Podia ter sido só mais uma reunião de Assembleia Municipal, mas o tom entre o presidente da Câmara e o Bloco de Esquerda azedou. “Carlos Moedas é um diabo”; “São puros, nasceram puros e nós não nascemos puros”, atirou Moedas sobre o Bloco de Esquerda depois de uma intervenção da deputada municipal, Isabel Pires. Mas o que fez a tensão escalar até ao ponto de fazer Moedas admitir em plena reunião que é incapaz de trabalhar com o BE?

“Trabalho muito bem com todos os outros partidos políticos, infelizmente com o BE não há capacidade porque há esta diabolização.” Moedas respondia a Isabel Pires, num tom irritado onde acusava o Bloco de Esquerda de “diabolizar” o presidente da câmara e de manobras “políticas” em assuntos concertados anteriormente em reuniões.

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O tema central da questão está na luta pela bandeira da gratuitidade dos transportes públicos. A coligação Novos Tempos fez dessa uma das principais bandeiras da campanha eleitoral, mas o Bloco de Esquerda também. E aí começa o problema. Cada um luta para conseguir hastear a bandeira e o Bloco não se mostrou disponível para abdicar desse ponto.

Em dezembro, o Bloco de Esquerda deu entrada de uma proposta para a criação do Programa Municipal para a Gratuitidade dos Transportes Públicos onde queria definir que “fosse iniciado o caminho para a gratuitidade com as pessoas desempregadas, jovens até aos 23 anos, seniores com 65 anos ou mais e as pessoas com deficiência.”

Ainda que a proposta tenha dado entrada na autarquia a 13 de dezembro, até à data da realização da Assembleia Municipal ainda não tinha sido agendada a sua discussão em reunião de câmara. O Bloco de Esquerda manifestou publicamente o desagrado perante os sucessivos adiamentos, denunciado a violação dos regulamentos. “À terceira vez que a proposta dá entrada tem de ser automaticamente agendada, já lá vão mais de 15”, frisa ao Observador fonte do BE.

Na reunião da Assembleia Municipal, Carlos Moedas deu outra versão para o tema acusando o Bloco de Esquerda de ter “trabalhado para a política” e ter avançado com a proposta apenas depois de uma reunião com o vice-presidente Filipe Anacoreta Correia no âmbito do Orçamento da autarquia onde a questão foi abordada. “Todos concordámos que iríamos fazer em conjunto, vamos todos juntos trabalhar para as pessoas. Não vamos trabalhar para a política. O que é que aconteceu? Apresentamos uma proposta em dezembro para ser antes dos outros, porque nós somos puros e moralmente superiores no BE“.

“São moralmente superiores, melhores que nós. São puros, nasceram puros e nós não nascemos puros, realmente extraordinário”, disse Moedas num tom irritado e claramente fora do registo a que tem habituado.

O Bloco de Esquerda tem outra versão para o assunto, rejeitando suspender a ação política na autarquia apenas por um “conjunto de intenções” do Executivo que só agora conheceu uma data para a apresentação: a próxima semana.

E para escudar aquilo que foi a posição da deputada municipal na Assembleia desta semana, esta quinta-feira Catarina Martins saiu, literalmente, à rua para andar de transportes públicos a aumentar a pressão sobre Carlos Moedas. A bordo do elétrico 15, em Lisboa, a líder do Bloco acusou Carlos Moedas de “deixar na gaveta” a proposta, com a vereadora na autarquia Beatriz Gomes Dias a ir mais longe e acusar Moedas de “bloquear a possibilidade das pessoas terem transportes públicos gratuitos”.

Poucas horas bastariam para que o impasse fosse desbloqueado, uns dias antes do previsto, com o agendamento de uma reunião de câmara extraordinária e o envio das propostas do Executivo e do Bloco de Esquerda para o gabinetes da autarquia.

Executivo limita agendamento de propostas sobre temas que também fizessem parte do programa eleitoral da coligação Novos Tempos

A agendamento feito esta quinta-feira confirma aquilo que um oficio, a que o Observador teve acesso, de 31 de janeiro enviado à oposição explicava: “Sobre matérias e medidas do programa eleitoral da coligação Novos Tempos (…) apenas poderão ser agendadas quando o forem as propostas dos Senhores Vereadores com pelouro, sobre as mesmas matérias“.

Assinado pelo chefe de gabinete de Carlos Moedas, o oficio agendava as restantes propostas da oposição e deixava de fora, precisamente, a proposta do Bloco de Esquerda para os transportes gratuitos, com o argumento que só poderia ser discutida quando os vereadores eleitos pela coligação Novos Tempos fizessem a apresentação da proposta da mesma área, já que quer o Bloco de Esquerda, quer a coligação que inclui PSD e CDS abordavam o tema no programa eleitoral.

O Observador contactou a autarquia para perceber o motivo dessa decisão, que foi comunicada por ofício às várias forças políticas, mas até ao momento não obteve qualquer resposta.

Oficio enviado aos vereadores

Já esta quinta-feira, depois de Catarina Martins ter inserido na agenda uma ação nos transportes públicos de Lisboa para acusar Carlos Moedas de “colocar na gaveta” a proposta dos bloquistas e o Executivo da autarquia (incluindo vereadores da oposição) terem reunido com a Transportes Metropolitanos de Lisboa, os vereadores receberam a proposta do Executivo para a gratuitidade dos transportes públicos em Lisboa e o agendamento de uma reunião para a próxima quinta-feira.