“Tal como todas as empresas” do setor alimentar, a Nestlé está a atravessar uma “situação difícil”, devido ao agravamento dos custos de produção. Mais do que as matérias-primas, são os preços da energia que estão a pressionar a gigante mundial, revelou esta quarta-feira o diretor-geral da Nestlé em Portugal, Paolo Fagnoni, durante a apresentação dos resultados de 2021 da empresa. “Os custos com energia estão a ter um impacto enorme na nossa atividade. Desde o início do ano tivemos um aumento dos custos nas nossas fábricas na ordem dos seis a sete milhões de euros” com gás natural e eletricidade, detalhou o responsável.

Além da energia, também a guerra na Ucrânia está a ter impacto na produção da Nestlé, ainda que não diretamente. “Não comprávamos cereais às áreas afetadas pela guerra, compramos sobretudo a Portugal, Espanha e França. Mas é claro que com a produção nestes países a ser afetada, a procura mundial vai colocar pressão sobre os fornecedores europeus e americanos. Mas neste momento não temos problemas na cadeia de abastecimento”, garantiu o responsável da Nestlé. Em 2021, a Nestlé Portugal comprou 126 milhões de euros a produtores portugueses, o que representa 40% das suas compras totais.

Um dos impactos esperados centra-se no óleo de girassol, proveniente sobretudo da Ucrânia. “Vai ser preciso mudar algumas receitas e optar por produtos substitutos. Está claro que a situação mundial vai mudar e nós somos parte dessa mudança”, admite Paolo Fagnoni.

A subida dos custos já está a ser sentida pelos consumidores. “Temos um aumento enorme dos custos, mas temos evitado transferi-los para os clientes”, refere o responsável. Mas os aumentos já chegam às prateleiras dos supermercados. Em média, alguns produtos aumentaram entre 7% e 8%, sendo esta subida medida em euros por quilo. São os casos do café, alimentação infantil e animal. Mas os custos de produção cresceram cerca de 15%. Em alguns produtos, como o café, as subidas dos custos chegaram aos 50%, refere a Nestlé.

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Para dar a volta aos aumentos, a Nestlé tem optado por aumentar as poupanças internas. “Estamos a tentar identificar áreas de poupança. O desafio é poupar na maneira com produzimos, para evitar passar os aumentos aos consumidores. Mas foi inevitável, já aumentámos os preços de alguns produtos”, reconhece o responsável. As poupanças passam, por exemplo, por reduzir referências de alguns produtos. “Estamos a limpar o nosso portfólio e a reduzir produtos marginais e referências que não são vitais, para maximizar os processos produtivos para os produtos mais importantes. Equilibrar o aumento dos custos é o nosso maior desafio neste momento”.

Quanto a novos aumentos, Paolo Fagnoni deixa tudo em aberto. “Estamos a monitorizar a situação, a navegar à vista. Não sabemos durante quanto tempo esta situação vai durar. A única coisa que sabemos é que é impossível passar para o preço dos produtos todos estes aumentos. Competitivamente não é possível”.

O responsável da empresa em Portugal defendeu ainda a permanência da Nestlé na Rússia. “Trabalhamos para os consumidores, por isso decidimos ficar na Rússia, tal como ficámos na Ucrânia”. Segundo Paolo Fagnoni, a empresa optou por “honrar o compromisso” que tem com os cerca de sete mil colaboradores que tem na Rússia. As vendas estão atualmente cingidas a produtos essenciais, como alimentação infantil, acrescentou o responsável.

Outros produtos, como café, não estão a ser vendidos. A fábrica da Nestlé no Porto exportava cerca de cinco milhões de euros anuais para a Rússia, que foram agora direcionados para outras geografias. Ainda assim, a alteração não representa uma “mudança significativa” nas vendas de Portugal ao exterior, garantem os responsáveis da empresa. “Provavelmente este ano não vamos ter lucros na Rússia, mas se tivéssemos, seriam direcionados a apoiar a Ucrânia”, adiantou Fagnoni. A decisão mereceu críticas à empresa nas redes sociais, mas a Nestlé assegura que a fidelização não foi afetada.

A Nestlé Portugal fechou 2021 com vendas totais de 625 milhões de euros, uma subida de 9,3% face ao ano anterior, o equivalente a 60 milhões de euros. Os cafés em cápsula, cujas vendas cresceram 35%, os produtos com base em plantas, a alimentação para animais e a nutrição clínica impulsionaram o crescimento. Segundo Paolo Fagnoni, a empresa beneficiou de um aumento do consumo no lar, que começou em 2020 na sequência da pandemia, mas também de um “importante regresso do negócio fora do lar”.

Para 2022, o responsável antecipa um “crescimento diferente”, à volta dos 6% ou 7%, mas gerado, sobretudo, no segmento fora do lar. “Estamos a sair da pandemia, estimamos que este canal vá crescer muito em 2022”.

Em 2021, a empresa investiu 64 milhões de euros em Portugal, repartidos em 50 milhões de euros no apoio às marcas e 14 milhões de euros em investimento direto nas duas fábricas que detém no país, no Porto e em Avanca. Nos últimos três anos, a empresa investiu 219 milhões de euros em Portugal, com 157,3 milhões a serem dirigidos ao marketing e comunicação das marcas e 61,4 milhões às operações.

A empresa tem aumentado a produção nas duas fábricas que detém em solo nacional. Na fábrica de Avanca foi implementada uma nova linha dedicada à alimentação infantil, estando ainda a ser transformada a produção de bebidas de cereais. Já na fábrica do Porto, há uma nova linha de produção de cafés da marca Starbucks. No último ano, a fábrica de Avanca produziu perto de 39 mil toneladas de produtos, enquanto que da fábrica do Porto saíram 15 mil toneladas de cafés torrados.

As exportações da Nestlé Portugal aumentaram 20% em 2021 para 102 milhões de euros. A fábrica de Avanca vendeu para o exterior 61% da sua produção, e a unidade do Porto exportou 57% do que produziu.

Os produtos das marcas da Nestlé registaram, segundo a empresa, uma quota de mercado de 35,5% no canal de retalho, uma subida de 10 pontos face a 2020.

A empresa, que emprega mais de 2.300 pessoas em Portugal, definiu um salário mínimo de entrada 750 euros para os novos colaboradores.