A bolsa de Valores de Moscovo voltou a negociar ações, mas com grande controlo. O reinício destas transações aconteceu esta quinta-feira e a bolsa subiu 4,4%. Mas muito condicionada. A luz-verde para retomar as transações com ações foi dada esta semana mas com limites. Muitos. Só 33 cotadas, em 50, puderam ver os seus títulos negociados, as corretoras russas ficaram impedidas de receber ordens de venda dadas por estrangeiros e o short selling (aposta na queda das ações) está proibido. Três medidas que visavam impedir que, na reabertura, a bolsa voltasse a sofrer perdas como aquela que aconteceu no dia em que a guerra começou. A 24 de fevereiro, a bolsa de Moscovo caiu mais de 45%, tendo ficado suspensa a partir do dia seguinte (25 de fevereiro). Até esta quinta-feira as transações de ações estiveram fechadas, mas já tinha arrancado no início desta semana a negociação de algumas obrigações de dívida pública russa.

O índice da bolsa moscovita tem um total de 50 cotadas, mas só foram autorizadas transações sobre 33 neste dia de reabertura, em que só esteve a funcionar quatro horas. Da Casa-Branca o comunicado dizia tudo: “O que estamos a ver é uma farsa: uma abertura do mercado [estilo] Potemkin. Depois de manter os mercados fechados quase um mês, a Rússia anunciou que só permitirá a negociação de 15% das ações cotadas; que os estrangeiros estão proibidos de vender as suas ações e as vendas a descoberto foram proibidas.

Enquanto isso, a Rússia deixou claro que vai despejar recursos do governo para sustentar artificialmente as ações das empresas que podem ser negociadas. “Este não é um mercado real e não é um modelo sustentável”, diz o comunicado do assessor de segurança nacional adjunto para a Economia Internacional, acreditando que a situação “apenas realça o isolamento da Rússia do sistema financeiro global”. E promete que os EUA e os aliados vão continuar a “tomar medidas para isolar ainda mais a Rússia da ordem económica internacional enquanto continuar a guerra brutal contra a Ucrânia”.

O que é o estilo Potemkin?

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O estilo Potemkin é referido como sendo uma farsa como a usada pelo militar do império russo, Grigory Potemkin, que terá mandado construir aldeias com fachadas falsas para encobrir pobreza para as exibir à czarina Catarina II, cujo cognome era “a grande”. E onde eram essas aldeias? Na Crimeia que em 1774 foi anexada pelo império russo.

E nisso foi corroborado por analistas ocidentais e citado por jornais internacionais. Craig Erlam, analista do Oanda, declarou, citado pelo Market Watch, que o mercado russo já “não é mais um mercado com funcionamento normal. As autoridades estão a fazer um grande esforço para manipular o mercado e impedir outra queda devastadora e os seus esforços estão a funcionar, pelo menos por agora”, diz, concluindo que: “Estão, simplesmente, a ganhar tempo”. Os investidores estrangeiros estão proibidos, pelo menos até 1 de abril, de vender ações ou mesmo obrigações em rublos.

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E assim, gigantes como a Gazprom, a Lukoil e a Rosneft tiveram subidas, na sessão desta quinta-feira, de dois dígitos. Do lado das perdas, a Aeroflot não conseguiu ser segurada e caiu 16%. Há outro ponto a reter. A avaliação das empresas no mercado russo é significativamente mais elevada do que a que conseguem nas negociações em Londres onde têm títulos cotados. Segundo o Market Watch, as ações da petrolífera Lukoil valem 100 vezes mais em Moscovo do que em Londres e as da Gazprom 10 vezes mais. Mas as ações russas no mercado londrino continuam suspensas.

A bolsa de Moscovo nos últimos meses. Fonte: Investing.com

A bolsa acabou as quatro horas de negociação a subir 4,4%, mas a meio da sessão chegou aos 10%. A Rosneft e a Lukoil subiram, respetivamente, 16,97% e 12,41%, enquanto a companhia de alumínio Rusal subiu 15,81%. As empresas de energia e de metais fizeram os ganhos do índice, num dia em que as matérias-primas subiram, ainda que no final das sessões europeias acabassem por perder face ao dia de ontem. O brent está nos 117 dólares por barril e o WTI nos 111 dólares.

Jeroen Blokland, analista da True Insights, assinalou estas subidas no Twitter, deixando o aviso: “Muitas pessoas parecem ansiosas para investir na Rússia. Talvez com a ideia de que as valorizações voltarão a níveis pré-guerra. Mas é improvável que isso aconteça. É muito difícil atribuir fundamentais, mas o que sabemos é que as (auto)sanções permanecerão por muito tempo”. As projeções apontam para quedas na economia russa de 15% em 2022 devido à guerra e às sanções, a que se juntará uma queda adicional de 3% em 2023, o que apagará 15 anos de crescimento económico da Rússia.

Ainda assim, segundo a Reuters, que cita corretores, houve procura por ações russas, mas que também foi motivada pela promessa do Kremlin de que iria colocar à disposição fundos para a compra de ações. “O sentimento é apoiado na confiança de que o Ministério das Finanças vai comprar ações”, defendeu, numa nota citada pela Reuters, a BCS Brokerage. No início de março, o governo russo declarou que teria disponível cerca de 10 mil milhões de euros do Fundo soberano para comprar ações de empresas russas, mas não é certo que esse dinheiro tenha sido investido na sessão desta quinta-feira.

A Bolsa de Moscovo declarou que 567 mil investidores privados representaram 58,2% do volume desta quinta-feira, com 121 participantes profissionais a realizarem o restante. Apesar da recuperação desta quinta-feira, o índice moscovita ainda segue com uma desvalorização de quase 33% este ano.

Esta sexta-feira mais títulos voltarão a ser negociados na bolsa de Moscovo, como a dívida corporativa e os eurobonds. “Vamos fazer os possíveis para abrir todos os segmentos na bolsa de valores em breve”, declarou Boris Blokhin, líder da bolsa de Moscovo, citado pela Reuters.