“Não vou mudar o mundo sozinha, mas mudamos o nosso entorno”. Assim explica ao Observador Veruska Olivieri o sentimento por trás do seu projeto, a Be We, uma loja que reúne uma série de marcas nacionais e internacionais, grandes e pequenas, que partilham a preocupação com o ambiente e a comunidade, com alguma dose de criatividade e que acaba de abrir numa nova morada no centro de Cascais.
Veruska é uma empreendedora brasileira que fez de Portugal a sua nova casa e conta que o projeto Be We surgiu no final do primeiro confinamento, em 2020, e que foi ao cair desse ano que ganhou forma. “Eu já tinha a intenção de trabalhar com marcas que tivessem impacto positivo. No período da pandemia isto ficou muito forte, a história da gente ter de usar máscara para proteger o outro muito mais do que para proteger a nós mesmos, os cuidados de distanciamento. Era mesmo esta a questão de que juntos conseguimos fazer a diferença. Por isso o nome Be We. Se olhar para o logotipo temos o ‘Be’ vazado e o ‘We’ cheio, é justamente porque nós só somos completos quando estamos no coletivo, quando pensamos no coletivo.” Conta que viu a pandemia como um alerta da Natureza para repensarmos o nosso modo de vida. “Eu tenho um filho pequeno, hoje ele tem seis anos, na época ele tinha quatro. E eu pensei ‘ou você se vira e começa a trabalhar em prol de alguma coisa que seja também coletiva e que se preocupe com o meio ambiente ou o teu filho não vai conseguir beneficiar deste mundo’”.
40 marcas portuguesas e outras 30 que dão a volta ao mundo
Na Avenida Valbom, mesmo no centro de Cascais (duas ruas ao lado da atual morada), existia uma loja chamada Casa Pau-Brasil, que Veruska já conhecia bem porque era a responsável por trazer para Portugal a marca Flávia Aranha, que era lá vendida. A pandemia destinou que a loja fechasse portas e perante a perspetiva de ver o projeto acabar e as pessoas no desemprego Veruska decidiu fazer algo. “Aquilo me incomodou e eu falei que preciso fazer alguma coisa. E foi assim. Já tinha planos de abrir uma loja e com esse contexto pensei, ‘eu tenho produto, tenho gente, tenho um objetivo muito forte. Eu vou abrir’. As pessoas falavam ‘você está doida’. Agora é a hora de fazer o que precisa ser feito e eu tenho força suficiente.” Foi nesse espaço que nasceu a Be We, em plena pandemia. “Para ter uma ideia, quando abrimos não existia logotipo na parede. Naquele momento não havia quem fizesse esses serviços. Abrimos na coragem. As sacolas não tinham nome. Fomos tendo bons desempenhos, vendendo bem, aumentando o nosso mix de produtos, trazendo muitas marcas portuguesas.”
Entretanto foi necessário um espaço maior. A mentora do projeto começou à procura e encontrou a atual morada. “Este espaço já estava preparado para ser um outro negócio, mas no segundo lockdown a pessoa teve de desistir e eu falei ‘é ali mesmo que vai ser’.” Conta que encontraram um retail designer dentro da própria equipa, Tom Marcelino, que criou o charriot com rodas para ser fácil mudar a loja — tudo isto em cerca de dois meses, uma vez que fecharam o contrato do espaço em meados de dezembro e a loja abriu em fevereiro. Neste momento tem cerca de 70 marcas na loja, das quais 40 são portuguesas e as outras 30 são de vários lugares do mundo, do Brasil a Estocolmo.
Veruska conta que está todos os dias na loja e a ela juntam-se 12 pessoas, neste projeto, tanto à frente da loja, como nos bastidores. O espaço tem 400 metros quadrados, e por baixo estão os escritórios. “Temos uma equipa super mista. Eu sou brasileira e portuguesa, tenho portugueses na equipa, moçambicanos, brasileiros. É bastante diversificada e eu acho que isso agrega, porque a gente pensa e trabalha de maneiras diferentes e compõe. Eu hoje posso dizer que tenho a equipe de sonho.”
A Be We tem morada na rua Dra. Iracy Doyle, nº 40B, ou talvez seja mais fácil dizer que é mesmo à frente da estação dos comboios de Cascais, grande, central, e de fácil acesso e fácil visualização, como a dona pretendia desde o início. “Queria que fosse térreo, porque eu acho que o cliente não gosta de subir escadas. Eu, como cliente, detesto subir escadas.” Veruska lembra que a vila tem residentes provenientes de vários locais — “há mais de 190 nacionalidades a viver em Cascais” — e para a empresária era importante contar com os turistas, mas, sobretudo, “construir uma relação com quem mora na região”.
