Jorge Moreira da Silva apresentou esta quarta-feira a candidatura à liderança do PSD. Num discurso que durou mais de uma hora, o antigo ministro do Ambiente disse ao que vem: “Sou portador de um projeto capaz de renovar o PSD, libertar o potencial de crescimento sustentável em Portugal e assegurar que os portugueses reconquistam o seu pleno direito ao futuro”.
Em Monsanto, Lisboa, o agora candidato à sucessão de Rui Rio comprometeu-se a “atualizar as linhas programáticas do PSD” e a “clarificar natureza” do relacionamento do partido com as demais forças políticas à direita. De resto, numa óbvia indireta a Luís Montenegro, Jorge Moreira da Silva garantiu que não pretende ser ambíguo com o Chega.
“Em tempo útil, de forma praticamente isolada, alertei para os riscos da nossa ambiguidade na relação com o Chega. O resultado das eleições legislativas confirma que tinha razão. Lamento que, em 2020, muitos tenham ficado convenientemente calados e, ainda pior, venham agora definir o PSD como ‘a casa comum dos não socialistas’. Comigo, não. Na casa do PSD não cabem racistas, xenófobos e populistas.”
Sem nunca referir o nome do adversário, Moreira da Silva comprometeu-se a unir o partido se os militantes sociais-democratas assim o entenderem. “Estive sempre presente. Nunca deixei de me bater, frontalmente, por causas e ideias. Mas nunca perdi um minuto que fosse na guerrilha e na conspiração. Não tenho, pois, contas a acertar nem posicionamentos equívocos a justificar. Conseguirei facilmente unir porque nunca andei a dividir“, atirou.
Acompanhado apenas pela família e por Miguel Goulão, o seu número dois desde os tempos da JSD, Moreira da Silva assumiu que tem como objetivo criar um governo-sombra para fazer oposição cerrada desde o minuto zero da sua liderança. “Ficam os ministros e os secretários de Estado do governo socialista a saber que, a partir de agora, terão uma marcação direta por parte do PSD. E fica António Costa a saber que terá em mim um adversário enérgico. Não lhes daremos descanso.”
Apontando diretamente a António Costa, o social-democrata acusou o líder socialista de ter sido “responsável” por um “autêntico governo de gestão”. “O sistema partidário português padece de sonambulismo, servindo de pasto ao fogo do populismo e da descrença. Portugal foi ficando para trás nos indicadores económicos e sociais e é do PS a principal responsabilidade pela situação em que Portugal se encontra.”
De resto, Moreira da Silva definiu 13 compromissos que vão orientar a sua liderança: “modernizar o Estado, aprofundar a democracia e a cidadania, combater a corrupção e melhorar a confiança na justiça, qualificar e digitalizar para uma sociedade 4.0, combater as alterações climáticas e liderar a revolução energética, proteger a biodiversidade, remunerar os serviços dos ecossistemas e valorizar o capital natural, proteger o Oceano e valorizar a economia azul”.
Além disso, o social-democrata quer ainda “combater as desigualdades sociais e enfrentar a crise demográfica, assegurar a resiliência territorial e a sustentabilidade das cidades, aumentar a competitividade e a produtividade, regular o futuro do trabalho e criar os empregos do futuro, reduzir a dívida e promover uma fiscalidade mais inteligente e promover a cooperação internacional, o multilateralismo e o projeto europeu”.
“Um líder tem de ter autonomia programática, comunicando aquilo sobre o qual
refletiu e aprofundou e não aquilo que lhe foi sussurrado. As ideias não se subcontratam. Os eleitores do PSD têm de saber ao que venho”, sublinhou Moreira da Silva, garantindo que seria ele próprio o coordenador da sua moção — em mais um crítica velada a Luís Montenegro, que escolheu Joaquim Miranda Sarmento para coordenar o seu documento estratégico.
“Estas eleições”, continuou o social-demcorata “disputam-se num tempo especial e seria imperdoável que, nesta hora, falhássemos aos portugueses”. “No meio da maior crise dos últimos 70 anos, o governo não sabe para onde vai, nem para onde nos leva e está capturado pelos projetos pessoais e partidários dos seus membros.”
