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"The Dropout". A história do sangue oculto de Elizabeth Holmes é tão improvável que deu uma série

Este artigo tem mais de 1 ano

Mais do que recordar o escândalo da Theranos, a nova série da DIsney+ aborda o medo existencial de ficar para trás quando o tempo corre. E mostra como uma história real pode ser bem adaptada.

Amanda Seyfried interpreta Elizabeth Holmes, a promessa revolucionária de Silicon Valley transformada em fraude levada a tribunal
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Amanda Seyfried interpreta Elizabeth Holmes, a promessa revolucionária de Silicon Valley transformada em fraude levada a tribunal

HULU

Amanda Seyfried interpreta Elizabeth Holmes, a promessa revolucionária de Silicon Valley transformada em fraude levada a tribunal

HULU

Ao quarto episódio de “The Dropout”, “Old White Men”, um homem de meia-idade está a conduzir, numa cidade com clima frio, e a canção “Firework”, de Katy Perry, começa a tocar na rádio. Discretamente sobe o volume, fica a sensação de que é um gesto que dirá mais ao espectador do que à personagem naquele momento. Mais à frente existirá confirmação. É o início de um episódio fascinante de “The Dropout”, série que se estreia a 20 de abril na Disney+ e que conta a história dos primeiros anos da Theranos, a empresa que prometia revolucionar as análises de sangue (mas falhou de forma dramática), e da sua fundadora e CEO, Elizabeth Holmes (que acabaria julgada por fraude). No início deste ano, o veredito sobre Elizabeth Holmes foi finalmente conhecido: culpada. Esta série de oito episódios lida com uma história sobre a qual ainda hoje estamos a perceber as consequências. E, ao contrário de outros exemplos recentes, fá-lo muito bem.

O homem de meia-idade no momento que descrevemos acima é Jay Rosan, ou Dr. Jay, brilhantemente interpretado por Alan Ruck (o irmão mais velho de “Succession”, aquele que é um saco de pancada). O episódio vai acontecer todo a partir do seu ponto de vista, um homem claramente ultrapassado pelo tempo que sente um bichinho ao ouvir os elogios que Elizabeth Holmes, interpretada por Amanda Seyfried, faz ao seu trabalho. As palavras de Holmes são como um feitiço. Para o espectador que chega a este episódio isso já não será novidade, contudo, continuará a causar surpresa como tanta gente foi e ainda poderá ser enfeitiçada.

Elizabeth — que em tempos foi a menina bonita de Silicon Valley — quer colocar a sua máquina, a Theranos, nas lojas da Walgreens. A cadeia de lojas dedicadas a produtos farmacêuticos, cosmética e beleza está curiosa, mas desconfia. Por um lado, sente que as promessas de Holmes podem ser o que lhes falta para se enquadrarem no século XXI e para se maneterem relevantes. Por outro, há todo um desconhecimento de como estas mentes mais novas operam, ainda é muito cedo para entrar no comboio Silicon Valley. Dr. Jay luta contra os céticos dentro da Walgreens e entre eles está Kevin Hunter (Rich Sommer), um analista externo que a empresa de retalho contrata para conhecer melhor o projeto de Holmes. Por mais visitas que faça ao escritório da Theranos, nunca lhe é permitido ver a máquina a funcionar.

[o trailer de “The Dropout”:]

É uma história frequente ao longo de “The Dropout”: nunca se vê essa mesma máquina a funcionar. Ou melhor, quando se vê, ela funciona mal. Mas neste episódio é especialmente gritante a inexistência do “não ver”, porque é talvez onde melhor se concretiza a mentira que sustenta “The Dropout”, quando um grupo de homens de meia-idade decide avançar com um negócio sem provas de que o que estão a pagar funciona. Porquê? Porque Dr. Jay, num momento crucial, decide citar “Fireworks” a um dos seus superiores e usar a canção para uma analogia de como eles – esses homens – estão a viver num mundo para o qual já não têm velocidade. E a única forma de tentarem acompanhar é associarem-se a estas mentes jovens, brilhantes, e construir o futuro com eles. A parceria entre a Walgreens e a Theranos foi ruinosa.