Mas, afinal, porquê em Cascais? “Cascais é a minha paixão. Em 2016 o meu marido veio cá e apaixonou-se por Cascais. Voltou para o Brasil a dizer que nós tínhamos de ter uma casa aqui.” Na altura o casal vivia no Brasil, mais precisamente na cidade de São Paulo, e Veruska começou por questionar se se adaptaria a viver numa cidade pequena, habituada a enfrentar duas horas de trânsito, entre outros exemplos que caracterizam o ambiente cosmopolita da cidade brasileira. Entretanto foi surpreendida por um cancro da mama e disse que queria mudar de vida. “Foi quando o meu marido veio aqui e disse ‘temos de mudar de vida ali!’.” E assim foi. “Viemos para cá no final de 2016, foi amor à primeira vista. Não sei explicar. Construí a empresa, tenho amigos aqui, não saio daqui de jeito nenhum.” O marido trabalha entre Portugal e o Brasil, e atrás do casal vieram as respetivas famílias. “A minha irmã e a minha prima trabalham comigo. A família do meu marido veio para cá, os meus sogros são portugueses e voltaram com a maior emoção do mundo, porque não imaginavam regressar.”
Psicóloga de formação, conta que exerceu a profissão, em clínica, durante um ano. Depois começou a trabalhar com desenvolvimento de empresas e a sua vida foi-se construindo dentro da consultoria de atendimento ao cliente.
Memórias olfativas e algodão orgânico
Para escolher as marcas que têm lugar nesta loja há um processo de curadoria, seguindo uma linha de raciocínio desenvolvida em conjunto com a gestora de produtos. É essencial desde logo que as etiquetas candidatas façam parte deste conceito, ou seja, que tenham algum impacto positivo, seja ambiental, seja económico ou social. “Segundo, precisa compor o nosso mix de produtos.” Veruska explica que há marcas que podem não estar presentes na loja durante algum tempo, por não conseguirem produzir material, mas depois voltam. Mais rigoroso do que o processo de entrada na Be We, é o controlo de qualidade. “Sou neta de costureira, então a primeira coisa que eu faço é ver o avesso das peças” explica Veruska e acrescenta que trabalha com marcas que têm a certificação B Certified, um selo mundial para as marcas que seguem a pegada da sustentabilidade e que certifica toda a cadeia de produção.
Na nossa visita guiada pela loja começamos logo pela entrada. “Esta é uma marca chamada Partner in Cream que trabalha com produtos orgânicos naturais, formulada por uma francesa e um português, que são um casal. Tudo feito artesanalmente e produzido em França”, logo ao lado estão as 24 Bottles. À direita fica a secção feminina onde encontramos marcas de roupa como Marie, Mila Vert (uma marca de Estocolmo que trabalha com algodão orgânico), Be Simple, Yogini (com roupa inspirada no ioga), +351, A Lines (“esta marca, temos o maior amor por ela, é de uma fábrica portuguesa que produz para indústria de luxo. Eles tinham a confeção no norte, surgiu da alfaiataria e hoje tem uma marca própria”) . Veruska apresenta as marcas começando pelo nome e referindo de imediato a qualidade dos materiais, como se de uma assinatura se tratasse. Depois convida a tocar e a sentir as texturas. Ao fundo desta secção está o calçado, uma seleção de marcas de diferentes estilos e nacionalidades.
Voltando à entrada da loja… à esquerda do balcão está uma seleção de vários produtos Granado, grandes frascos com belas embalagens coloridas que trazem consigo as memórias olfativas do Brasil. Depois a secção masculina que, conta a fundadora, “é maioritariamente portuguesa”, e destaca marcas como La Paz, com as camisas de flanela que são um sucesso nesta loja. Assim como os óculos Pica-Pau, feitos com madeira e que surgiram de um projeto de faculdade. Ao fundo está a zona destinada aos produtos da casa. “Temos uma marca de cerveja, em que o lucro da empresa reverte para organizações sem fins lucrativos que recolhem plástico nos oceanos. E depois há marcas que transformam o plástico do oceano em peças de roupa.”
Na Be We as marcas são companheiras de caminhada, por isso a loja não se limita a vender os produtos. Veruska conta que há um investimento nas marcas e que às vezes dão uma ajuda aos produtores mais pequenos em assuntos como a formação do preço de venda ou questões de importação, “não é a nossa expertise, mas conseguimos ajudar. Há uma responsabilidade muito grande. Há gente que depende do meu negócio aberto para sobreviver”, recorda a fase da pandemia, quando foi necessário encontrar soluções para escoar, como o WhatsApp. A equipa arregaçou as mangas e ia à loja fotografar produtos de forma a criar catálogos para enviar para os clientes. “O que vendemos mais foi produtos de casa e roupas confortáveis. Não era o melhor dos mundos, mas era o que a gente conseguia fazer.”
Em cerca de dois meses abrirá um café no interior deste espaço, para “complementar a experiência do cliente dentro da loja”. Ou, como descreve a fundadora, para “ser um lugar para sentar e bater papo ou ter uma reunião de negócios”. Para o final de 2023 ou início de 2024 está a ser estudada a abertura de uma nova loja e já há cidades em vista — uma é o Porto, mas as projeções vão para lá das fronteiras nacionais. “É preciso que tenha um público recetivo ao nosso conceito e disposto a consumir este tipo de produto. O objetivo é trabalhar com os produtos locais naquela região e levar um pouco de Portugal para estes lugares. Pretendemos começar com pop-ups para testar. Madrid, Barcelona, países nórdicos… Não vai ser agora, mas o futuro só chega se o planearmos bem”.