Pathos-Ethos-Logos

Somando mais de 10 horas de duração, esta trilogia de Joaquim Pinto e Nuno Leonel é o exemplo do filme de “arte” apontado a um nicho do nicho, um aglomerado intelectualmente rarefeito e estetizante de personagens vagas que não fazem nem dizem nada de substancial, de farrapos narrativos, sequências de época, imagens herméticas e abstratas, e muitas, muitas referências culturais, artísticas e religiosas, acompanhada por uma voz “off” que cita poemas, pensamentos, aforismos e excertos de textos filosóficos de autores que vão de Platão a Simone Weil, passando pelo Padre António Vieira. É percetível um interesse pelo cristianismo mais “orgânico” e pela figura de Jesus Cristo, que atravessa toda a trilogia, mas “Pathos-Ethos-Logos” pede uma disponibilidade e uma tolerância para com este tipo de discurso e de registo cinematográfico radicalmente alternativo, anti-narrativo e cerebral, bem como uma paciência, que só alguns eleitos ou iniciados terão.

O Evangelho Segundo São Mateus

Rodado por Pier Paolo Pasolini em 1964 na desolada região italiana de Basilicata, “O Evangelho Segundo São Mateus” é uma vida de Jesus Cristo parcimoniosa, austera e anti-espectacular, assinada por um intelectual de esquerda ateu seguindo a mais pura tradição do cinema neorealista. O elenco é composto quase todo por pessoas da região sem a menor experiência de representação (Cristo é interpretado por um estudante universitário que tinha ido entrevistar Pasolini, e a Virgem Maria, em idosa, pela mãe do realizador), tendo o argumento sido substituído pelo texto de São Mateus. Plebiscitado pelo Vaticano como um dos melhores filmes religiosos de sempre, a obra indignou muitos católicos italianos (sobretudo pelo retrato atípico e algo ríspido de Cristo, até no aspeto físico) e esquerdistas franceses, tendo Sartre ralhado ao realizador: “Estaline reabilitou Ivan, o Terrível; Cristo ainda não foi reabilitado pelos marxistas.” Reposição em cópia restaurada.

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Salgueiro Maia — O Implicado

Realizado por Sérgio Graciano, escrito por João Lacerda de Matos com base num livro de António Sousa Duarte, e com Tomás Alves no papel principal, “Salgueiro Maia — O Implicado” dramatiza a carreira e sobretudo a vida privada do capitão de Abril, que teve um papel fundamental no golpe militar, ao ocupar o Terreiro do Paço com as suas forças de Cavalaria, conseguir a capitulação dos homens do brigadeiro Reis e depois receber a rendição de Marcello Caetano no Quartel do Carmo. Vemos a recruta, o casamento, as comissões em África, o militar de vocação e patriota que se desilude gradualmente com o regime e se vai envolver no MFA, o amigo, o camarada de armas e o marido e pai de família, a recusa de cargos e benesses no pós-revolução, os choques com a hierarquia, a luta contra a doença e a morte, apenas com 47 anos. “Salgueiro Maia — O Implicado” foi escolhido como filme da semana pelo Observador e pode ler a crítica aqui.