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“The Dropout” é a história de uma empresa sustentada por vários Dr. Jays, homens de meia-idade (aliás, muitos com idade já avançada) que não resistem à ideia revolucionária de uma jovem inteligente, bem treinada, manipuladora e ambiciosa. O Dr. Jay de Alan Ruck prende pela sua vulnerabilidade, é a personagem que melhor evidencia esta ideia de ser ultrapassado e do medo de perder a carruagem. É aquela que, de certa forma, melhor se relacionará com o espectador que conseguir olhar para isto de uma forma inocente e entender como as promessas de Elizabeth Holmes pareciam bem reais há pouco mais de dez anos. Ele é a personificação do medo de sermos velhos.

Numa conversa com vários jornalistas, há cerca de dois meses, Elizabeth Meriwether, criadora da série, justificou a personagem da seguinte forma: “O Dr. Jay é uma pessoa real, mas a personagem é isso mesmo, uma personagem. Li o que foi escrito sobre ele, mas o que ele representa é esta pessoa mais velha, maravilhada com tecnologia que não percebe e que tem medo de ficar para trás. Aliás, eu relaciono-me com ele. O dr. Jay serve para mostrar como, naquele momento particular no tempo, em 2010, havia uma mudança na cultural empresarial, a Walgreens existia de uma forma tradicional e queria ser competitiva com estas novas empresas que iam aparecendo, vindas de Silicon Valley. Ele é alguém que ficou apaixonado e deixou de fazer as questões que devia perguntar. Fiquei fascinada com essa história, daí querer que esse episódio tivesse a sua perspetiva: como alguém entrou naquela situação. Fiz isso com a esperança de que algo assim não volte a acontecer.”

“The Dropout” é menos sobre Elizabeth Holmes e a Theranos e mais sobre o mundo de hoje, aquele que permite que isto aconteça, onde a crença numa tecnologia que não existe coloca a ciência e as vidas humanas em segundo plano

Elizabeth Meriwether fez um ótimo trabalho nesta adaptação. Os oito episódios de “The Dropout” nascem de um podcast, com o mesmo nome, que surgiu em 2019 e contou (ainda conta, para quem o quiser ouvir) a história de Elizabeth Holmes e da Theranos com entrevistas a diversas pessoas que trabalharam na empresa, que estiveram envolvidas em negócios, jornalistas que contribuíram para o hype Holmes/Theranos e pessoas que, noutros momentos da vida, foram próximas da empreendedora. Os seis episódios originais do podcast recomendam-se e são a companhia perfeita para a série (ou talvez seja ao contrário). Se aceitar a sugestão, prepare-se porque facilmente irá além dos seis episódios originais: ao longo do último ano, o podcast tem seguido de perto o julgamento de Holmes e é irresistível acompanhar esse processo segundo a linha de investigação que ali se ouve.

“The Dropout” combina a tendência dos últimos anos de tornar podcasts sobre histórias reais em séries (“Dr. Death”, “The Shrink Next Door”) e da indústria do entretenimento de contar histórias que enfatizam a mentira (“Inventing Anna”) e a montanha-russa de Silicon Valley (“WeCrashed” ou “Super Pumped: The Battle For Uber”). Só que as coisas correm muito bem a “The Dropout”, a história de Elizabeth Holmes não só é diferente, como Elizabeth Meriwether convida o espectador a envolver-se no processo.

Meriwether começa por humanizar Elizabeth Holmes. Conta como chegou à Theranos, desde a temporada que passou na China e onde conheceu Sunny Balwani (Naveen Andrews), cerca de vinte anos mais velho e que foi o seu companheiro – secreto — e, a partir de dado momento, COO da Theranos. Passa também pela sua breve estadia na universidade, da qual desistiu rapidamente para fundar a sua empresa. Nos episódios iniciais da série vê-se Holmes antes da sua transformação, antes de ser uma pessoa que se vestia à Steve Jobs e que mantinha uma voz grave, bizarra, que promovia de imediato a atenção de quem a ouvia.

Essa humanização serve para a criadora da série seguir o seu ponto de vista e mostrar como Holmes e Balwani nunca estiveram distanciados da realidade por detrás da máquina e dos resultados que prometiam obter. Não tanto por um qualquer vontade de encontrar culpados, mas sobretudo para tentar criar uma narrativa que conte uma história real que retrate reste problema bem vivo do presente, em que o medo de ficar para trás pode pressiona até à cegueira, voluntária ou não, face à realidade. Ao fim dos oito episódios, a sensação é a de que “The Dropout” é menos sobre Elizabeth Holmes e a Theranos e mais sobre o mundo de hoje, aquele que permite que isto aconteça, onde a crença numa tecnologia que não existe coloca a ciência e as vidas humanas em segundo plano.

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