O presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) defendeu, esta quinta-feira, o voluntariado nos bombeiros portugueses, considerando que é esta matriz que permite a Portugal “ter o maior número de operacionais no terreno”.

Sou e serei sempre um defensor da matriz do voluntariado, evoluindo dentro do voluntariado para outras questões de profissionalismo. O voluntariado é uma coisa única no território europeu que nós temos e que não podemos perder de forma alguma”, disse o general Duarte da Costa em entrevista à agência Lusa, quando a ANEPC completa 15 anos de existência.

O mesmo responsável avançou que a matriz do voluntariado “é indiscutivelmente” aquela que permite a Portugal ter “o maior número de operacionais no terreno com uma ligação muito própria de onde emanam”.

“Os bombeiros emanam do próprio povo, emanam da sociedade civil e nós não podemos perder isto”, sustentou, destacando o profissionalismo dos voluntários.

Para Duarte Costa, os bombeiros voluntários “são muito profissionais” e “não ficam nada atrás” dos bombeiros sapadores ou municipais.

“Têm muita formação e têm boa formação dada pela Escola Nacional de Bombeiros”, precisou.

Questionado sobre os bombeiros passarem a ter um comando autónomo e deixarem de ser comandados pela Proteção Civil, medida defendida pela Liga dos Bombeiros Portugueses, o presidente da ANEPC disse que esta questão “faz todo o sentido” e “é desejável”, mas tem de ser sustentada num projeto assente em vários pilares.

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“A questão do comando único não pode estar dissociada dos projetos de carreira que queremos ter para os bombeiros, da formação e da perspetiva de carreira dos próprios bombeiros em integrarem aquilo que é um sistema unificado de proteção civil”, disse, referindo que se tem de “procurar um modelo que perspetive uma carreira” e se mantenha a matriz do voluntariado.

Duarte Costa sustentou que um comando único “com gente preparada e da estrutura operacional” vai “demorar algum tempo a obter.

“Temos que projetar e ver qual é a melhor perspetiva de carreira, quer a nível de formação superior, quer a nível de formação intermédia para fazer aquilo que será uma estrutura permanente de oficiais bombeiros, chefes bombeiros que integrem essa carreira e que depois naturalmente acabem por integrar o próprio sistema”, disse.

Ressalvando que se trata de uma opinião pessoal do presidente da ANEPC, Duarte Costa afirmou que até se pode poupar algum dinheiro com a criação de um comando autónomo nos bombeiros.

Na entrevista, o responsável destacou também as Equipas de Intervenção Permanente (EIP) que existem nas corporações de bombeiros, que “proporcionam algum sistema de profissionalização”, e são pagas pelas autarquias e pela ANEPC.

Segundo Duarte Costa, atualmente existem mais de 600 EIP e o objetivo é que cada corporação tenha duas ou três destas equipas, apesar de ainda existir “uma ou outra” associação humanitária que não tem qualquer EIP.

“Estamos a trabalhar em algumas com as terceiras EIP, mas queríamos fechar todas com pelo menos uma, porque é um fator acrescido de segurança para os presidentes de câmara, mas acima de tudo é um fator acrescido de segurança para as populações que têm em permanência uma equipa que pode valer para qualquer situação de risco”, sustentou.

No entanto, Duarte Costa considerou que “a situação ideal passa por uma estrutura permanente” com níveis de formação “em que os bombeiros entrem para uma carreira permanente” e possam fazer parte daquilo a que chamou “os bombeiros da proteção civil”.

“Até lá, este sistema das EIP parece ser um bom sistema” e tem de ser “equilibrado entre aquilo que são as disponibilidades financeiras do Estado e das autarquias e a capacidade que o corpo de bombeiros tem de manter a sua matriz de voluntariado e no apoio às populações”, concluiu.

Presidente da Proteção Civil defende revisão do sistema de financiamento aos bombeiros

O presidente da ANEPC defendeu ainda que deve ser revisto o sistema de financiamento às associações humanitárias de bombeiros, nomeadamente o valor atribuído anualmente através do Orçamento do Estado.

“Eu não sei se devia ser alterado [o modelo de financiamento aos bombeiros voluntários], devia ser revisto pelo menos de acordo com aquilo que são as entidades primariamente responsáveis nas áreas de financiamento”, disse o general Duarte da Costa em entrevista à agência Lusa, numa altura que a ANEPC completa 15 anos de existência.

As associações humanitárias detentoras de corpos de bombeiros voluntários são financiadas com verbas provenientes do Orçamento do Estado, através de uma transferência feita para a ANEPC, do Ministério da Administração Interna para compensar as operações de proteção e socorro (diretiva financeira) e do Ministério da Saúde sobre o transporte de doentes não urgentes e Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM).

Duarte Costa referiu-se aos montantes provenientes do Orçamento do Estado e que a ANEPC transfere anualmente para as corporações de bombeiros.

