Um caminho para o “empobrecimento”, “austeridade”, com uma “dose de cinismo” assinalável, obcecado pelo défice, que vende um “milagre” que não existe. Da esquerda à direita, repetiram-se as críticas à proposta de Orçamento do Estado apresentada esta quarta-feira e que antecipam um desfecho já esperado: o PS deverá por aprová-lo sozinho apenas na companhia dos seus 12o deputados.

Do PSD, Jorge Paulo Oliveira disse que o Orçamento “não responde ao principal desafio do país: o crescimento económico”. “O Governo continua a recusar que o crescimento económico em Portugal é o principal problema estrutural do país”, argumentou, realçando que este Orçamento “trará como consequência um empobrecimento e uma perda de competitividade” de Portugal relativamente aos outros países europeus.

“O Orçamento do Estado repete as mesmas fórmulas e não é expectável que conduza a resultados diferentes”, antecipou, reforçando que Portugal, desta forma, continuará a ser “atirado para a cauda da Europa”. Mais do que isso, Jorge Paulo Oliveira disse ainda ser “importante que [se] pare de bater recordes de carga fiscal”.

André Ventura, líder do Chega, sublinhou que o Orçamento do Estado apresentado por Fernando Medina é “preocupante” e demonstra o “nível de alheamento em que se encontra o Governo”. “É um nada de Orçamento”, apontou na reação após a conferência de imprensa do novo ministro das Finanças, vaticinando que “vem aí a austeridade pela mão do PS”.

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O presidente do Chega mostrou-se ainda preocupado com “a relação entre o crescimento económico e os salários” e acusou o Governo de continuar a “não olhar para o salário médio”, antecipando que vai haver “uma perda de rendimentos por parte das famílias”.

O documento é “o mesmo que foi chumbado” em outubro, insistiu André Ventura, justificando que esse OE “foi pensado num contexto em que nada do que estava a acontecer existia”, nomeadamente a guerra na Ucrânia e a inflação.

André Ventura criticou ainda a “dotação de verbas para as Justiça” — que disse que “devia envergonhar qualquer país europeu” — e o facto de na Defesa ser possível ver “pouco mais do que a manutenção do que já [havia] num OE em que não havia guerra”.

“O Orçamento mostra a obsessão do Governo em engrossar a máquina do Estado e em retirar rendimentos às famílias. A maior parte vai para Estado e clientelas políticas e uma pequena parte vai para a devolução de rendimentos para a família”, acusou o líder do Chega.

João Cotrim Figueiredo, líder da Iniciativa Liberal, considera que “o Governo encara este Orçamento como meio-orçamento” e deixou uma questão: “Ninguém perguntou que se [o Governo] mantém o défice e vai gastar mais, onde é que vai cortar?”

O líder do partido pretende perceber “onde foram [feitos] os cortes” do Governo e reiterou que o documento é “igualzinho ao de outubro”, antecipando uma inclinação para o voto contra: “Votámos contra o de outubro, o mais provável é que venhamos a votar contra este.”

A IL sublinhou ainda que nos serviços públicos o Governo “repete a estratégia de que os problemas se resolvem atirando mais dinheiro e pessoas”. E vai mais longe ao dizer que houve uma “dose de cinismo” na apresentação do OE: “O PS diz que défice ficou abaixo do que se esperava e tenta pôr méritos no PS; isto só foi possível porque foram cobrados muito mais impostos”, frisou, sugerindo que o PS não assume as responsabilidades.

Esquerda endurece (ainda mais) o tom

Depois de terem decido chumbar o documento anterior, precipitando o país em eleições e saindo muito amassados da corrida às urnas, não havia grande expectativa sobre o sentido de voto de PCP e Bloco de Esquerda. As primeiras reações confirmaram isso mesmo e provaram que a ‘geringonça’ é mesmo coisa de um passado distante.

