O entusiasmo no restaurante “Praça” no Hub Criativo do Beato – prestes a abrir – quase se tornava no protagonista principal. Apesar da pandemia de Covid-19 não ter deixado que o festival Sónar fizesse a sua estreia em Lisboa, o evento de música eletrónica, tecnologia e talks vai finalmente acontecer nos próximos dias 8, 9 e 10 de abril, sem restrições sanitárias. Daí o tal entusiasmo de todos os organizadores. “Esperamos ficar aqui muitos anos, a ideia é haver um espaço para descobrir e desfrutar, tanto dos conteúdos como da música. Este não é um festival que se defina só pelo nome de um grande artista, é toda a sua linha. A definição como festival até é acidental, este é um encontro entre a criatividade e tecnologia”. Apesar da voz serena, Enric Palau, um dos fundadores deste festival que ocorre desde 1994, revela ao Observador estar seguro de escolher a capital portuguesa.

É que em 18 anos de Sónar, já foram organizados mais de 100 eventos, de Hong Kong a Reykjavik (36 cidades diferentes ao todo),  sendo Barcelona o palco que o viu nascer. Mas dois meses antes, é a vez de Lisboa ser a protagonista para fazer “de ponte” com o que acontece todos os anos em solo catalão. Na apresentação que decorreu esta quinta-feira no Hub Criativo do Beato, ficou a cargo de Gustavo Pereira (parte musical), João Meneses, ex-secretário de Estado da Juventude e do Desporto e fundador da versão do Sónar portuguesa, e Antonia Folguera, curadora deste “laboratório com party club”, como lhe chama Eric Palau, que também deu as boas vindas aos jornalista presentes.

São mais de 100 artistas em três dias, que vão andar entre o Centro de Congressos de Lisboa, o Coliseu dos Recreios, Pavilhão Carlos Lopes e o Hub Criativo do Beato. E há ainda o Sonár + D, com exposições e conferências, que decorrem entre as 12h00 e as 18h30 durante os três dias de festival, sobre os mais variados temas que andam a preocupar meio mundo em pleno século XXI: sustentabilidade, bitcoins, NFTs, realidade virtual, Inteligência Artificial ou desinformação. Quem for estudante, não paga para andar por aqui, naquela que será a maior edição desta parte do festival desde a sua fundação, principalmente porque se liga a todo este eixo Beato – Belém — promessa dos organizadores.

Vamos à música, do house ao techno. E há muita com concertos que se prolongam após as 5h00, com o mestre dessas cerimónias pela madrugada dentro a ficar a cargo de Rui Vargas, histórico DJ e programador do Lux. Comecemos com Arca (dia 8 Às 00h15), DJ, performer, cantora, compositora venezuelena, vai pisar solo português pela primeira vez e nem a própria curadora Antonia Fulguera sabe o que vai fazer. Pode deixar o público em extâse ou fazer com que toda a gente saia do recinto. Qualquer dos cenários é bom, palavra de curadora.

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Seguimos para Jayda G (10 de abril, às 20h50) que nos dá lições de música na pista de dança. Além de artista, Jayda G vai dar uma conferência, já que é também toxicologista ambiental, sua faceta menos conhecida. Mas, contrariando a vontade do Sónar, talvez o nome maior a destacar, daqueles que já trabalhou com Kendrick Lamar ou Erykah Badu, seja o de Thundercat, que anda pelo jazz e pelo funk, e que sobe ao palco no próximo dia 8 de abril às 22h00. Fiquemos por aqui.

Os nomes internacionais podem ser aqueles que saltam mais à vista — até porque se espera uma forte presença de público estrangeiro no Sónar — mas a vontade do festival é também mostrar nomes menos conhecidos de artistas portugueses. É por isso que nesta edição, houve uma preocupação de puxar e trabalhar com coletivos e editoras portuguesas como a Príncipe ou Bloop Recordings para o centro desta festa. DJ MARFOX, Nídia, EU. CLIDES ou Trikk (que se junta a Dixon, que anda nisto da eletrónica há mais de 25 anos, numa parceria exclusiva a acontecer no Sónar). Nem que seja porque o nome dos Buraka Som Sistema, que atuaram em Barcelona, e que tantas vezes ecoou nesta apresentação, deu o primeiro passo para esta vontade de levar os sons portugueses além fronteira nesta autêntica febre eletrónica que agora também chega a Lisboa. “Sim, queríamos dar a conhecer quem ainda não é conhecido, por isso é que estabelecemos uma ligação com vários coletivos e editoras de diferentes regiões do país”, referiu Gustavo Pereira.

Faltar falar do Sónar +D. E é aqui que a mistura entre ciência, música, algoritmos e sons de vulcões se encontram. Não estranhe, é mesmo assim. Comecemos por Maro Mezquida, pianista, que vai “trabalhar” com Inteligência Artificial na Fábrica do Pão no Beato. Junta-se um piano à Universidade Politécnica da Catalunha de Barcelona e dá-se uma estreia mundial onde esta nova tecnologia vai reconhecer as técnicas do pianista. Não é ficção científica, é mesmo o mundo a evoluir para o que quer que seja. Mas talvez o espetáculo mais arriscado do Sónar fique a cargo de Alexandro Cortini, que vive em Lisboa há dois anos, habituado a andar em palco com os Nine Inch Nails, mas que neste festival teve a encomenda de fazer uma instalação imersiva, “Nati Infiniti”, trabalhada com Joana seguro, nos quatro pisos da Fábrica da Moagem. Máquinas, música, máquinas.

Há ainda talks sobre “hacking bom”, onde os coders Tega Brain e Sam Lavigne vão explicar como é que os media poderiam só promover indiretamente anúncios sobre as alterações climáticas. A exposição “The Murder of Pavlos Fyssas”, dos Forensic Architecture, uma agência que investiga crimes na era digital recorrendo a câmaras de vigilância e áudio para emendar erros da justiça. Ou  a “Wetland” de Cláudia Martinho, investigadora portuguesa que tem trabalhado na Reserva Natural do Estuário do Tejo através do som. Mais uma experiência imersiva no Sónar (e são muitas, mesmo muitas).

Falta só referir uma instalação inusitada que até o próprio artista desconcertou — e atenção, há muito mais, como entrar “na cabeça” de vulcões e de sismos em “The View Frome Nowhere” dos Semiconductor Films. O pintor Francisco Vidal foi convidado a usar a tecnologia, algo estranho, já que durante a apresentação admitiu só usar uma: a do seu pincel.  Ora, para se integrar neste festival digital, o Sónar meteu-lhe uns óculos de realidade virtual e o pintor criou o “Casulo — Still Free”, feito em colaboração com os músicos beat Laden e Xullaji, programado por André Louro, com cenografia de Mica Costa e fotografia de Nhadim.