A redução da oferta de alimentos devido ao aumento dos preços e da guerra na Ucrânia marca o quotidiano no apoio social no Grande Porto, num cenário em que também houve ganhos no voluntariado e até campanhas bem-sucedidas.

A Lusa falou com três dessas instituições e percebeu que o apoio à Ucrânia trouxe mais-valias, por exemplo na operação da Porta Solidária, que diariamente dá alimentos a cerca de 500 pessoas nas suas instalações na Igreja do Marquês, no Porto.

Segundo o padre Rubens Marques, que gere aquela resposta social, “logo após o início da guerra gerou-se um movimento muito grande” que se traduziu em “imensas dádivas para a Ucrânia, bem como voluntários para as embalar” nas instalações da Porta Solidária.

Em contraponto, lamentou, “quase desapareceram as ofertas de bens alimentares” que contavam para “dar de comer aos pobres que vivem na cidade do Porto”.

“É uma situação que se mantém e que faz com que estejamos muito aflitos”, acrescentou.

Argumentando que “fugir da guerra é muito mais grave do que fugir da forme”, o padre Rubens frisa, contudo, ser “necessário conseguir um equilíbrio” que passa por uma mudança de procedimento, passando a mandar “as dádivas não para as fronteiras, mas para os centros de distribuição em Portugal, onde as famílias que chegaram irão procurar alimentos”.

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“Temos duas famílias ucranianas que semanalmente levantam na Porta Solidária o cabaz para cozinharem”, relatou a título de exemplo, num cenário em que “quase todos os alimentos que costumavam receber” desapareceram do leque das ofertas.

Elencando, disse que sentiram falta de “carne, fiambre, queijo, iogurtes e da fruta, bem como de enlatados”, o que os obriga, por estes dias, a “ter de fazer compras”.

Mas nem tudo foi mau, contou, pois, do ponto de vista dos recursos humanos gerou-se um movimento interessante: “pessoas que nunca tinham vindo à paróquia e que não conheciam a Porta Solidária vindo, como voluntárias, para o embalamento dos bens para a Ucrânia, inteiraram-se da realidade e, a partir daí, começaram a ter mais voluntários no projeto“, assinalou o padre Rubens.

Também sediada no Porto, a SAOM — Serviços de Assistência Organizações de Maria forma há duas décadas pessoas sem-abrigo ou desempregados para a área da restauração e bares e, até ver, segundo a coordenadora Luísa Neves, nada faz crer que a turma que iniciará formação dentro de duas semanas não o possa fazer como previsto.

Instituto de Emprego e Formação Profissional comparticipa na compra dos géneros alimentares necessários para o curso. Esse montante, a não ser que os preços subam muito, chega para nos conseguirmos adaptar”, confirmou a responsável.

Mas se o lado formativo está garantido, é nos “serviços de refeições do centro de dia e no apoio domiciliário que reside “o problema” para a SAOM, pois embora não tenham ainda faltado alimentos, há a questão do custo da sua aquisição e, sobretudo, do aumento do custo dos combustíveis .

“Diariamente, temos seis carrinhas na rua e as comparticipações da Segurança Social são muito baixas“, explicou Luísa Neves sobre uma insuficiência que se adensa por causa do “apoio aos três restaurantes solidários no Porto e dos nove supermercados onde recolhem donativos” em quilómetros cada vez mais onerosos de fazer.

A organização não governamental “Na Rota dos Mundos” trabalha a partir de Matosinhos para as crianças de Catió, na Guiné-Bissau, e, segundo a responsável, Suna Antunes, não sentiram “quebra nos donativos por um desvio de interesse para a Ucrânia”.

“Aquilo que precisamos é algo muito mais básico do que aquilo que é enviado para a Ucrânia”, disse, explicando que “gerem um orfanato em Catió, para onde vão bebés cujas mães morreram no parto”.

“A primeira e enorme necessidade que essas crianças têm é o leite de substituição, em lata, e muitas vezes fazemos campanhas de angariação desse alimento. E a micro campanha que desencadeamos no final de março, após haver mais quatro recém-nascidos, foi um sucesso e o leite já lá está”, contou.