O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) afirmou esta quinta-feira que a independência com que o MP exerce as suas funções constitui garantia de que não é instrumentalizável nem “não se deixa conduzir por critérios políticos”.

“O que existe é um aproveitamento político por parte de alguns protagonistas da nossa vida política dos processos em investigação pelo Ministério Público (MP), quando deviam, pelo contrário, respeitar a independência dos tribunais e do MP“, declarou Adão Carvalho, em vésperas do XII Congresso do SMMP, em Vilamoura, Algarve.

Questionado sobre quais são as ameaças à independência do MP, referiu que “o calcanhar de Aquiles radica na falta de autonomia financeira do MP e, por conseguinte, da sua excessiva exposição à boa vontade do poder executivo para ter os meios materiais e humanos necessários ao exercício das suas funções”.

“O que nós vimos defendendo é a consagração legal da autonomia financeira do MP e a alocação, por parte do Estado, em sede de Orçamento do Estado, das verbas necessárias para que o MP possa exercer as suas funções de forma totalmente independente”, vincou Adão Carvalho, reiterando que “o grau de independência com que o MP exerce as suas funções constitui uma garantia para os cidadãos de que não é instrumentalizável, que não se deixa conduzir por critérios de oportunidade política ou de outra natureza”

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Quanto ao latente conflito autonomia/hierarquia do MP, Adão Carvalho considerou que “a tendencial independência de cada magistrado na decisão, mesmo numa estrutura hierarquizada como a do MP, “constitui não um privilégio ou prerrogativa de autoridade em benefício do magistrado, mas uma garantia para todos os cidadãos contra toda e qualquer tentativa de instrumentalização ou condicionamento da atuação desta magistratura”.

Relativamente ao tema genérico do Congresso — “Ministério Público Autonomia/Responsabilidade, Qualidade e Cidadania”– Adão Carvalho esclareceu que tal escolha se deve ao facto da “autonomia e responsabilidade serem a essência de um magistrado”, para que haja o garante da independência judicial, uma tutela jurisdicional efetiva, o respeito dos direitos fundamentais, a separação de poderes e da igualdade de todos perante a lei.

Questionado sobre que perfil deve ter um dirigente do MP e que eventuais problemas de formação, trabalho ou outros enfrentam os novos e antigos procuradores face a matérias cada vez mais técnicas e complexas, o presidente do SMMP reconheceu existirem alguns problemas a nível organizacional.

Assinalou que, após a reforma judiciária de 2014, multiplicaram-se no MP um conjunto de estruturas hierárquicas de gestão, como são exemplos os Procuradores-Gerais Regionais, os coordenadores de comarca, os diretores do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP), os dirigentes de secção, cuja “atividade muitas vezes se esgota na elaboração de relatórios e mapas estatísticos, sobrecarregando os magistrados constantemente com pedidos de números e mais números”.

Nas suas palavras, “ao invés de se ter instalado uma verdadeira cultura organizacional, com modelos de comunicação e gestão de desempenho que exigem o apelo ao conceito de inteligência organizacional, onde são fatores essenciais a proximidade, a entreajuda, a motivação, o conhecimento dos magistrados, optou-se pela tirania dos números”.

Isto gerou — disse — que a cultura organizacional que se tem instalado “não é de motivação, mas de intimidação”, pois “o que é relevante para estas estruturas de gestão do MP é apresentar uma diminuição de pendências e não, assegurar uma justiça melhor e mais eficiente”.

Em sua opinião, para que se alcance uma justiça melhor, mas célere e mais eficiente, é necessário que os órgãos de gestão do MP em vez de sobrecarregarem os magistrados “com mais burocracia e preenchimento de mapas, assumam as suas responsabilidades diretivas, conheçam a realidade que dirigem, procurem uma melhor gestão e aproveitamento dos meios existentes, sejam solidários e chamem a si os processos mais complexos e que lutem por mais e melhores meios para o MP”.

Em matéria de investigação criminal, reconheceu que tem existido um investimento na formação dos magistrados do MP nas áreas da criminalidade económico-financeira, através de programas de formação, intensiva e altamente especializada, de magistrados do MP nas áreas da prevenção e investigação da corrupção e outros crimes conexos.

Alertou porém que falta ao nível dos DIAP Regionais “uma cultura de estudo crítico e reflexão sobre processos que estiverem em investigação nos mesmos e que poderão não ter tido o sucesso expectável ou a celeridade desejável e a partir do mesmo redefinir a estratégia processual de forma a melhorar, em cada momento, a qualidade da resposta do MP”.

Quanto à comunicação entre MP e a sociedade, admitiu que “a Procuradoria-Geral da República tem de melhorar a comunicação e vir a público, mais vezes, prestar informação isenta e objetiva sobre os processos com impacto mediático, relevante não só para contribuir para uma opinião pública esclarecida, mas para defesa dos próprios envolvidos mos processos”.

Adão Carvalho realçou que, além do papel mais visível na ação penal, o MP tem um papel fundamental na promoção dos direitos sociais (laborais, crianças e jovens e família), para além da defesa dos interesses do Estado e dos interesses difusos (por exemplo, ambiente, consumo).

“Os interesses coletivos e difusos estão igualmente nas competências do MP com intervenção em áreas como a saúde pública, o ambiente, o ordenamento do território, o urbanismo, a qualidade de vida, e o património cultural”, concluiu.