Quase 90% dos maquinistas ferroviários trabalha quarenta ou mais horas por semana e 61% diz que o tempo de descanso é insuficiente, o que aumenta os riscos para a sua saúde e concentração, segundo um estudo que será divulgado esta quinta-feira.

O Sindicato Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de Ferro Portugueses (SMAQ) vai apresentar, em Lisboa, os resultados do “Inquérito Nacional às Condições de Vida e de Trabalho dos Maquinistas Ferroviários em Portugal”, elaborado por investigadores do Observatório para as Condições de Vida e Trabalho (Universidade Nova de Lisboa, Instituto Superior Técnico e Université de Paris).

De acordo com o resumo do relatório analítico do estudo, “os dados obtidos revelam que os maquinistas vivenciam uma elevada sobrecarga de trabalho, bem como uma certa intensificação do trabalho, por via do elevado número de horas trabalhadas semanalmente“.

“Estas condições são também potenciadoras de erros, e de riscos acrescidos para a segurança ferroviária“, refere o estudo, terminado em janeiro deste ano e patrocinado pelo SMAQ.

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Segundo o documento, a que a agência Lusa teve acesso, cerca de 67% dos maquinistas trabalha, pelo menos, quarenta horas por semana e perto de 20% trabalha mais que as quarenta horas, o que “significa que quase 90% dos maquinistas trabalha quarenta ou mais horas por semana.

Mais de metade dos maquinistas não gozou mais de 12 dias seguidos de férias completos e a maioria teve que ir trabalhar nas folgas previstas.

Quase todos trabalham por turnos e escalas (em 600 apenas cinco não o fazem), 94% faz trabalho extraordinário e 61% diz que o tempo de folgas não é suficiente para descansar, enquanto 75% afirmam não ter tempo livre para a família e para si próprios.

Cerca de 59% afirma estar esgotado algumas vezes por mês ou semana.

Os investigadores salientam que as “longas jornadas de trabalho [mais de 11 horas por dia regularmente] podem aumentar o risco de doença cardiovascular, o que reforça a constatação de as horas extraordinárias mantidas [três a quatro horas por dia] influenciarem de forma adversa a doença cardíaca coronária, aumentando este efeito adverso, à medida que essas horas extra aumentam”.

Lembram ainda a possibilidade de aumento dos sintomas depressivos, diabetes mellitus de tipo 2, síndrome metabólica, acidentes de trabalho e incapacidade.

Os investigadores do Observatório elaboraram o estudo com base em inquéritos feitos a 610 maquinistas, distribuídos pelas empresas da ferrovia pesada — CP, Medway, Fertagus, Takargo — e pelas duas empresas de Metro Ligeiro: Metro do Porto e Metro e Transportes do Sul (MTS).

Do total de inqueridos, 97% são do sexo masculino e 3% do sexo feminino. A maioria tem o 12.º ano de escolaridade (68%), 24% o 9.º ano e 8% o ensino superior.

A “esmagadora maioria dos inquiridos” desempenha a função de Maquinista/Operador de condução, 77% está abrangido por um contrato coletivo de trabalho, 19% por contrato individual de trabalho e 9% está com contrato a termo certo.

Dos maquinistas participantes, 66% pensa no tempo que falta para a reforma e 89% considera que os maquinistas deviam ter um regime especial de reforma.

Do ponto de vista sindical e da ação coletiva a maioria defende as greves e protestos como condição de melhoria das condições de trabalho (87%) e consideram que têm liberdade sindical.

De acordo com o estudo, os maquinistas consideram que são muito afetados por rendimentos insuficientes e por turnos e escalas fora do controlo.

Quase 50% consideram que a avaliação individual de desempenho é um fator de conflito e mais de 60% que o trabalho afeta negativamente a sua saúde física e psíquica.

Os dados recolhidos indicam que 58% dos maquinistas entende que a informação sobre os riscos profissionais disponibilizada pela sua empresa é insuficiente ou inadequada.

Segundo o estudo, “o maior medo que os maquinistas revelam durante o exercício da sua profissão está relacionado com as colhidas, ou seja, atropelar alguma pessoa [ou várias]”.

O SMAQ vai também apresentar quinta-feira outro relatório sobre as condições de trabalho dos maquinistas, elaborado pelo Observatório para as Condições de Vida e Trabalho, baseado em análises de grupos de trabalho de maquinistas voluntários.

Na mesma sessão, o sindicato vai ainda divulgar um terceiro estudo, sobre os “Fatores de desgaste psicológico e trauma nos maquinistas da ferrovia portuguesa”, elaborado por investigadores da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação (FPCEUP) da Universidade do Porto, com base em inquéritos feitos a quase 700 maquinistas ferroviários.

Os estudos, iniciados em 2020 e terminados no início de 2022, foram patrocinados pelo SMAQ com o objetivo de “realizar uma avaliação, com bases científicas, sobre o desgaste biopsicossocial que o exercício da profissão de Maquinista Ferroviário provoca ao longos dos anos nas pessoas que a exercem”.

Esta profissão, além de estar sujeita a fatores de desgaste físico provocado pelas condições de operação do material circulante — ruído, vibrações, campos magnéticos, gestos repetitivos, concentração constante — está ainda sujeita a horários muito irregulares, trabalho por turnos e por escala, e a ainda situações muito traumáticas como a colhida de pessoas em plena via”, considera o sindicato.