“Drawn (1975-1993)”, de Leonilson

Museu de Serralves, Porto, até 18 de setembro

A delicadeza e a intimidade de um artista que soube romper com a normalidade artística brasileira e deu à arte novos contornos. A pujança de um trabalho que se vai tornando cada vez mais intercetado pelo espírito intransigente de um homem, num tempo em que o Brasil grita a sua liberdade. Montada em círculos mais ou menos definidos, com recortes mais intimistas, a mostra põe em destaque a capacidade de fazer preciosidades de um artista que pauta a sua atuação pela feminilidade e pela relação de um eu com os outros.

O autorretrato é recorrente, não só na peça com esse título realizada no fim da vida, e mostra as várias facetas de um homossexual sensível e atento a uma sociedade onde o corpo e a nossa relação com ele ainda não é pacífica. Tecidos bordados, pequenos desenhos, frases, símbolos, palavras, constroem uma cronologia atenta ao evoluir de um mundo incapaz de olhar com humanidade a alma, o íntimo, a personalidade, a pureza, os amores, paixões. As necessidades do ser humano, as fraquezas, as ilusões, as vontades, e o homem que se vai tornando cada vez mais isolado, frágil, confuso, doente. Leonilson morre com sida em 1993. Cronológica, a exposição mostra até a cruzada religiosa que o artista travou até ao fim de uma vida de fé em si próprio e na amizade.

“Prisma”, de Vhils

MAAT, Lisboa, até 5 de setembro

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Do espanto à desilusão, assim é a mostra que o artista português tem patente na ala central do MAAT. É uma multiplicidade de ecrãs que exibe paisagens urbanas de outras tantas cidades do mundo e que se organiza de forma labiríntica, ordem ou desordem à qual acresce o facto de o lado detrás dos ecrãs ser espelhado, conduzindo o espectador à confusão de espírito. Vista de cima, a exposição, completamente imersiva, tem o dom de se apresentar espetacular, mas, à medida que nos aproximamos da escala mais real daquele espaço, as imagens passam a uma vida mais amorfa e deixam de fazer jus à monumentalidade que se poderia adivinhar.

Vhils no MAAT com exposição de “frescos contemporâneos” que retratam nove cidades antes da pandemia

Além disso, a experiência de cidade não é sinónimo de vivência, não conseguimos pois entrar nas variadíssimas cidades, de Tóquio a Lisboa, passando pelo México, que Vhils nos propõe ao ponto de as entendermos, descodificarmos ou estranharmos. Aquilo que acontece, em momento não mais do que lúdico, é medirmo-nos tu cá tu lá com as dimensões distintas que cada vídeo nos oferece. E ao sairmos da exposição não levamos para casa mais nada do que isso: foi uma brincadeira que, muito provavelmente, custou muito tempo, imaginação, e destreza ao artista. Nada mais. Quereríamos ter mergulhado numa ideia de cidade, mas ela escapou-se-nos.

“Interferências: Culturas Urbanas Emergentes”

MAAT, Lisboa, até 5 de setembro

Na sequência da mostra que Vhils assina e sobre a qual acabámos de escrever, destaque para esta exposição com co-curadoria do mesmo artista, de seu nome Alexandre Farto, e António Brito Guterres e Carla Cardoso. Aqui sim, entramos cidade dentro, ou fora, conforme a nossa perspetiva das periferias, para conhecermos os códigos, os sentidos, os símbolos, e as vivências de toda uma, muitas, novas culturas, para quem as descobre pela primeira vez ou as redescobre mais uma vez.

É, ao mesmo tempo, a reaprendizagem de uma história pós-colonial, onde a matriz africana oferece a sua visão de acontecimentos passados e nos dá a entender modos de vida diferentes daqueles que estamos habituados a olhar num museu, mas tão válidos como esses. É uma exposição que se reconhece através da narrativa histórica, social e económica, mas também documental e pouco ou nada ficcional. Trabalhos em todos os suportes, muito vídeo, fotografia, escultura e instalação, revelam nuances e traços de ambiências urbanas muito definidas. Esta cidade existe e esta cidade é a nossa.