Num percurso feito em sentido inverso, das obras mais recentes até às mais antigas, a Casa da Arquitetura dá a conhecer a partir desta sexta-feira mais de 40 anos de trabalho e percurso do arquiteto João Luís Carrilho da Graça. A exposição “Flashback Carrilho da Graça”, com curadoria de Marta Sequeira, tem como base o acervo do arquiteto que foi depositado na Casa da Arquitetura, em Matosinhos, e revela as obras de Carrilho da Graça através de desenhos, filmes, maquetes, fotografias e também referências externas.

Revisitar 40 anos de trabalho, indica o arquiteto numa visita guiada aos jornalistas, foi um trabalho difícil: “Até há pouco tempo costumava dizer que estava sempre a olhar para a frente e que não dava muita importância ao que ia fazendo e ao passado. Nunca tive a ideia de que a minha atividade, independentemente dos edifícios, viesse a ser musealizada e objeto de exposições”, revela Carrilho da Graça. Com a mudança de atelier foi necessário organizar todo o acervo e selecionar as obras que estariam presentes. “E isso, no meio da mudança e da desarrumação e arrumação, foi duríssimo. Foi difícil, mas acho que vale a pena”, acrescenta.

A primeira peça da exposição presente na Casa da Arquitetura é um quadro dos anos 80, o primeiro que Carrilho da Graça adquiriu e que permaneceu no seu atelier durante vários anos. “Adquiri-o através de uma espécie de permuta. Fiz o projeto da galeria Módulo e o dono pagou-me em géneros, pagou-me com este quadro que eu gosto imenso e que nunca mais deixou de estar no meu atelier”, revela.

No total, a exposição representa dez principais obras do arquiteto João Luís Carrilha da Graça (Ivo Tavares Studio)

A viagem arranca com as obras mais recentes, neste caso a intervenção na zona ribeirinha de Lisboa, que inclui o Terminal de Cruzeiros e a reabilitação da Doca da Marinha e do Campo das Cebolas. Há maquetes, plantas e projetos que serviram de inspiração para a obra e também trabalhos que permitiram a continuidade das investigações, como é o caso de um projeto para uma escola e museu de moda em Milão que acabou por não avançar, mas em que algumas características foram refletidas no Terminal de Cruzeiros.

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No total, a exposição representa dez principais obras do arquiteto, que vão desde a musealização da Área Arqueológica da Praça Nova do Castelo de São Jorge (Lisboa), à ponte pedonal sobre a Ribeira da Carpinteira (Covilhã); o teatro e auditório de Poitiers, a Igreja de Santo António e Centro Social de São Bartolomeu (Portalegre), o Pavilhão do Conhecimento (Lisboa), a adaptação e extensão do Mosteiro de Flor da Rosa (Crato), a Escola Superior de Comunicação Social (Lisboa), a Piscina Municipal de Campo Maior e a Casa Fonte Fria, em Portalegre — a última paragem desta exposição.

Cada obra é acompanhada de vários projetos e inspirações do arquiteto, como livros, fotografias e vídeos produzidos por Salomé Lamas, André Cepeda, Catarina Mourão e Tiago Casanova. O objetivo, revela Nuno Sampaio, diretor da Casa da Arquitetura, é que a exposição consiga comunicar com toda a população: “A arquitetura, naturalmente, é diferente de país para país e de autor para autor, mas é muito importante demonstrar o processo criativo, para que a população em geral consiga entender como se produz a arquitetura, quais as referências que os arquitetos têm. No fundo, é entrar um pouco dentro da cabeça dos arquitetos e entender a sua maneira de produzir”.

(Ivo Tavares Studio)

O título da exposição (“Flashback Carrilho da Graça”) é também uma homenagem a Julião Sarmento, amigo de José Luís Carrilho da Graça que morreu durante o período de preparação da mostra. As pinturas da série “Blue”, “Red”, “Yellow”, de 2019, que foram replicadas em painéis retroiluminados no projeto de Carrilho da Graça na Doca da Marinha, em Lisboa, foram da autoria de Julião Sarmento e também estão representadas nesta exposição.

“Vamo-nos aproximando do passado e vamos percebendo parte da obra mais recente”

No final da mostra, e depois de uma viagem no tempo, Carrilho da Graça diz não conseguir escolher uma obra preferida. “É como os filhos: mesmo que se tenha um preferido nunca se confessa”, refere, acrescentando que das centenas de edifícios e obras que elaborou é necessário “dar-lhes sempre atenção” devido às necessidades de restauro e preservação.

É como se tivesse uma multiplicação enormes de filhos plantados por todo o lado aos quais tenho de dar atenção. É uma sensação muito contraditória: parece que a arquitetura consiste na resolução de problemas, a partir de programas e sempre com um sentido público e coletivo, mas ao mesmo tempo estamos sempre a criar potenciais problemas futuros. É um processo em que em vez de resolver coisas crio problemas para o futuro”, acrescenta.

Já para Marta Sequeira, curadora desta exposição, o que foi procurado foi permitir que o público se coloque “dentro do universo cultural do arquiteto João Luís Carrilho da Graça”. A ideia de visitar a exposição no sentido inverso, revela, permite que ao mesmo tempo “se acabe por apontar uma série de hipóteses para o futuro da obra”.

“À medida que vamos avançando na exposição acabamos por ir da frente para trás, ou seja, do momento presente para o passado. Vamo-nos aproximando do passado e vamos percebendo mais coisas sobre aquilo que faz parte da obra mais recente do arquiteto. Isto permite perceber não só as suas origens do ponto de vista dos próprios projetos iniciais, mas também do seu próprio universo paradigmático”, refere. A encerrar a exposição, e a olhar para o futuro, está um livro de Lawrence Weiner, “Within Forward Motion”.

A exposição “Flashback Carrilho da Graça” está disponível a partir de sexta-feira, dia 8 de abril, até ao dia 29 de janeiro de 2023 e conta também com um programa de abertura. No sábado, dia 9 de abril, está prevista uma visita orientada pela curadora, às 15h, seguindo-se, às 16h30, um debate com Álvaro Siza, Gonçalo Byrne, João Luís Carrilho da Graça e Manuel Aires Mateus. Às 22h do mesmo dia haverá ainda um concerto na sala da exposição, da Orquestra Jazz de Matosinhos