Depois de uma entrada no Multiusos de Guimarães num silêncio sepulcral, apenas cortado pelos aplausos tímidos da entourage bem ensaiada que acompanhava o líder do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos subiu ao púlpito —  para o último discurso nessa condição — pouco mais de dois anos depois de ter sido aclamado num Congresso em Aveiro. Falou de “atos de amor”, mas deixou fel aos críticos internos e ao passado do partido.

Na mesma semana em que a Assembleia da República tomou posse, pela primeira vez sem qualquer deputado eleito pelo CDS sentado na bancada, Rodrigues dos Santos falou em “atos de amor” e propôs “hastear a bandeira da união”, mas o discurso esteve longe de ser só paz e redenção.

[Pode ouvir aqui o discurso de Francisco Rodrigues dos Santos no 29º Congresso do CDS]

Francisco Rodrigues dos Santos não quer CDS como “associação de egoístas”. O discurso de despedida no congresso de Guimarães

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Rejeitando assumir o atual estado do partido apenas como consequência destes dois anos, Rodrigues dos Santos recuou até aos últimos dez anos para constatar que “o CDS perdeu 580 mil votos e 24 deputados”. E começou nas críticas: “Nestes 10 anos pagámos a fatura da impopularidade, das inevitáveis políticas de salvação nacional do Governo da PàF, a que tivemos orgulho de pertencer, junto do nosso eleitorado tradicional”.

De seguida, colocou os críticos do país na mira culpando-os pelo que descreve como uma “guerra interna sem precedentes, qual haraquíri partidário, onde o fogo amigo nos feriu de morte e nos alheou por completo do país”.

Mas em tempo de Quaresma também há lugar para assumir as próprias falhas e Rodrigues dos Santos assumiu perante o Congresso “todas” as suas “responsabilidades pelos erros cometidos” e manifestou a sua “frustração por não ter sido capaz de conduzir o CDS a um resultado honroso nas eleições legislativas.”

“A minha decisão de não me recandidatar à presidência é, nesta altura, o único ato ao meu alcance que me permite assumir as responsabilidades pelos erros de todos, libertá-los da culpa, e dar ao partido a oportunidade de inaugurar um novo ciclo sem traumas, concentrando-se na relevante tarefa de reafirmação”, disse.

Rodrigues dos Santos fez questão de frisar, a partir do púlpito, que “procurou de forma intransigente ser autêntico até ao fim” e que não “negociou” os valores em troca de popularidade e que “tudo valeu a pena”.

“Não negociei os meus valores em troca da vil popularidade ou de facilitismos. Não cedi a pressões, nem aos afagos, nem às ternuras, nem aos rancores. Fui fiel ao meu partido e à minha gente em todas as batalhas. Estive e estou convosco, porque foi por vós e pelos portugueses que tudo valeu a pena”, afirmou.

E se os ventos não sopraram de feição a Rodrigues dos Santos, o democrata-cristão citou Churchill para frisar que continua com “coragem para continuar” e que não há “fracassos eternos”.

“O CDS não se salva sozinho e precisa de todos. Quero garantir ao Congresso que o CDS continuará a ser a casa dos meus valores a morada política do meu coração”, disse Rodrigues dos Santos.

Os recados à nova direção e as coordenadas para o rumo a seguir

Ainda antes de deixar o púlpito, Rodrigues dos Santos deixou indicações para o futuro do partido. Diz Francisco Rodrigues dos Santos que “a utilidade do CDS se joga à direita” e que só há um caminho para o partido: ser a “direita certa, conservadora e democrata-cristã, orientada pelo bom senso”.

“Se é verdade que os nossos adversários estão à esquerda, o que é certo é que a nossa utilidade se joga à direita. Só vincando bem a alternativa à esquerda e as diferenças à direita seremos imprescindíveis a Portugal.”, disse, depois de deixar recados também à nova direção.

Dizendo que o CDS não é um “coro afinado e uníssono”, o líder do CDS prevê que saia do novo congresso”uma direção e uma nova oposição”, mas pede à nova direção que “acolha quem perde” e à nova oposição que “respeite quem ganhe”. Rodrigues dos Santos pediu ainda que “mais nenhum presidente do CDS tenha de ouvir”, como diz ter ouvido depois da sua eleição, “que o grande objetivo da oposição é ‘destruir o presidente, mesmo que para isso tenha de matar o partido primeiro’.”

Rodrigues dos Santos demorou-se ainda a fazer uma retrospetiva de tudo o que considera terem sido as dificuldades que lhe foram impostas no caminho: “Que mais nenhum presidente do CDS tenha de assistir, como eu assisti, aos ditos ‘notáveis’ do seu partido ocuparem o espaço mediático nos jornais e nas televisões para proclamarem a irrelevância do partido ou para dinamitarem a sua liderança; ou a pedir a sua cabeça ao final de um ano de mandato exigindo um congresso antecipado; ou a fazerem da bancada parlamentar uma trincheira ou das jornadas parlamentares comícios contra a direção do partido; ou a menorizarem os resultados eleitorais do partido publicamente, quando foram objetivamente positivos e quando o país os avalia como bons e dos quais todos tempos orgulho, como aconteceu nas eleições dos Açores e autárquicas.”

E acrescentou ainda: “Que mais nenhum presidente do CDS tenha de ser confrontado com militantes do seu partido, mais ou menos destacados, a desaconselhar o voto no CDS, ou recomendar, aos eleitores, que votem noutro partido.”