“Um primeiro-ministro a pensar num cargo em Bruxelas, meia-dúzia de ministros mais mobilizados pela corrida à sucessão do seu líder partidário do que pela resolução dos graves problemas do país. Não me recordo de um governo cujo prazo de validade, aferido pelo mérito e pela credibilidade, se tenha esgotado tão depressa”, disse.
A terminar, Moreira da Silva tentou colocar-se como verdadeiro candidato a primeiro-ministro e não apenas e só como candidato a líder partidário, apelando ao voto livre dos militantes sociais-democratas — uma estratégia que mimetiza aquela utilizada por Rui Rio contra Paulo Rangel nas últimas diretas e que tenta criar um contraste com Luís Montenegro.
“A responsabilidade dos militantes do PSD é agora enorme: quando votarem terão de saber interpretar a vontade daqueles que, não tendo direito de voto, são potenciais eleitores do PSD. Para esses não basta um líder capaz de criticar o governo. É preciso alguém que tenha um plano para Portugal. Que tenha provas dadas na liderança de reformas e na entrega de resultados, tanto no plano nacional como internacional”, rematou o antigo ministro do Ambiente.
Já na fase reservada às perguntas da comunicação social, Moreira da Silva foi desafiado a esclarecer se aparece nesta candidatura por acreditar que havia espaço na corrida para um candidato alternativo e sem o apoio, teórico, da maioria das estruturas do PSD.
“Tenho estima e amizade por Luís Montenegro. Mas somos diferentes. Temos uma perspetiva, perfil e percurso diferentes. Esta eleição não é para escolher o bom e o mau; é para escolher quem é o que está mais bem-preparado. E eu tenho melhores condições”, disse.
O antigo ministro do Ambiente foi ainda confrontado com o facto de partir, teoricamente, atrás de Luís Montenegro nesta corrida à liderança. “Não ando na vida política de calculadora na mão. A minha força vem da capacidade de entregar resultados. Mas não ando nisto há dois dias. É muito precipitada [a ideia] de que não tenho apoio político”, começou por dizer.
Sem nunca visar diretamente Montenegro, Moreira da Silva acabou por sugerir que o antigo líder parlamentar angariou apoios muito antes de dizer o que pretende para o partido e para o país. “Sentir-me-ia mal a andar a pedir apoio sem dizer ao que venho. As pessoas costumam oferecer cargos antes de dizer ao que vêm. Eu não sou assim. Quem esperar que esteja disponível para oferecer lugares no Parlamento Europeu ou para vice-presidentes, não contarão comigo.”
Moreira Silva falou ainda sobre o facto de tanto ele como Luís Montenegro serem duas criações do passismo, recusando qualquer leitura desse género. “Não tenho paciência nenhuma [para isso]. Esta é a minha candidatura. Não falei com Pedro Passos Coelho e não falei com ninguém antes de apresentar esta candidatura”, atirou.
Com ironia, o antigo ministro notou, de resto, que aparece na comunicação social tanto como “passista como rioísta”, referindo-se ao facto de muitos apoiantes do ainda líder do PSD estarem a torcer pela vitória de Moreira da Silva contra Montenegro. “Pelos vistos, sou aquele que consegue unir”, disse.
Em relação ao Chega, o antigo ministro voltou a defender a existência de uma linha vermelha clara entre os dois partidos. “Não vou perder muito tempo com o Chega. Vou perder o tempo com as pessoas que votaram ao engano no Chega. Sobre o relacionamento com o Chega: ‘Nunca, jamais, em tempo algum’. Ao dizermos isto preto no branco, dizemos que um voto no Chega não servirá para nada.”
Moreira da Silva acabou por não se comprometer com a continuidade de Paulo Mota Pinto à frente da bancada, dizendo apenas que tem uma avaliação positiva do percurso e da figura do novo líder do grupo parlamentar.
O antigo governante reconheceu ainda que o “risco” de o PSD se tornar um partido médio “existe” e que é preciso estar “à altura” das suas “responsabilidades”. “Precisamos de ter audácia. O PSD só voltará ser maioritário se for capaz de aplicar a si próprio uma mudança de grande amplitude.”
Sem base, sem país, sem quadros e sem espaço. O PSD ainda tem futuro?