O presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, defendeu esta quarta-feira que a Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP) deve ser “forte e autónoma“, um dia depois de o autarca do Porto, Rui Moreira, ter ameaçado abandonar o organismo que reúne todos os presidentes de câmara do país devido à polémica com a descentralização.

Moedas solidariza-se, porém, com Rui Moreira nas preocupações sobre o atual papel da ANMP e dispara contra o Governo, afirmando que “não é um bom sinal” que a carta que os dois autarcas enviaram recentemente ao executivo não tenha tido resposta.

Num artigo opinião no jornal Público, Carlos Moedas diz-se um “municipalista” e considera que “só com o reforço das atribuições e competências do nível municipal o nosso país pode descentralizar-se e tornar a administração pública mais eficaz e mais próxima dos cidadãos”.

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“Penso mesmo que, mais do que quaisquer outras opções, eventualmente geradoras de maior despesa e peso burocrático, esse é o caminho certo para combater o centralismo de que Portugal ainda padece”, diz Moedas, criticando aparentemente, mas sem o mencionar explicitamente, ao modelo da regionalização.

O autarca da capital sublinha que a “perspetiva municipalista” é “a mais adequada” ao território português, bem como ao “desenvolvimento do país e das populações”.

“Entendo que só assumindo uma voz forte e autónoma a ANMP pode ter eficácia na sua ação e prestar o serviço que se impõe aos municípios”, diz Carlos Moedas. “Ao contrário, se se deixar instrumentalizar por qualquer estratégia alheia, deixará de ser a plataforma de convergência e de defesa dos verdadeiros interesses municipais. Desejo muito que isso não aconteça.”

A intervenção de Carlos Moedas surge um dia depois de se saber que Rui Moreira pretende levar a votos na Assembleia Municipal do Porto uma proposta para que a autarquia deixe de fazer parte da ANMP. Moreira critica a “postura de cumplicidade e total conivência” da ANMP — liderada pela socialista Luísa Salgueiro, autarca de Matosinhos — com o Governo.

Como explica o Observador num artigo com cinco perguntas e respostas sobre o assunto, Rui Moreira chega mesmo a acusar a ANMP de “boicotar” os próprios membros — ou seja, as autarquias — e fazer acordos com o Executivo “sem estar para tal mandatada, ignorando os seus interesses e preocupações legítimas”.

O processo de transferência de competências do Estado central para as autarquias em áreas que incluem a Educação, a Saúde e a Justiça arrasta-se desde 2018 e tem sido objeto de adiamentos e críticas. Várias autarquias queixam-se de a transferência de competências não estar a ser acompanhada do envelope financeiro adequado — um problema que se agravou recentemente com a guerra na Ucrânia e a subida dos preços da energia.

O processo, contudo, aproxima-se do fim, estando apontados para este ano os prazos para a transferência das competências. Inconformado com esta realidade, Rui Moreira interpôs em março uma providência cautelar para travar a descentralização nas áreas da Educação e Saúde, pedindo o seu adiamento, no primeiro caso, para o início do próximo ano letivo, argumentando que as verbas que acompanham a transferência de competências nestas áreas são insuficientes.

Carlos Moedas vem agora solidarizar-se com Rui Moreira neste aspeto.

“No passado dia 7 de março, enquanto presidente da Câmara Municipal de Lisboa, e em conjunto com o presidente da Câmara Municipal do Porto, escrevi uma carta ao primeiro-ministro pedindo-lhe que prorrogasse o prazo, previsto para o final desse mês, para a transferência automática de novas competências para os municípios, sem que estes tivessem sido envolvidos na sua discussão”, diz Moedas.

“Essa posição assumida pelas duas cidades, envolvendo nomeadamente as áreas da educação e saúde, tinha em conta a complexidade que tal processo exige ao nível dos recursos humanos, dos sistemas de informação e dos dados financeiros“, acrescenta. “Na ocasião, solicitámos ainda a criação de uma comissão independente para avaliar o real impacto financeiro da transferência pretendida para que as verbas destinadas a cada município sejam ajustadas e tenham em consideração as suas verdadeiras necessidades.”

“A circunstância de o Governo ter acabado de tomar posse mais aconselharia, em minha opinião, essa prorrogação para permitir melhor ponderação do tema“, argumenta o autarca de Lisboa.

Moedas revela, porém, que “essa carta não teve resposta” da parte do Governo. Para o autarca social-democrata, isso “não é um bom sinal, tendo em conta a aposta municipalista que todos proclamamos e que, da minha parte, fará todo o sentido prosseguir. Mas com equilíbrio e adequação do envelope financeiro às competências que se pretende transferir. E sobretudo com diálogo com todos os que irão arcar com novas responsabilidades.”

“Será talvez ocasião de se promover, no quadro da ANMP, um debate alargado sobre a descentralização que se pretende e que possa envolver todos os presidentes dos municípios portugueses”, remata Moedas.