem um clássico: o Barça vai ser melhor, o Real já é melhor e Benzema foi sempre o melhor

De um lado, o senhor Carlo Ancelotti. Apesar dos dez pontos de vantagem a dez jornadas do final e de um reforço anímico inevitável com a reviravolta na Champions frente ao PSG, o transalpino continuava a ter muita contenção nas palavras, recordando sempre que como treinador do AC Milan perdeu uma final da Liga dos Campeões a ganhar 3-0 ao intervalo (2005, Liverpool). No entanto, os números mostravam que estava cada vez mais próximo de se tornar o primeiro a ser campeão nas cinco principais ligas europeias depois de Itália (AC Milan), França (PSG), Inglaterra (Chelsea) e Alemanha (Bayern). E um dos principais obstáculos nesse caminho era o jovem Xavi, que agarrou no Barcelona a meio da época e chegava agora ao Santiago Bernabéu com uma série de 11 jogos sem perder após a eliminação na Taça do Rei em Bilbau que permitiu subir aos lugares de Champions da Liga e chegar aos quartos da Liga Europa.

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“O Barcelona melhorou muito, está numa boa dinâmica. É uma equipa completa, que joga muito bem. Na minha opinião, o Xavi está a ir muito bem. A identidade do Barcelona nunca muda, tem um estilo de jogo muito definido. Xavi encarna muito bem esse estilo”, destacara Ancelotti, que se revelava confiante na capacidade de poder ganhar sem Benzema: “É uma parte importante da nossa equipa mas vamos procurar outras soluções, apesar de ser alguém que define bem o último toque e o jogo coletivo. A nossa forma de jogar tem de cruzar com as caraterísticas dos jogadores. Nunca excluo nenhuma ideia de jogo”.

“Vai ser uma partida muito especial. É sempre difícil mas estamos preparados e motivados. Vamos planear o jogo com base no ataque. Queremos os três pontos. Não descartamos a Liga mas é uma possibilidade mais remota. Ganhar o Campeonato já é complicado e difícil. Se fizermos contas, é difícil. Mas para nós a pressão é a mesma. É um clássico e queremos vencer, a pressão é grande tanto para o Real como para o Barça”, dissera Xavi, antes de voltar a abrir as portas de Camp Nou a Lionel Messi: “É o melhor jogador da história. As portas estarão abertas enquanto eu for treinador, como se ele quisesse vir todos os dias. Ele merece uma grande homenagem do clube. Ele ainda tem contrato com o PSG. As nossas portas vão estar sempre abertas e tem que ser assim porque tudo aquilo que ele nos deu não tem preço”.

Estavam reunidos todos os ingredientes para um grande jogo, que não deixou de ser mas que teve só uma equipa em campo perante a falta de comparência do Real Madrid: o Barcelona deu um autêntico show de bola no Santiago Bernabéu, podia ter aumentado ainda a humilhação frente ao rival e mostrou que está a nascer um novo “tiki-taka” que é sobretudo um “tiki-tática” que mantém de forma intacta a grande qualidade técnica que é colocada no jogo mas que tem menos posse, joga de forma mais vertical e precisa de menos passes para chegar à frente mas é tão ou mais letal do que aquele que era interpretado por Messi. E com uma curiosidade: Xavi pensou ambos, primeiro a jogar em campo e agora a treinar fora dele dando uma versão 2.0 a um estilo que tem mais preocupação com posicionamentos sem bola sabendo o que fazer rápido após a recuperação da mesma e potenciando as características individuais dos avançados.

A primeira imagem do jogo até foi “enganadora”, com o Real Madrid a mostrar como chegar à baliza de Ter Stegen jogando com quatro médios e apenas Vinícius e Rodrygo na frente e a colocar Valverde na carreira de tiro para um remate bem travado pelo germânico (7′). No entanto, foi sol de pouca dura e essa aparente bonança tornou-se uma tempestade que até poderia ter outros números na enxurrada de futebol que veio da Catalunha: Aubameyang obrigou Courtois a grande defesa (12′), Ferran Torres atirou a rasar o poste (19′) e o mesmo Aubameyang inaugurou mesmo o marcador num desvio de cabeça após cruzamento de Dembelé, naquele que foi o quarto golo do gabonês em quatro encontros no Santiago Bernabéu (29′).

Não faltaram avisos ao conjunto da casa mas o Barcelona tinha mesmo assumido o jogo como queria, tendo saídas rápidas com grande qualidade que deixavam os merengues sem referências e perdidos em campo. Só o intervalo poderia servir como bússola ou GPS para reencontrar aquela equipa que lidera a Liga e fez a recuperação épica na Champions com o PSG mas o mesmo chegou com mais um um golo dos catalães por Araújo, na sequência de um canto (38′), já depois de mais uma defesa apertada de Courtois a remate de Aubameyang e uma saída rápida de Vinícius que, só com Ter Stegen pela frente, perdeu a bola.

Ao intervalo, Carlo Ancelotti assumiu a falência da equipa, tirou de campo Carvajal e Toni Kroos, lançou Camavinga e Mariano Díaz mas o Real Madrid foi de mal a pior: com apenas 22 segundos da segunda parte Ferran Torres apareceu isolado frente a Courtois para rematar ao lado, logo a seguir recebeu de calcanhar de Aubemayang e atirou um míssil sem hipóteses para o 3-0 (47′). E não, não ficaria por aqui: ainda a equipa da casa estava a tentar perceber a melhor forma de jogar com uma linha a três na defesa e já o Barça tinha marcado mais um, de novo por Aubameyang a surgir isolado na área para bisar (51′). Os minutos que se seguiram foram quase de choque, dentro e fora de campo, mas até ao final foram os blaugrana que continuaram a criar ocasiões para aumentarem a vantagem – e com Courtois em destaque. Não que o título do Real esteja ameaçado, até porque o Sevilha voltou a empatar, mas este El Clássico vai causar mossa…