Os acionistas do construtor automóvel Stellantis votaram contra o aumento da remuneração de 2021 do presidente executivo, o português Carlos Tavares, para 19,1 milhões de euros, um tema polémico que entrou na política francesa.

Em comunicado, o grupo automóvel (nascido em 2021 da fusão da Peugeot-Citroen com a Fiat-Chrysler) disse, esta quarta-feira, que na assembleia-geral, os acionistas votaram contra, por 52,1% contra 47,9%, o relatório de remunerações. Neste caso, o voto dos acionistas é consultivo.

Ainda no comunicado, a empresa diz que “irá explicar no Relatório de Remunerações de 2022 como esta votação foi levada em conta”.

Já as resoluções submetidas aos acionistas foram todas aprovadas, incluindo a proposta de distribuição de dividendos no valor de 3,3 mil milhões de euros. Será pago aos detentores de ações ordinárias 1,04 euros por cada título.

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Esta quarta-feira, horas antes da assembleia-geral, o governo francês pôs mesmo pressão sobre os acionistas da Stellantis. O porta-voz do executivo, Gabriel Attal, disse em entrevista ao canal BFMTV que “tem que haver uma melhor distribuição dos lucros das empresas”.

Attal explicou que o governo, liderado por Emmanuel Macron (que é novamente candidato presidencial), quer obrigar por lei a que empresas com lucros que paguem dividendos partilhem os bons resultados com os seus trabalhadores e também condicionem a remuneração dos altos executivos “ao respeito por “objetivos ambientais e sociais”.

Já a candidata presidencial do partido de extrema-direita União Nacional, Marine Le Pen, considerou que a remuneração é “chocante, mas menos chocante do que para outros”, porque pelo menos o grupo obteve lucros.

De acordo com o relatório submetido aos acionistas, a remuneração de Carlos Tavares relativa a 2021 seria de 19.153.507 euros, dos quais apenas 1,99 milhões correspondem ao vencimento base.

Outros 7,52 milhões correspondem a incentivo para objetivos de curto prazo alcançados, 5,57 milhões a incentivo de longo prazo, 2,38 milhões à provisão para a reforma e 1,7 milhão pela conclusão da fusão da PSA com a Fiat-Chrysler, que se concretizou no início de 2021.

A gestora de fundos Phitrust, acionista minoritária da Stellantis, anunciou o voto contra e disse que a esses valores declarados publicamente há outros elementos que não constituem remuneração imediata. Trata-se de ações atribuídas no âmbito do plano de incentivos de longo prazo, avaliadas em 32 milhões de euros, e outras remunerações em dinheiro que poderão ser recebidas a longo prazo. No total, estima um valor final de 66 milhões.

“Essa remuneração, que é a mais alta das grandes empresas de França [e provavelmente dos grupos cotados na União Europeia], justifica-se para uma pessoa que não é o criador da empresa, mas apenas o seu gestor? […] Será socialmente justificado quando o grupo provavelmente terá que enfrentar uma grande reestruturação com corte de empregos como resultado do excesso de capacidade produtiva”, questionou a gestora de fundos em comunicado.

Além de Carlos Tavares, o presidente não executivo da Stellantis, John Elkann, deverá receber 7,8 milhões de euros, e o diretor financeiro do grupo, Richard Palmer, 14,8 milhões de euros. Os herdeiros do ex-presidente-executivo da Fiat-Chrysler Sergio Marchionne, falecido em 2018, também devem receber 26 milhões de euros.

O pagamento previsto para 2021 decorre dos lucros recorde que o quarto maior grupo automóvel do mundo alcançou em 2021 de 13.354 milhões de euros (quase triplicado face a 2020).

A Stellantis, que tem 281 mil funcionários espalhados por vários países, decidiu conceder aos trabalhadores 1.900 milhões dos lucros de 2021, valor que os sindicatos consideraram insuficiente quando comparado com os 3.300 milhões de euros que serão distribuídos em dividendos aos acionistas.

O delegado sindical da Confédération Générale du Travail no grupo Stellantis, Jean-Pierre Mercier, qualificou a remuneração de Carlos Tavares como “indecente” e “ultrajante”, recordando que o aumento salarial atribuído aos trabalhadores foi de 2,8%.

“Para um trabalhador que ganha 1.500 euros [por mês], isso significa mais 40 euros. Como lida com o aumento dos preços, principalmente dos combustíveis“, perguntou o sindicalista retoricamente em entrevista à rádio RMC.