Rui Tavares conquistou um lugar no Parlamento pelo partido Livre, depois de Joacine Katar Moreira ter sido eleita em 2019. Depois do afastamento da deputada, o historiador garante que o Livre “está para ficar” e será “também um partido de oposição”. Ainda assim, o objetivo principal é criar convergências à esquerda e para isso, Rui Tavares espera que o PS “discuta questões orçamentais”, apesar da maioria absoluta.

No dia de instalação da nova Assembleia da República, Rui Tavares é o convidado do “Sofá do Parlamento”.

[Ouça aqui o regresso do Sofá do Parlamento]

Rui Tavares: Livre “vai ser também um partido de oposição”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Já está bem instalado na Assembleia da República? 
Ainda não, estou a conhecer os cantos à casa e a trazer os primeiros documentos e os primeiros cumprir de promessa, mas é apenas um primeiro dia

Mas está confortável no lugar que lhe foi destinado entre o PS e o PCP? 
Para nós é muito claro. O Livre está no meio da esquerda, não é uma esquerda centrista não é uma esquerda extremista, é de uma esquerda verde e europeísta e é sintomático que nem tenha sido preciso fazer grandes finca pés em relação ao lugar onde está porque isso é claro para toda a sociedade. Aliás, só têm esses equívocos e esses problemas quem se andou a apresentar à direita uma campanha eleitoral inteira, caricaturando e demonizando a esquerda, e agora de repente querem estar à esquerda dos sociais-democratas. Não bate a bota com a perdigota e por isso é que se esquecem que a definição do posicionamento partidário é relacional, dependente de vários partidos, não basta uns quererem estar à esquerda dos outros, é preciso que os outros reconheçam que não estão á direita.

Há uma primeira decisão a ser tomada, sobre o presidente da Assembleia da República. O voto é secreto, mas Augusto Santos Silva merece a confiança do Livre? 
Quando fui confrontado com essa decisão no Parlamento Europeu, pode fazer sentido um critério de proximidade ideológica. Na Assembleia da República há candidatos pré-definidos para os lugares e portanto o critério que norteia o voto do Livre é de probidade democrática: votamos quando consideramos que os candidatos têm essa probidade, mesmo que não tenhamos essa proximidade ideológica. E aqui não estou a falar apenas do candidato a presidente, mesmo candidatos de outros partidos da metade direita, com uma exceção muito importante: quando são candidatos de partidos que defendem a desigualdade dos portugueses perante a lei, que defendem acabar com esta constituição e provavelmente até teriam gostado que o 25 de abril tivesse menos dias de liberdade do que de ditadura, aí votamos contra esses candidatos porque consideramos que não têm essa probidade democrática.

E aí está a sua resposta ao candidato do Chega a vice-presidente da Assembleia da República? 
Sim, mas quanto a Augusto Santos Silva é alguém que conheço há muitos anos como professor, foi meu professor no mestrado. É alguém que tem dado muitos anos da sua vida à defesa da causa pública. Temos diferenças ideológicas no campo da esquerda que até são assinaláveis: ele mais centrista. Isso não me impede de reconhecer o percurso ímpar e que espero que venha a desempenhar um bom mandato à frente do Parlamento

Que primeiras propostas é que vai apresentar na Assembleia? 
A primeira é o cumprimento de uma promessa eleitoral de um programa que chamamos 3C – de casa, conforto e clima, mas há também uma referência entre os 3C e os 3D da democracia, porque ainda há um D que ainda não foi cumprido. Muitos portugueses vivem em casas onde se existe um desconforto térmico, temos as casas onde se passa mais frio na Europa ocidental, onde há mais gente a referir que não tem dinheiro para conseguir aquecer a casa e onde existem mais pessoas a recorrer a métodos perigosos, provocando mortes e além disso paga-se muito. Defendemos que os 1500 milhões de euros adicionais da parte dinâmica do PRR possam financiar até 100% e até 100 mil euros o isolamento, aquecimento e refrigeração sustentável das casas, para dar mais conforto às pessoas. No pilar da Europa decidimos também apresentar um projeto de resolução muito simples: declarar Vladimir Putin como o principal responsável por crimes de guerra na Ucrânia e instar as autoridades portuguesas a saírem de uma posição relativamente confortável de condenação moral para uma posição prática de recolha de provas para o processo no Tribunal Penal Internacional para o julgamento, condenação e punição dos crimes de guerra.

Já referiu aqui duas ou três vezes a questão europeia e a sua experiência no Parlamento Europeu. Essa ligação entre o Parlamento português e a Europa vai ser uma prioridade? Gostava de ter um lugar na Comissão de Negócios Estrangeiros? 
Não necessariamente. Com a entrada do Livre no Parlamento para ficar, vamos ter mais vozes a quererem um verdadeiro debate europeu na Assembleia da República. A passagem dos Assuntos Europeus para a alçada do primeiro-ministro possa significar que, nos debates quinzenais, cuja introdução defendemos e vamos requerer, se discuta mais política europeia e que não haja à esquerda a incomunicabilidade que existiu, por exemplo, durante a geringonça. Nós queremos discutir a Europa, pelas grande diferenças que temos. Eu aliás mantive uma polémica com o primeiro-ministro que respondeu a artigos meus com visões muito distintas acerca do que deve ser o posicionamento de Portugal sobre um país que viola o Estado de Direito da União Europeia, se deve ou não ver cortado o acesso aos fundos europeus. A reposta do Livre é sim, não devemos financiar derivas autocráticas na União Europeia, a do PS e do primeiro-ministro é não e aí há uma diferença muito clara em política europeia e essa vai refletir-se no hemiciclo. Há muito tempo que o eleitorado e a opinião publica sentia falta de uma esquerda europeísta.

