O perigo do extremismo populista antissistema já existia em Portugal antes do Chega, mas a “agressividade verbal” do partido de André Ventura e o contexto nacional e internacional provocaram uma reação mais acesa à esquerda e à direita. Esta é a tese do investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa José Pedro Zúquete inserida no livro “Populismos – Lá fora e cá dentro”, agora publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

“É verdade, e isso fica claro ao longo deste livro, que o alerta de perigo e extremismo em relação a partidos e líderes que exibiram traços anti-sistema assentes na dicotomia entre povo e elites está longe de ser uma novidade na política portuguesa. Mas nenhum dos populismos do passado gerou a reação que o novo partido tem gerado”, escreve.

Para explicar “o que mudou”, o investigador socorre-se do “ponto de vista dos adversários” de Ventura: “pode dizer-se que a agressividade verbal contra o sistema político e os seus representantes, o produtivismo exacerbado, a divisão entre portugueses bons e maus, ou o anticiganismo, por si só justificariam o sentimento de urgência em combater este alegado mal, mas outros fatores explicam esta reação”.

“O contexto internacional era um deles. O facto de o Chega aparecer num período em que o tema da ameaça dos populismos era prevalente no estrangeiro (sobretudo o populismo de direita, na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil) potenciou o pânico que a chegada a Portugal desta ameaça global provocou – o Chega, mais do que um partido era um sinal de novos tempos autoritários, liberais e perigosos”, sustenta.

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José Pedro Zúquete apresenta “outro fator interno que ajuda a explicar a diferença entre o tratamento dado ao Chega e a outros populismos de direita no passado”. “A sociedade portuguesa mudou nas décadas mais recentes, tornando-se mais multiétnica e mais presa à ideia de diversidade cultural e aos tema da discriminação e do racismo”, argumenta.

Para este investigador principal da Universidade de Lisboa, “essa mudança gerou não só novos tabus, como também uma reação mais explosiva a todas as manifestações vistas como antagónicas à nova ordem vigente”.

Por outro lado, afirma que não se pode desvalorizar “o papel que as novas tecnologias de comunicação (a Internet e as redes sociais) têm na radicalização do debate público, ao incentivarem e recompensarem a hipérbole e ao permitirem que as polémicas de que tantas vezes se servem os populistas para chamar a atenção tenham um alcance que não tinham antes das redes sociais, quando se encontravam mais circunscritas aos media tradicionais”.

“As polémicas não só são mais inflamáveis como duram mais tempo, uma vez que a nossa era digital permite que estas sejam facilmente recicláveis e trazidas do passado para discussões no presente”, argumenta, acrescentando que o Chega se tornou rapidamente “objeto de desprezo à esquerda e também para uma parte da direita”, criando um “debate entre a direita ‘dura’ e a direita ‘fofa'”.

Zúquete assinala que o Chega “não foi o primeiro partido a apresentar-se como sendo de uma direita popular”, mas, ao contrário de outros, “está longe de contar nas suas fileiras com um número elevado de figuras do meio político-mediático e de notáveis da praça pública”.

“Este plebeísmo também é um fator que pode ajudar a explicar a hostilidade de uma certa classe urbana e intelectual para com o intruso”, sustenta, afirmando que no passado, Marcelo Rebelo de Sousa também viu a vitória de Cavaco Silva como “o triunfo da vulgaridade” e o falecido jornalista João Carreira Bom referiu-se ao ex-líder social-democrata e primeiro-ministro como “um rústico com laivos urbanos”.

José Pedro Zúquete recorda a intenção de André Ventura de tornar o Chega no “maior partido português”, concluindo que “em todos os populismos de regeneração existe a tentação de Ícaro”, o herói da mitologia grega que “subiu, subiu e subiu, voou tão perto do Sol, tendo queimado as asas e caído”.

“Para a história dos populismos ‘cá dentro’, mas também ‘lá fora’, vemos muitas vezes, como inscrição final, a frase: “Nós, um dia, fomos o futuro”, conclui o investigador no capítulo dedicado ao partido de Ventura, já depois de indicar que o CDS-PP de Paulo Portas, em termos de discurso anti-imigração, à defesa da preferência nacional e dos postos de trabalho autóctones, “era mais radical do que o próprio Chega”.