Na véspera da descentralização de competências de Educação para os municípios, os sindicatos de professores continuam a ser contra o processo, que levanta também dúvidas a pais e agrupamentos de escolas, por considerarem que o sistema precisa de “afinações”.

Nem a Frente Nacional de Educação (FNE) nem a Fenprof — Federação Nacional de Professores concordam com este processo de passagem de competências da administração central para as Câmaras, que o Governo pretende transferir definitivamente nesta sexta-feira.

Os sindicatos apontam que a intromissão das Câmaras pode colidir com a autonomia das escolas, dizem que não tem sentido passar para a tutela dos municípios funcionários que até agora eram do Ministério da Educação e lamentam um financiamento insuficiente das autarquias, o que irá criar assimetrias e desigualdades de município para município, num país onde haverá Câmaras que podem investir mais fundos próprios na Educação do que outras.

O secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira, considera que “é um processo errado” e que “boa parte das competências” não estão a ser tiradas ao Estado, mas às escolas.

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“Dizer que se descentraliza quando se tira do que está mais próximo do aluno e da resposta que é a escola para dar à Câmara, que é uma entidade intermédia entre a escola e o Ministério, isso não é descentralizar. É um processo inverso”, afirmou.

A FNE discorda deste processo “desde logo por não contemplar a transferência de competências para a própria escola”.

“Questionamos porque é que o estabelecimento de ensino não é um dos níveis da descentralização”, disse à Lusa o secretário-geral da FNE, João Dias da Silva, considerando que o processo, em vez de simplificar, “vem burocratizar”, e deveria “ser uma oportunidade de reforço da autonomia das escolas”.

Já quanto à transferência da gestão dos trabalhadores não docentes para os municípios, a FNE considera que “é um fator de perturbação” e que nem faz “sentido que sejam os autarcas a terem a responsabilidade da gestão da contratação de trabalhadores”, dos tempos de trabalho, de férias e de avaliação.

A Fenprof tem mantido reuniões com municípios por todo o país e “o discurso dos autarcas é o mesmo”: faltam recursos, nomeadamente para a gestão do pessoal que estão a receber, e falta financiamento para despesas com a Educação “que não lhes são ressarcida” pelas atribuições financeiras do Estado.

Mário Nogueira critica esta assimetria da descentralização, já que se há Câmaras que podem absorver essa despesa suplementar, há outras que não têm capacidade financeira para dar resposta.

Por isso, considera que não é de admirar que muitas Câmaras, que desde 2019 poderiam assumir competências na Educação, não o tenham feito até agora, existindo algumas que já vieram dizer que “não as vão aceitar de forma alguma”.

“Esperamos que haja aqui algum tino pela parte do Governo e que este processo – se não for parado, se não for adiado, se não for suspenso -, aceite que sejam os próprios municípios a dizer quando é que têm condições para poderem assumir essas competências”, acrescentou.

O presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, Filinto Lima, afirmou que o processo avançou nos municípios onde já está a decorrer há algum tempo uma negociação entre escolas e autarquias, o que não aconteceu “na maior parte dos concelhos”.

Esta situação, considerou, depende de vários fatores, incluindo da “sensibilidade que tem a autarquia e até o presidente da Câmara para as questões da Educação”.

“Naqueles concelhos onde houve uma ação concertada entre o município e as escolas, houve reuniões regulares ou auscultação, houve até debate, eu acho que nesses concelhos a partir do dia 1 de abril as coisas irão desenrolar-se de uma forma normal. Nos concelhos onde não existiu essa negociação, acho que a situação pode ter mais constrangimentos”, destacou, salientando que “os diretores das escolas tudo fizeram e querem fazer para que essa diretriz do Governo avance no dia 01 de abril”.

Para Filinto Lima, a chave do sucesso é autarquias e agrupamentos negociarem um compromisso claro, onde tudo fique esclarecido, nomeadamente questões sobre se a nova tutela pode deslocar os funcionários de uma escola para outra sem ouvir o diretor, ou se as receitas do aluguer de um pavilhão gimnodesportivo escolar ao fim de semana ficam para a autarquia, que passa a tutelar os equipamentos, ou continuam a fazer parte do orçamento privativo das escolas.

“Também é preciso que o Governo não se esqueça de, a tempo e horas, entregar o chamado envelope financeiro para que os autarcas possam fazer face às despesas acrescidas que esta descentralização irá ter para as Câmaras. Os autarcas não fazem milagres”, alertou.

Jorge Ascensão, que preside ao conselho executivo da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), considera que, por princípio, a descentralização é positiva por permitir maior proximidade, mas alerta que precisa de “afinações”.

Na prática, há situações muito díspares entre os concelhos envolvidos, porque se há municípios que, democraticamente, envolveram as comunidades, as famílias e as escolas na definição dos projetos, existem “outros que são mais autoritários”.

“Nem todos os autarcas têm o mesmo conhecimento sobre a Educação. Nós, até aqui, dependíamos do que fosse a visão do ministro, do Governo, agora vamos depender da visão de vários vereadores e presidentes de Câmara”, disse.

A lei-quadro da descentralização de competências para os municípios transfere, a partir de 01 de abril, escolas do ensino básico e secundário para as Câmaras, que ficam responsáveis pelo planeamento da oferta educativa, do transporte escolar, do investimento nos edifícios escolares, da gestão da ação social escolar, do fornecimento de refeições, da gestão das residências escolares, e da vigilância e segurança dos equipamentos educativos (em articulação com as forças de segurança).

Os municípios passam a ser responsáveis pelo “recrutamento, seleção e gestão do pessoal não docente”.

Dados do início de 2022 indicam que tinham assumido esta competência 125 municípios, de um total de 278 concelhos do continente.