O vereador da Cultura da Câmara de Lisboa pediu esta quarta-feira uma reunião ao reitor da Universidade de Lisboa, no sentido de atingirem “um consenso, a médio ou longo prazo”, que garanta uma sala para a companhia de teatro Artistas Unidos.

“O que a câmara vai fazer é servir um pouco como intermediário entre duas entidades”, disse o vereador Diogo Moura, em declarações à agência Lusa, no final de uma reunião com dois sócios-gerentes dos Artistas Unidos (AU), companhia fundada em 1995 por Jorge Silva Melo e dirigida por este até à morte, no passado dia 14 de março.

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Para Diogo Moura, os AU são uma companhia a quem a autarquia “reconhece todo o mérito e valor no trabalho que tem feito no seu percurso”, pelo que se predispos a servir “quase como um intermediário” junto da Universidade de Lisboa, no sentido de “perceber de que forma” podem “encontrar um consenso a médio ou a longo prazo”, sobre o local de trabalho da companhia, frisou.

Em 9 de março último, o reitor da Universidade de Lisboa comunicou aos AU que necessitava do espaço do Teatro da Politécnica, para aí instalar uma área museológica, acrescentando que o contrato em vigor terminava em fevereiro de 2023.

Na altura, o reitor deu ainda conhecimento à companhia de que sinalizaria a Câmara de Lisboa sobre a situação, disse esta quarta-feira à Lusa Pedro Carraca, um dos atores e encenadores dos AU, presentes na reunião na autarquia.

Esta quarta-feira, em declarações à Lusa, o assessor da Reitoria da Universidade de Lisboa disse que naquela data foi comunicado aos AU que o contrato em vigor expirava em fevereiro de 2023 e que a Universidade “estava interessada em utilizar aquele espaço para aí colocar uma reserva de plantas” para o vizinho Museu de História Natural.

Na altura “não foi dito que era uma decisão final”, até porque ambas as partes “dispõem de um prazo de 60 dias para se pronunciarem sobre o contrato”, acrescentou António Sobral.

Caso não seja possível conseguir uma solução a longo prazo, o vereador da Cultura espera, pelo menos, obter uma solução a “médio prazo”, já que fevereiro de 2023 deixa um prazo “muito curto” à autarquia para encontrar uma solução alternativa para os AU.

Até porque, caso fiquem sem instalações próprias, os AU veem-se impossibilitados de concorrer aos apoios sustentados da Direção-Geral das Artes, acrescentou Diogo Moura à Lusa.

Para o autarca, prolongar o contrato de aluguer do Teatro da Politécnica por mais algum tempo será uma “solução ideal”, até porque seria uma forma de não inviabilizar a candidatura da companhia aos concursos plurianuais.

Admitindo que a Universidade de Lisboa tem “legitimidade” para não manter o contrato de arrendamento, Diogo Moura sublinhou, todavia, a necessidade de se “consensualizar posições” e “encontrar uma situação confortável para ambas as partes”.

“Depois dessa reunião [solicitada ao reitor esta quarta-feira de manhã], esse é o compromisso que assumimos [na Câmara de Lisboa] com os Artistas Unidos. Não havendo uma solução, podemos encontrar outras alternativas“, referiu.

Seja através “daquilo que sejam meios da câmara e que estejam disponíveis, e que não são muitos, ou também com outros parceiros, como sempre temos vindo a fazer”, disse.

Acrescentou que o trabalho da companhia “é extremamente importante, insere-se num ambiente de cidade”, pelo que faz sentido que se situe no centro de Lisboa, nomeadamente no local que até agora tem servido os seus propósitos.

Diogo Moura mostrou ainda empenho da autarquia em “encontrar uma solução definitiva” para os Artistas Unidos, sublinhando, contudo, a necessidade de tempo para o concretizar.

“É uma companhia de extrema importância e de relevância, e que merece que todos os ajudemos a que mantenham o seu trabalho”, concluiu.

Já Pedro Carraca, um dos dois sócios-gerentes dos AU presentes na reunião, mostrou-se “agradecido” pelo “interesse demonstrado” pelo vereador da Cultura, que os informou do pedido de reunião com o reitor, mas continua preocupado com “os timings“.

Sobre a possibilidade de virem a conseguir manter-se na Politécnica após fevereiro de 2023, Pedro Carraca admitiu que poderá ser “uma solução, sim” embora possa não ser a “única”.

“Seja qual for a solução, não pode ser uma solução a curto prazo, e isto para nós, neste momento, é uma pedra de toque”, frisou.

