As taxas de IRS aplicadas a cada um dos escalões de rendimentos estão ainda acima dos valores de 2011, no pré-troika, segundo uma comparação feita pela consultora Deloitte que tem em conta a atualização da inflação nos rendimentos e as alterações anunciadas para o imposto sobre os rendimentos singulares.

Esta evolução inclui já o efeito do aumento do número de escalões que será consagrado no Orçamento do Estado para 2022 (em linha com o que estava previsto na proposta chumbada no ano passado) e as tabelas de retenção na fonte ajustadas em março para refletir nos rendimentos líquidos uma parte dessa medida.

Fonte: Deloitte

A comparação foi mostrada numa sessão com jornalistas sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2022, que deverá ser conhecida nos próximos dias. O desdobramento de dois escalões é uma das medidas emblemáticas do OE, mas apesar de representar uma baixa da carga fiscal sobre o trabalho e pensões, ainda não permite apagar o “enorme aumento de impostos” associado às medidas de austeridade adotadas no período da troika.

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De acordo com Ricardo Reis, fiscalista da Deloitte, a criação de dois escalões vai favorecer mais os rendimentos mais elevados porque vão beneficiar das taxas mais baixas que passam a vigorar no terceiro e no sexto escalão. Estes rendimentos tinham ficado de fora de outras medidas de alívio fiscal no IRS como o desdobramento de escalões aplicado em 2018 e que beneficiou salários brutos até 3.200 euros.

Quem ganha com as novas tabelas do IRS

Todos os contribuintes vão pagar menos impostos, o que já se está a sentir com a antecipação parcial do efeito na atualização das taxas de retenção em março, como aliás demonstraram as simulações feitas pela consultora, na altura, a pedido do Observador. No entanto, os contribuintes continuarão a pagar mais do que pagariam em 2010 antes do programa de assistência financeira. O Governo espera que esta descida do IRS tenha um impacto orçamental de 230 milhões de euros em 2022 e mais 30 milhões de euros em 2023. Ou seja, menos de 2% da receita total do imposto.

Nas contas da Deloitte, o IRS também pesa mais na receita fiscal em 2021 (28,8%) do que dez anos antes (26,6%), assim como no PIB (de 5,7% em 2011 para 7,1% em 2021).

Fonte: Deloitte

Numa comparação com outros países europeus Portugal até apresenta uma taxa média de tributação do trabalho relativamente baixa de 28,1%.

Portugal já não compara tão bem com outros países (Luxemburgo, Holanda, Dinamarca, Bélgica, Alemanha, França, Polónia, Estónia, República Checa e Grécia) quando se analisa a taxa efetiva de imposto aplicada ao mesmo escalão de rendimento e retirando da equação os contribuintes que não ganham o suficiente para pagar IRS. Em 2022, a subida do salário mínimo para os 705 euros e a atualização do mínimo de existência dará isenção de IRS a mais 570 mil agregados familiares, que vão somar-se a 1,1 milhões de famílias que já não pagam o imposto.

“Quem ganha 2.000 euros no Luxemburgo tem uma taxa menor do que em Portugal. O nosso IRS é alto independentemente do poder de compra e dos salários”, indicou Ricardo Reis.

No programa do Governo, o Executivo promete mais mexidas no IRS (além do desdobramento dos terceiro e sexto escalões prometidos na proposta de OE chumbada no Parlamento, em outubro), nomeadamente uma “redução progressiva das taxas de IRS para todos os que venham a beneficiar dos aumentos de rendimento”, no quadro de um acordo em sede de concertação social, “a fim de assegurar a neutralidade orçamental da melhoria do rendimento dos portugueses”.

Ganhar mais e receber menos. Aumento do salário mínimo agravou distorção do IRS

Em causa está a correção de uma penalização fiscal que afeta os contribuintes que recebem aumentos salariais que elevam o seu rendimento bruto um pouco acima do patamar mínimo de isenção de pagamento do IRS e que acabam por receber menos em termos líquidos porque as taxas do imposto por escalão são iguais para todos os rendimentos. A redução da taxa aplicável ao primeiro escalão de rendimento ou um novo desdobramento seriam soluções técnicas que poderiam permitir reduzir este efeito, ainda que alguns contribuintes sejam sempre afetados por esta situação.