Reconciliação do PS com a maioria? “Espero qeu seja mais do que um voto piedoso”

O PS vai governar com maioria absoluta. Espera ainda assim ser chamado para negociar questões relacionadas com o Orçamento do Estado? 
O PS prometeu reconciliar os portugueses com a maioria absoluta. Eu espero que isso seja mais do que um voto piedoso. Durante a campanha dissemos que uma maioria absoluta não seria desejável porque corre o risco de fechar-se sobre si mesmo e de acabar, o partido que a detém, a exercê-la sobre uma atitude de certa sobranceria que é tanto mais problemática quanto mais considerarem que não é um problema. E quanto mais acham que não é um problema, mais problemático é para o país. Se essa atitude se traduzir num comportamento que pretende menorizar o Parlamento aí temos que combater essa atitude dentro e fora da Assembleia da República. O Livre fomenta a convergência e claro que as questões orçamentais devem ser discutidas, mas também fora das paredes do Parlamento queremos acrescentar à convergência a abrangência: é agora a altura de ir falar com a sociedade civil, dizer que é bom que entrem no Livre, que participem, mesmo que não queiram ser membros do Livre. Até ao 25 de abril e durante o mês de maio vamos levar a cabo um conjunto de debates.

Falou muito da convergência. O Livre não vai ser um partido da oposição? 
Vai ser também um partido de oposição, muito claramente. É para isso que serve a Assembleia da República e a oposição é um lugar nobre da política. Mas o Livre é também um partido de construção e de solução com propostas concretas como esta do 3C – casa, conforto e clima ou as propostas no domínio dos transportes e de um novo modelo de desenvolvimento sobre o conhecimento e a descarbonização. Teremos que mobilizar essa resposta e para isso já pedimos reuniões com os partidos da esquerda para encontrar caminhos comuns. Para além disso, há um caminho a fazer. O Livre não se contenta com ter um deputado único, vamos representar os 70 mil votos, mas achamos que o destino e o caminho é o que têm os partidos verdes na Europa e temos já sondagens que nos fazem acreditar que é possível chegar ao patamar dos 3% em breve, o que nos vai possibilitar crescer nestas causas.

No congresso do Livre uma lista opositora pediu mais vozes do partido no espaço publico e querendo mais lugares no Parlamento, o Livre precisa mais do que o Rui Tavares?
Sim, claramente, mas sobre isso não há ninguém que o tenha dito mais vezes e que tenha batalhado mais por isso do que eu. Não é nenhum segredo que a política não é a minha primeira vocação, tenho aqui um sentido de dever e de gratidão em relação ao Portugal do 25 de abril, sem a qual não teria cumprido os meus sonhos e ambições pessoais. Vindo de onde vim, com as minhas origens sociais e regionais, não o teria feito sem o 25 de abril e tenho esse dever de gratidão e responsabilidade em relação ao meu país e ao meu partido. Dei o meu melhor nesta campanha eleitoral, nos debates, para o Livre regressar ao Parlamento para ficar, mas evidentemente que o Livre sempre foi muito mais do que apenas uma pessoa e é um trabalho continuado que agora podemos fazer, o de ajudar mais vozes a aparecerem e tenho a certeza que isso vai correr bem

E é para cumprir até ao fim? Isto porque há Europeias e o nome de Rui Tavares surge sempre
Os mandatos são para cumprir até ao fim com aquelas cautelas que se devem ter: pode haver uma razão familiar, uma razão política que tenha que ser considerada mas a perspetiva sempre que se inicia um mandato é cumpri-lo até ao fim

Nos últimos meses o Livre envolveu-se numa polémica sobre os assessores, sobre a contratação de um elevado número de assessores. Passado este tempo considera que o processo podia ter sido conduzido de outra maneira ou ter sido mais transparente?
Pelo contrário. Foi bastante transparente. Teve um procedimento que as pessoas do Livre ou não puderam manifestar o seu interesse em trabalhar connosco, na autarquia de Lisboa. Hoje em dia, investigações da revista Sábado revelam que somos um dos gabinetes que usa menos dinheiro ou que não esgotou. Mas nesta matéria o problema e o verdadeiro escândalo está em muitos municípios que não têm condições para que os vereadores preparem os trabalhos e isso deve-se a Jorge Sampaio que, na autarquia de Lisboa, entendeu que a oposição tem direitos. Seja uma oposição de direita ou de esquerda, como é hoje. Os vereadores têm espaço para ter assessoria técnica, porque semanalmente temos que avaliar processos urbanísticos, processos legais e de contratação pública muito complexos e pelos quais os vereadores têm responsabilidade civil e criminal. Em Oeiras, onde o Livre também tem uma vereadora, no inicio do mandato nem um gabinete tinha para trabalhar. Em muitos municípios os vereadores da oposição só podem fiscalizar o trabalho se o presidente lhes der esses meios. O Livre nunca entrará em debates populistas sobre lugares de representação política. Os eleitos têm que ter condições para desempenhar condignamente o seu papel, senão estão a servir mal os cidadãos. O Livre, não tendo pelouro, precisa de “ir a todas” e optou por ter mais pessoas, mas em part-time. É uma decisão que assumo, acho que faz sentido e mantenho.