Começa a “ser inconcebível” já que nada nos garante que, “daqui a dois anos”, não tenhamos exatamente o mesmo problema, ressalvou, lembrando que os AU estão no Teatro da Politécnica desde 2011.

“Preocupante é a rapidez com que as coisas irão ter de ser feitas, uma vez que está a aproximar-se a data de abertura das candidaturas aos apoios sustentados”, sublinhou Pedro Carraca, precisando que a “ideia era que os concursos abrissem entre abril e março”.

“E depois temos o quê? Temos quatro semanas para decidirmos a nossa vida enquanto estamos aqui a fazer planos de programação para um espaço que não sabemos se existirá ou não, e, a não existir, não podemos concorrer, o que implica que temos de decidir, a curto prazo, a extinção da companhia”, adiantou.

Questionado sobre se já tinham dado conhecimento da situação ao novo ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, o ator e encenador disse que não.

“A anterior ministra, Graça Fonseca, estava a par da situação e achámos que devíamos dar algum tempo ao novo ministro que neste momento deve estar com milhares de assuntos na cabeça”, afirmou, acrescentando que vão pedir-lhe uma reunião.

Consciente de que pagam uma renda “simbólica” pelo aluguer do Teatro da Politécnica e de que a Universidade está no “direito de não prolongar o contrato”, Pedro Carraca frisou, no entanto, que a companhia já investiu naquele teatro “mais de meio milhão de euros”.

“O que a nível de cultura, ao contrário da educação, não é nada simbólico”, frisou.

“E entendemos cada vez mais que, se a reitoria disser que não à Câmara, por exemplo, a câmara comprometeu-se a pensar outras soluções, [mas] temos muito pouco tempo para poder avançar, seja para onde for”, disse.

“E quando digo seja para onde for, é porque há sítios em Lisboa que não têm de ser o Teatro da Politécnica, embora este já esteja preparado para ser um teatro, [embora] com água a entrar e outras coisas”, indicou.

Pedro Carraca disse ainda que os AU estão também a defender junto da autarquia a necessidade de a companhia ter um espaço para gerir que seja “cada vez mais aberto a outras companhias”.

Um espaço semelhante ao sonhado e concretizado por Jorge Silva Melo, quando se instalou n’A Capital, no Bairro Alto, que, em 29 de agosto de 2002, foi obrigado a abandonar pelo então executivo camarário presidido por Santana Lopes.

“Acabar com esta ideia de as companhias gerirem um espaço e mais ninguém lá entrar”, pois “dever ser exatamente o oposto”, permitindo também às companhias mais novas e àquelas que não têm espaço [próprio] terem espaço de representação com tempo digno”.

No fundo, a “melhor maneira de homenagear Jorge Silva Melo” era “tentar concretizar o sonho que sempre teve e foi obrigado a abandonar”, concluiu Pedro Carraca.

Os Artistas Unidos formaram-se a partir do grupo que estreou, em 1995, “António, um Rapaz de Lisboa”, de Jorge Silva Melo.

O seu repertório inclui Brecht, Sarah Kane, Gregory Motton, Jon Fosse, David Harrower, Mark O’Rowe, Xavier Durringer, Spiro Scimone, Franz Kafka, Judith Herzberg, Joe Orton, Jacques Prévert, Antonio Tarantino, Juan Mayorga, Enda Walsh, Samuel Beckett e Harold Pinter, e autores portugueses como Jorge Silva Melo, José Maria Vieira Mendes, Rui Guilherme Lopes e Francisco Luís Parreira, num repertório contemporâneo que não deixou de incluir Melville, Kleist ou mesmo Shakespeare.

Ao fecho d’A Capital, em 2002, sucedeu-se a residência no Teatro Taborda, até 2005 e, depois, o Convento das Mónicas,onde chegaram em 2006. A permanência no Teatro da Politécnica remonta a 2011.

Além de espectáculos e da produção de filmes, os Artistas Unidos organizaram também exposições de artistas como Sofia Areal, Álvaro Lapa, Pedro Proença, Xana, Pedro Chorão, Miguel Ribeiro, Michael Biberstein, Sérgio Pombo, Barbara Lessing, Ana Vieira, Ângelo de Sousa, Manuel San Payo, Ivo, Nikias Skapinakis, Jorge Martins.

São igualmente responsáveis pela coleção Livrinhos de Teatro, de início em colaboração com a editora Cotovia e, desde março de 2021, com a Snob.o a abandonar”, concluiu.