“Considero que é importante rever o sistema de financiamento permanente”, disse, avançando que já falou com o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) sobre a remodelação desse fundo.

Sobre a diretiva financeira, que estabelece a comparticipação de despesas resultantes de intervenções no âmbito das operações de proteção e socorro e estados de alerta especiais, o presidente da ANEPC afirmou que desde 2021 que este documento passou a contemplar todas as ocorrências, não só os incêndios.

Em maio de 2021, na decorrência daquilo que tinha sido a pandemia de Covid-19 e numa antecipação daquilo que poderia suceder agora em 2022, não esta questão do aumento de combustíveis, mas a questão da seca e das alterações climáticas, alteramos pela primeira vez e passamos a comparticipar todas as ocorrências a nível do DIOPS [dispositivo integrado de operações de proteção e socorro]”, explicou.

Segundo Duarte Costa, a diretiva financeira para este ano “está a ser ultimada” e deverá estar pronto até à próxima semana.

No entanto, o presidente da ANEPC considerou como “mais problemático” a questão do financiamento aos corpos de bombeiros resultante da atividade de apoio ao sistema de emergência médica (INEM).

“Foi revisto há pouco tempo o protocolo em que nós Autoridade também fizemos parte, mas o financiamento é todo do INEM e tem a ver com o transporte de doentes que neste momento face aquilo que é o aumento do combustível se tornou manifestamente insuficiente para as corporações de bombeiros”, sustentou.

Apesar do protocolo com o INEM depender do Ministério da Saúde, Duarte Costa considerou que a ANEPC é uma das partes envolvidas nas negociações.

“A Liga dos Bombeiros Portugueses [LBP] tem estabelecido contactos para, no âmbito do INEM e do Ministério da Saúde, rever esses protocolos. Nós estaremos na mesa de negociação com o ponto de vista que neste momento e face ao aumento dos combustíveis não é suficiente para aquilo que é o desenvolvimento das atividades dos corpos de bombeiros e, portanto, estaremos lá e faremos sempre um papel de coordenação e de mediação para se conseguirem os resultados”, concluiu.

Presidente da Proteção Civil alerta que prevenção “ainda não é suficiente”

O presidente da ANEPC considerou que se deve manter o investimento no combate aos incêndios rurais, tendo em conta que “a prevenção está a funcionar, mas ainda não é suficiente”.

A prevenção está a funcionar, mas ainda não é suficiente e por isso obriga-nos a ter os meios no terreno para combater”, disse o general Duarte da Costa em entrevista à agência Lusa, numa altura que a ANEPC completa 15 anos de existência.

Duarte da Costa, que está no cargo há cerca de um ano e meio, sustentou que a questão dos incêndios rurais “não se vence no combate”, mas sim na prevenção.

Vence-se no ordenamento do território, no cadastro daquilo que é a nossa floresta, nas capacidades de tornar a nossa floresta algo que seja rentável para as próprias populações. Ora a remodelação de um modelo territorial, como o nosso, demora anos. Se calhar demora 20 anos porque temos que fazer toda uma reestruturação daquilo que é o desenho da nossa floresta”, disse.

Nesse sentido, sublinhou que “até lá tem que se manter uma robusta estrutura operacional para o combate porque no fim da linha é o combate que vai resolver todas as ineficiências anteriores”.

Duarte Costa sustentou que “ainda não se pode baixar o investimento no combate” e, como exemplo, apontou o caso da época de fogos do ano passado, em que ocorreram 8.000 ocorrências e se registou um desempenho de cerca der 95% de sucesso no ataque inicial.

“Não são esses 95% que me preocupam, o que preocupa são os 5% que faltam e 5% de 8.000 são 400 grandes incêndios e três deles ocorreram na região do Algarve. Temos de ter os meios para combater estes grandes incêndios”, disse.

Duarte Costa frisou também que no âmbito de uma reunião do Sistema Integrado de Gestão de Fogos Rurais foi questionado se já é possível diminuir o número de meios aéreos.

“A resposta que eu dei é que não sinto confiança suficiente neste momento para diminuir esse número de meios aéreos porque ainda não há as soluções a montante que me permitam ter um território perfeitamente seguro. Quando eu tiver a floresta toda ordenada, com limpeza nas faixas primárias e nas faixas secundárias, quando o ordenamento territorial estiver feito e que toda a gente saiba qual é a sua parcela e o número de ocorrências baixar muito. Aí nós conseguimos transferir meios da componente operacional para a vigilância e prevenção”, salientou.

O presidente da Proteção Civil desabafou que só estará “feliz no dia em que ocorrerem zero grandes incêndios e que todos sejam tratados na componente do ataque inicial”.

Sobre a próxima época de fogos, Duarte Costa vê 2022 “com a mesma calma e serenidade” que viu 2019, 2020 e 2021, alertando para a necessidade de um planeamento constante.

