Na academia de ginástica de Guimarães, Anzhelika Shyriaieva, de 11 anos, diz ter recuperado a “segurança e a “rotina de treinos” que perdera em Kharkiv, entre movimentos com maças, arcos ou cordas, aparelhos da ginástica rítmica.

Praticante desde os quatro anos, a ginasta atravessou a fronteira com a Polónia em 14 de março, ao “fim de 18 dias” da invasão em larga escala da Rússia e de bombardeamentos à segunda cidade mais populosa da Ucrânia, tendo percorrido a Europa de carro e chegado ao Minho em 5 de abril para treinar no Guimagym, clube que ocupa a infraestrutura.

“As duas coisas foram muito importantes para mim: sentir-me em segurança e voltar a ter uma rotina de treinos e de escola“, conta Anzhelika à Lusa, segundo a tradução da treinadora Adriana Castro, licenciada em educação física e mestre em desporto olímpico e profissional durante os seis anos que viveu em Kiev.

A viver em Portugal com a mãe, a ginasta que tem no “arco” o seu aparelho preferido diz-se “muito bem acolhida” por “pessoas muito simpáticas”, mas com recorrentes “saudades do pai”, que se manteve no seu país natal.

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Das seis ginastas rítmicas de competição “acolhidas” pelo clube vimaranense, Anzhelika é a única cuja treinadora na Ucrânia, Adriana Castro, não conhecia, tendo ficado a par do Guimagym através da base de dados criada pela federação ucraniana de ginástica, que indicava o clube “mais perto” do destino de refúgio de cada um dos interessados.

“A Anzhelika veio ter com uma amiga da mãe que está em Vizela, com futebolistas. Nessa base de dados, descobriram que o Guimagym tinha ginástica rítmica. Entraram em contacto connosco e acolhemo-la”, explica a treinadora.

Natural de Lisboa, Adriana Castro trabalha há quatro anos para o clube com cerca de mil praticantes, 23% dos quais de competição, emitindo agora as indicações em português e em russo.

Desde que o acolhimento de refugiados está em curso em Guimarães, a treinadora encetou contactos com “amigas e treinadoras na Ucrânia” para “acolher ginastas delas em Portugal”, mais propriamente num clube que oferece todas as “disciplinas gímnicas” e que já conta com 10 atletas ucranianos.

“Temos seis meninas na rítmica de competição, duas meninas na rítmica de representação, um menino na artística masculina e vamos receber uma menina para a acrobática”, enumera.

Adriana Castro está ainda envolvida no trabalho do Guimagym para providenciar “alojamento” e “alimentação” às famílias das ginastas, bem como para as matricular nas escolas, em colaboração com empresas vimaranenses que já assumiram “despesas mensais de água, luz e Internet” e com pais de outros atletas, que já disponibilizaram, por exemplo, um carro para transporte.

Apesar das “lágrimas nos olhos” quando se “fala no pai” de cada uma delas, a mestre em desporto realça que as seis ginastas de competição apareceram no Guimagym com “vontade de voltarem ao treino e de recuperarem a forma”, mas também com a “preocupação de terem perdido alguma capacidade física”.

“Quiseram logo treinar, apesar do cansaço da viagem, da confusão toda de chegar e de terem que se alojar. […] Portanto, a importância da ginástica na vida destas crianças é realmente muita. […] O clube só está a fazer a parte social de as deixar treinar e de lhes dar as melhores condições possíveis”, frisa.

Além de Anzhelika Shyriaieva, também Ailara Stadnyk, Oleksandra Riabets, Sofia Riabets, Miroslava Bespala e Sofia Smerteniuk competiam na Ucrânia, tendo esta última ginasta, de 15 anos, integrado a seleção principal do seu país.

“Saímos de Kiev logo no primeiro dia da guerra. Dirigimo-nos para a fronteira com a Polónia e estivemos lá um mês, a tentar perceber qual seria o próximo passo, até que contactámos a treinadora Adriana a partir da minha treinadora na Ucrânia. Chegámos na sexta-feira [8 de abril], fomos bem recebidos e deram-nos o que precisávamos”, detalha a mais velha das seis ginastas.

À espera que se concretize a filiação na Federação de Ginástica de Portugal, Sofia Smerteniuk acredita que “vai continuar a mostrar resultados” em Portugal, sentindo apenas falta dos avós paternos e do irmão de 18 anos, que ficou retido na fronteira com a Moldova.

“A minha avó materna está cá. O meu irmão de 18 anos chegou à fronteira e não o deixaram sair. Continua na cidade da fronteira com a Moldova e não consegue sair”, diz.

Ao lado, a mais jovem das ginastas, Miroslava Bespala, tem o arco como o seu aparelho favorito e afirma ter sido recebida “com alegria” quer na escola, onde foi até “brindada” com presentes, quer no Guimagym.

“Mal cheguei, queria muito começar a treinar. Mal comecei a treinar, voltei à rotina de ginástica e tudo de mau desapareceu da cabeça. Gosto muito de cá estar, sinto-me bem e só quero treinar e continuar na vida normal. […] Sinto saudades do pai, dos avós e dos bisavós que lá estão ainda”, conta “Mira”, de oito anos, oriunda da reconhecida escola de ginástica rítmica Deriugina, de Kiev.