A nova líder parlamentar do PCP, Paula Santos, acusou o Governo de “ignorar o agravamento do custo de vida que já se sentia no final de 2021″. O PCP considera que o Orçamento privilegia o “défice orçamental em  detrimento da melhoria das condições de vida do país, dos trabalhadores e do povo português”, lembrando que prevê um “défice de 1,9% muito abaixo dos 3,2% da primeira previsão” do Executivo.

“O Governo opta por canalizar qualquer margem orçamental pela obsessão e défice em vez de canalizar para a solução dos problemas”, apontou Paula Santos denunciando ainda uma “recusa gritante em fixar preços dos combustíveis”, por exemplo, de forma a atenuar os constantes aumentos das últimas semanas.

Os comunistas consideram ainda que a lei do Orçamento do Estado para 2022 “passa ao lado dos problemas” que a pandemia agravou no Serviço Nacional de Saúde, escola pública, cultura ou desporto”.

Pelo Bloco de Esquerda reagiu Mariana Mortágua, com a deputada a ironizar ao falar de um “milagre”: “É um milagre prever em baixa crescimento real da economia, mas também em baixa o défice que apresenta. Só é possível porque o Governo ganha com a inflação, mas não devolve à sociedade para compensar.”

“O Governo não pode mais repetir a ideia que apresenta um Orçamento sem cortes. A inflação foi revista para 4%.Todas as pessoas que pagam IRS vão ser penalizadas, o Governo nem os escalões do IRS atualizou à taxa de inflação”, apontou a bloquista, que fala num “corte generalizado dos salários”.

“Esta Orçamento não responde por isso à maior parte das pessoas, este Orçamento não responde às pessoas”, considera o Bloco de Esquerda.

Livre e PAN à procura de um lugar na foto de família

Com os antigos parceiros de ‘geringonça’ cortados, resta saber o que farão Livre e PAN, que partem para a discussão deste Orçamento em circunstâncias muito diferentes das anteriores: Rui Tavares devolveu o partido ao Parlamento depois da experiência traumática com Joacine Katar Moreira; Inês Sousa Real mal conseguiu segurar o partido depois da razia provocada pelas últimas eleições.

Na reação à conferência de imprensa de Fernando Medina, Rui Tavares apresentou os requisitos para um eventual voto favorável do documento: Programa 3 C – Casa, Conforto e Clima; apoio no âmbito dos transportes para a criação de uma rede de transporte escolar elétrico e reativação da unidade de missão para a transição energética — que foi criada por proposta do Livre no início da legislatura anterior.

No entanto, na apreciação global, Rui Tavares frisou que o Livre “não se revê” na linha orientadora que pauta o Orçamento do Estado para 2022 e nota que o Governo devia ter apostado na criação de “uma política que permita recuperar rendimento nas próximas décadas”.

Pelo PAN, a deputada única Inês Sousa Real argumentou que o Orçamento do Estado para 2022 “devia atingir também a classe média” e que “não é compreensível que se continue a investir o dinheiro público” e a não apoiar “quem mais precisa”.

“A inflação devia traduzir-se também nos salários e pensões que estão a ser engolidos pela inflação. A previsão [do Governo] está muito abaixo dos dados reais e conhecidos da inflação”, frisou a deputada do Pessoas-Animais-Natureza, que apelou também a um “reforço mais significativo no combate à pobreza energética”.

A defesa da honra do PS

Coube a Jamila Madeira, deputada socialista, defender um Orçamento de que ninguém — a não ser os socialistas — gosta. A parlamentar destacou a importância dos apoios apresentados na segunda-feira para apoiar os portugueses perante a subida dos preços no setor da energia e o foco do Governo no “crescimento e convergência do país”.

“A nossa preocupação é garantir que continuamos a convergir e a crescer, garantir que a economia continua a ter indicadores financeiros muito importantes para a credibilidade internacional e que queremos manter”, afirmou a deputada do PS.

Perante um Governo de maioria absoluta, sobre a hipótese de acomodar propostas de outros partidos na lei do Orçamento do Estado, Jamila Madeira diz que os socialistas manterão a “postura de todos os momentos”: “O PS procurou sempre construir pontes, estamos aqui para dialogar, avaliaremos proposta a proposta.”