A noite da 94ª edição dos Óscares ficará para a história não como aquela em que o filme favorito, “O Poder do Cão”, de Jane Campion, perdeu para “CODA”, um pequeno filme independente visto em “streaming” (Apple TV+) que um grande estúdio recusou financiar porque não tinha vedetas no elenco, mas sim como a que um ator nomeado, Will Smith, agrediu em direto um colega, Chris Rock, por causa de uma piada que este lhe fez à mulher, a também atriz Jada Pinkett-Smith. Foi “o momento mais feio da história dos Óscares”, como escreveu o jornalista e apresentador Piers Morgan no Twitter, e voltou a dar razão a todos aqueles que deixaram de ver a cerimónia de entrega das estatueta e de lhe dar qualquer importância.

Durante a entrega dos Óscares de 2002, Will Smith terá alegadamente agredido, num intervalo, Ethan Hawke, que contracenou com Denzel Washington em “Dia de Treino”, papel que valeu a este então o Óscar de Melhor Ator. A agressão terá sido causada pelo facto de Smith haver sido preterido por Washington para o papel e Hawke se ter metido no meio de ambos para acalmar Smith. A história foi comentada à época mas sem provas concretas. Hawke apareceu depois na cerimónia com o que parecia ser a marca de uma agressão na cara, mas disse ser baton de um beijo entusiástico dado pela mulher de Denzel Washington. A dita marca horas depois tinha desaparecido, quando o ator já estava na festa pós-Óscares da ‘Variety’

[Veja a agressão de Will Smith a Chris Rock:]

Depois de Chris Rock dizer “mal posso esperar para ver “GI Jane 2″” a Pinkett-Smith, que tem o cabelo rapado por sofrer de alopecia, uma doença auto-imune que causa a queda do mesmo, numa referência ao filme em que Demi Moore rapa a cabeça para poder entrar para os SEAL, as forças especiais da Marinha dos EUA, Smith levantou-se e foi ao palco bater em Rock, insultando-o depois de se voltar a sentar. Mais tarde, ao receber o Óscar de Melhor Actor pelo seu papel de Richard Williams, o pai das tenistas Serena e Venus Williams, em “King Richard: Para Além do Jogo”, Smith lançou-se num discurso lacrimal, confuso e nada convincente, em que disse querer ser “um recetáculo de amor”, pediu desculpa à Academia e aos outros nomeados, mas não a Chris Rock, e tentou defender-se do que tinha feito invocando a forma tenaz como Richard Williams sempre protegeu a família. Em 1993, Richard Gere esteve banido da cerimónia do Óscares durante 20 anos após ter ter feito um apelo em prol do Tibete e atacado a China por ocupar esta região. Veremos agora se a Academia irá ou não sancionar Smith pelo seu inédito comportamento violento. 

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A cerimónia dos Óscares foi, aliás, toda ela um desastre. Depois das audiências do ano passado terem sido as mais baixas de sempre, a Academia tentou encurtar a duração do espectáculo atribuindo antecipadamente os Óscares de oito categorias, e montando depois na emissão um excerto de cada entrega, o que a levou a ser acusada de as menorizar e aos profissionais que nela trabalham. A onda de protestos e de indignação nas redes sociais foi enorme antes, durante e depois da cerimónia, e há já várias demissões de membros da Academia naquelas categorias, alguns deles vencedores de estatuetas. Ainda por cima, a medida não resultou e a cerimónia prolongou-se passou a barreira das 3 horas e meia: mais meia hora do que estava planeado pelos organizadores, e 20 minutos mais que a de 2021.

[Veja o “trailer” de “CODA”:]

O trio de apresentadoras (Amy Schumer, Regina Hall e Wanda Sykes) bem fez piadas sobre a razão por que tinham sido escolhidas (“Fica mais barato do que pagar a um homem”), mas as três tiveram muito menos graça do que qualquer apresentador masculino anterior. Embora menos politizada do que as anteriores, a cerimónia foi caótica, sem ritmo, marcada por um ar de informalidade forçada, com momentos de promoção descarada à Disney (a ABC, que detém o exclusivo dos Óscares, é propriedade deste estúdio) e comemorações de aniversários de filmes que não faziam uma data redonda. Alguns dos vencedores puderam falar o tempo que quiseram, enquanto outros se viram “despachados” com música sem a menor cortesia, caso do japonês Ryusuke Hamaguchi, Óscar de Melhor Filme Internacional com “Drive My Car”. E foram confusamente encaixados na cerimónia os vencedores de uma votação promovida no Twitter sobre filmes favoritos dos fãs e os “cheer moments” dos mesmos, supostamente para atrair os espectadores mais jovens, mas que contemplaram fitas de super-heróis e de “zombies” demolidas pela crítica,  segmentos estes que foram abundamente gozados nas redes sociais. Perguntava ontem no Twitter um membro da Academia: “Foi deplorável. Será que os Óscares vão conseguir fazer 100 anos?”. 

No final de uma noite longa demais, vergonhosa e deprimente, a primeira parte de “Duna”, de Dennis Villeneuve, ganhou seis Óscares, todos em categorias técnicas mas incluindo Melhor Montagem e Fotografia, “O Poder do Cão”, de Jane Campion, que vinha com 12 nomeações só venceu em Melhor Realização e o simpaticamente “feel good” “CODA”, de Sian Heder, “remake” americano do bem melhor filme francês “A Família Bélier”, e a sensação de Sundance este ano, ganhou Melhor Filme, Argumento Adaptado e Ator Secundário (Troy Kotsur). O cinema não saiu nada bem servido. E o suposto apoio à Ucrânia foi envergonhado e subentendido, salvo uma rápida menção feita por Francis Ford Coppola quando subiu ao palco acompanhado por Al Pacino e Robert De Niro, para assinalar os 50 anos de “O Padrinho”. E recordar uma era em que de Hollywood saíam grandes filmes, em vez de filmes apenas grandes em duração como agora, tal como cerimónias dos Óscares intermináveis, atabalhoadas e embaraçosas.