Os números nem sempre contam tudo sobre a história de um jogo de futebol. Porque há variáveis que não podem ser quantificadas, porque há vários momentos dentro do mesmo encontro, porque há aproximações sem último toque que não entram no saldo final mas que contariam quase tanto como uma chance flagrante. No entanto, e olhando para aquilo que foi a primeira mão do duelo entre Manchester City e Atl. Madrid no Etihad, dificilmente os números poderiam contar tão bem o que se passou em campo: 15-0 em remates, 9-0 em cantos, 88-15 em ataques, 68-32% na posse de bola, 634-223 em passes certos. Até em ações defensivas os ingleses não ficaram atrás, igualando as 37 recuperações do conjunto espanhol e correndo um total de 1,6 quilómetros a mais do que o adversário. Ainda assim, isso não chegou para fechar a eliminatória.

Guardiola não jogou com 12 mas quem tem De Bruyne joga sempre com mais um (a crónica do Manchester City-Atl. Madrid)

O As recordava esta semana as raízes do duelo entre as duas equipas “com estilos mais antagónicos” que se podem encontrar na atualidade, recuando até ao início da era Simeone em Madrid para encontrar todas essas diferenças de conceção assumidas. “Quando ele estava na Argentina veio visitar-nos, antes de ir depois para o Atlético. Veio ver como treinávamos no Barcelona. Falámos e ele disse-me: pessoalmente, não gosto disto”, recordou um dia Pep Guardiola, naquele que foi o primeiro sinal das filosofias táticas e de treino diferentes entre ambos. “Guardiola gostava que a sua equipa tivesse bola, Simeone gostava que a sua equipa roubasse a bola. A vocação ofensiva de um contrasta com a postura guerreira e defensiva de outro”, escrevia.

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O 5x5x0 com que Simeone encarou a primeira mão dos quartos não passou ao lado de ninguém e as críticas ao técnico argentino foram mais que muitas. Até quem raramente fala sobre futebol, apesar de ter sido um dos maiores da história. “O que o Atl. Madrid está a fazer é legal, é permitido, mas estou surpreendido que haja uma equipa com dez jogadores atrás da linha da bola durante os 90 minutos e que eles só tentem não sofrer golos. Faria mais sentido alguém mudar de canal e ir ver Netflix ou algo parecido quando eles jogam. Não é agradável ver dois jogadores como João Félix e Griezmann jogarem à defesa durante 90 minutos”, comentou Marco van Basten, antigo avançado que teve ainda uma curta carreira como treinador.

“Criticaram o Diego [Simeone] no jogo em Manchester porque o Atl. Madrid perdeu. Se tivesse ganho, tinha sido só elogios mas, como perdeu, é mal visto. O Atl. Madrid tem feito sempre o mesmo nesta década e não tem ido mal. Este jogo vai ser diferente, vão jogar em casa com um ambiente forte. Em momentos, serão agressivos e vamos ter de contrariar isso”, defendeu Guardiola, após criticar o 5x5x0 na primeira mão: “Na Pré-História ou em 100 mil anos, atacar contra duas linhas de cinco é muito difícil”. “Desde 2005 até hoje nunca fui depreciativo para com um companheiro meu. Eu coloco-me no lugar dos treinadores que defronto e há maneiras diferentes de expressar o que se sente. As opiniões dos jornalistas, de ex-jogadores, de gente que não joga… O peixe morre pela boca, como dizia o meu pai. As palavras são grátis e todos podem opinar, eu escolho sempre respeitar os meus colegas”, advogou Simeone. Mas ficou pela metade. Ou melhor, por um quarto da eliminatória. Mas durante 45 minutos o Atl. Madrid conseguiu vulgarizar o City.

A primeira parte não mudou muito aquilo que tinha sido o Atl. Madrid em Inglaterra, com João Félix a ter de receber muitas vezes ainda no seu meio-campo para encetar uma luta contra o mundo perante a gritante falta de apoio e linhas de passes nas transições. No entanto, e mesmo conseguindo várias aproximações à área contrária, o Manchester City também não conseguiu materializar a sua superioridade entre um desvio de cabeça de Stones após canto, um remate prensado de Kevin de Bruyne e uma bola a bater no poste de Gündogan nascida numa grande jogada de Mahrez perante apenas um remate e sem grande perigo dos colchoneros, por sinal o primeiro feito ao longo de 135 minutos de eliminatória frente ao líder da Premier.

Algo teria de mudar no segundo tempo para impedir a passagem dos ingleses, sendo que o ambiente criado no Wanda Metropolitano era muito curto para atemorizar os visitantes. E Simeone tentou algo diferente a abrir, colocando Koke mais próximo de João Félix na pressão, os laterais com outra projeção ofensiva e Griezmann a jogar mais por dentro, com o francês a rematar a rasar o poste da baliza de Ederson após boa combinação com português (57′). Até nas substituições o técnico argentino acertou, com Rodrigo de Paul a atirar perto do poste poucos minutos depois de ter entrado numa jogada que começou num grande lance de João Félix (70′). O Atl. Madrid provava que afinal podia discutir a eliminatória, tirando a bola a um Manchester City que no segundo tempo foi uma sombra e acabou com Fernandinho ao lado de Rodri antes de mais duas oportunidades falhadas e uma confusão com muitos empurrões que levou à expulsão de Felipe.