No entanto, sublinhou que “uma das lições aprendidas” é que “mesmo que se faça sempre tudo bem há uma grande hipótese de as coisas ainda assim correrem mal”.

“Agora se não fizermos as coisas bem, se não planearmos e não trabalharmos aí corre mal de certeza e, portanto, exige que trabalhemos todos os dias neste planeamento”, disse, recordando os bons resultados dos últimos quatro anos.

O Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais (DECIR) para este ano vai ser conhecido ainda este mês, tendo Duarte Costa avançado que será semelhante ao de 2021, depois de ter registado uma estabilização “muito razoável” em 2020 e “um ligeiro acréscimo em 2021”.

Na entrevista à Lusa, Duarte Costa realçou que o trabalho “é um processo de melhoria contínua”, mas existiram questões que a Proteção Civil teve de “atacar de frente” depois dos incêndios de 2017.

A organização e coordenação das forças no terreno, o apoio à decisão operacional, aumento de meios aéreos e remodelação da rede de comunicações SIRESP estão entre algumas melhorias introduzidas no sistema e apontadas pelo presidente da Proteção Civil.

“Esse era o trabalho que era necessário fazer logo, a partir daí temos vindo a melhorar ano a ano, com maior capacidade de intervenção dos meios nas zonas de maior risco, uma maior perspetiva de trabalhar o risco antes das ocorrências sucederem”, disse.

Presidente da Proteção Civil admite dificuldades de coordenação com fim de comandos distritais

O presidente da Proteção Civil admitiu ainda as dificuldades de coordenação com a criação dos comandos sub-regionais, que vão substituir os comandos distritais de operações e socorro (CDOS), uma vez que as restantes entidades vão continuar a funcionar na lógica distrital.

As estruturas de todos os outros agentes deviam trabalhar também nesta lógica e não apenas a proteção civil. Portanto a GNR, que é um dos nossos principais parceiros, também devia trabalhar na lógica sub-regional para facilitar o sistema. Outras estruturas que têm a ver com os agentes de proteção civil deviam também trabalhar numa lógica sub-regional para não se correr o risco de termos que fazer uma leitura, em termos de coordenação, muito mais difícil”, disse o general Duarte da Costa, em entrevista à agência Lusa.

E exemplificou: “Se distritalmente agora eu sei quem são os meus parceiros, com a criação dos comandos sub-regionais, eu posso ter que coordenar com três distritos ao mesmo tempo. Ora se as outras entidades ainda estão numa lógica distrital eu vou ter que fazer três coordenações”.

A lei orgânica da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), que entrou em vigor em abril de 2019, estabelecia a criação de cinco comandos regionais e o fim dos CDOS, que serão substituídos por 23 comandos sub-regionais de emergência e proteção civil.

Quando entrou em vigor ficou decidido que a nova estrutura regional e sub-regional entrava em funcionamento de forma faseada. Os comandos regionais já foram nomeados, estando o processo a ser finalizado na CRESAP (Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública), faltando a criação dos 23 comandos sub-regionais.

“A transição de 18 comandos distritais para 23 comandos regionais deixa-se de basear no conceito de uma lógica de divisão distrital para uma lógica de comunidade intermunicipal e, portanto, isso traz algumas alterações a nível daquilo que é a coordenação política a cada um dos níveis e a coordenação operacional a cada um desses níveis”, explicou Duarte Costa.

O presidente da ANEPC avançou que, até ao final do ano, estará montada toda a estrutura, desde instalações, abertura de concursos para operadores e rede SIRESP, que atualmente está a trabalhar no âmbito distrital, para a criação dos 23 comandos sub-regionais, tendo sido isso que a tutela pediu à Autoridade.

O mesmo responsável garantiu que a ANEPC já adquiriu as seis novas instalações para montar as salas de operações, em breve vão ser abertos os concursos para operadores e está já a trabalhar para remodelar a rede SIRESP, bem como a reestruturação do sistema de apoio à decisão operacional.

“Mas tudo isto são tarefas técnicas. Eu diria que são fáceis. O mais difícil de fazer no meio disto tudo é a coordenação porque nós temos uma Lei de Bases da Proteção Civil que desenha o esquema da coordenação política e coordenação operacional” a nível distrital, sustentou.

Nesse sentido, defendeu ser importante “que através de normas suplementares e transitórias ou mesmo através da alteração da Lei de Bases de Proteção Civil se passasse da lógica distrital para a lógica sub-regional”, mas ressalvou que a estrutura organizativa do desenho do território é uma decisão política não do presidente da Autoridade.

“Uma coisa eu posso garantir que o sistema que vier a ser definido politicamente vai estar implementado aqui por nós e iremos fazer o melhor possível para dar e continuar a garantir a segurança das populações”, frisou ainda.