“Macron, Président. Macron, Président. Macron, Président. Macron, Président”

Lá fora, junto à Gare du Nord, em Paris, vários sem abrigo vão-se acotovelando para mais uma noite passada junto às paredes de uma das principais estações da cidade. Há um comboio que chega de Londres e um entra e sai de passageiros à procura de um táxi para seguirem caminho, indiferentes ao esperado debate que está a ser transmitido pela televisão entre os candidatos presidenciais que vão a votos no domingo em França. Ali a poucos metros, dentro do bar Belushi, as atenções estão viradas para vários ecrãs. A iniciativa foi da camada mais jovem do Em Marcha!, de Emmanuel Macron, através do movimento JAM – Jeunes avec Macron (Jovens com Macron), que convidou cerca de 700 pessoas. Não se sabe quantos estão presentes, mas há apoiantes, militantes, mais novos, mais velhos e até por lá passaram alguns ministros.

O debate é ouvido no silêncio possível sem grandes alaridos até ao último minuto. Assim que Macron tem direito à sua última mensagem e fala na importância da infância, dentro do Besushi gritou-se “Macron, Président. Macron, Président. Macron, Président. Macron, Président”. Já passam das 23h30 em França e os apoiantes do atual Presidente nem esperam por ouvir a mensagem de encerramento da líder da União Nacional para gritarem palavras de apoio. Uns de pé perante os ecrãs em redor do balcão do bar, outros à mesa. “Macron, Président. Macron, Président. Macron, Président. Macron, Président”.

Mal termina, ouve-se junto à sala de imprensa um assessor dizer: “Temos que tirar os jornalistas daqui em 15 minutos”. À saída dos jornalistas, o som da música aumenta e começa a festa. Para estes apoiantes de Macron ele é já um vencedor. Anne Salzer, advogada, está logo na entrada do bar e bem próxima de um ecrã. Está a ver se consegue uma t’shirt com o slogan da campanha do seu candidato “Avec Vous, Nous Tous” quando o Observador a aborda. Não tem dúvidas de que quem ganhou aquele que foi o primeiro debate da campanha, e que só tinha acontecido em 2017, foi Emmanuel Macron. O que do seu ponto de vista, não é difícil. É que, e tal como Macron atirou no debate, a maior parte das políticas defendidas pela líder do União Nacional, Marinne Le Pen, não são executáveis. “Falou de reformas que não são aplicáveis à luz da Constituição. Eu sou jurista, posso dizer que há muitas coisas que ela diz que não são aplicáveis nem conformes à nossa lei”, acusa.

Para Anne Salzer, nem os últimos anos em que passou a acumular experiência política lhe serviram para uma melhor prestação. “Ela não estava preparada e ficou na defensiva, o que mostra o seu lado extremista o que é perigoso para a França”, defende a advogada. Mais. “Ela não tem ideias concretas sobre a educação, nem sobre a indústria, sobre a laicização, sobre a juventude. Ela não tem pragmatismo”, conclui. Um debate que, segundo defende, será muito útil para os indecisos.

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Ao lado, Mandy Vinot vai abanando a cabeça em jeito de aprovação. Espera pelo final para dizer umas palavras em português e pergunta como se diz “porte parole”. “Porta-voz”. “Eu sou a porta-voz do JAM”, apresenta-se, explicando que este movimento nasceu em 2016 e que conta já com mais de 30 mil jovens que apoiam a política de Macron. Mandy, Anne e todos este jovens já se deverão reformar aos 65 anos, caso Macron ganhe e avance com a medida que esta semana se tornou polémica e arma de campanha para Le Pen.

“Não há outra forma. Ou se aumenta os impostos ou tem que se trabalhar mais”, justifica.  Até porque associada a esta medida está o aumento das reformas mínimas até aos 1100 euros, quando agora há reformas que podem não exceder os 700 ou 900 euros, como no caso de agricultores, por exemplo. “Neste ponto de debate ele foi excelente por que explicou”, diz Mandy, que não é de origem portuguesa. Sabe português porque cresceu em Vitry-Sur-Seine, onde havia muitos portugueses e por isso nas escolas ensinava-se o português.

“Ele fez um grande debate, ele foi excelente a explicar todas as matérias e na perspetiva de dar qualquer coisa de concreto e construtivo”, diz Mandy, que não hesita em responder aos militantes da direita que apesar do Estado apoiar muitas pessoas, também as controla para continuar a apoiá-las. Um argumento bem contrário ao de Le Pen.

Enquanto os apoiantes de Macron viam juntos o seu confronto com Le Pen, noutro extremo da cidade, em Saint Dinis, brigadas de Minas e Armadilhas, polícias à civil e a Gendarmerie tinham já montado um verdadeiro cordão de segurança no quarteirão dos estúdios de cinema de Lendit, junto ao estádio de França. Foi aqui que Emmanuel Macron e Marine se digladiaram ao longo de duas horas com argumentos sobre o poder de compra, sobre a Europa, não esquecendo a guerra da Ucrânia, mas também sobre o modelo social em França, o ambiente, a segurança e a imigração, temas flagrantes nos dois programas que vão a votos este domingo.

Nos estúdios em Saint Dinis, onde os candidatos chegaram duas horas antes do início do debate depois de confirmadas todas as medidas de segurança, foi tudo pensado ao pormenor. A temperatura da sala, o lugar que Marine Le Pen e o atual presidente deviam ocupar e os tempos da entrevista que foi transmitida pela TF1 e pela France 2. Cá fora, em silêncio, esperavam os operadores de câmara. Lá dentro estavam apenas jornalistas com credenciais feitas com antecedência para poderem entrar.

Nas ruas de Saint Dinis, ali bem perto, havia também quem ignorasse o debate e permanecesse na rua.

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Uma surpresa à esquerda

Pascal de Lima, um economista de origem portuguesa que já teve ligações ao Partido Socialista francês, optou por assistir ao debate sozinho. Mas trocou impressões com o Observador, por telefone. “Achei Macron com melhores competências técnicas, muito melhor que há cinco anos. Sabe mais de economia, a experiência da Covid-19 e da Ucrânia também o enriqueceram”, disse.

Para o economista, Macron soube bem defender a sua posição em relação à Guerra da Ucrânia e a uma mudança na preparação da Europa perante estes conflitos “porque conhece as fraquezas da União Europeia, por exemplo.”

Já Marinne le Pen, do seu ponto de vista, “está muito diferente de há cinco e dez anos”, o que pode ser o “ponto final da União Nacional”.  “Penso que é o fim. Porque eu acho que o conteúdo das propostas é muito fraco é muito mal preparado. Superficialidade, fraqueza, sobretudo no conteúdo, na forma de contradizer sem responder as perguntas”, defende.  Depois há temas em que Le Pen perde o pé, como quando falou em aumentar 10% todos os trabalhadores. Ela não pode misturar o domínio privado com o público. “A única forma de aumentar os empregados de uma empresa privada é reduzir os impostos”, porque os valores de aumentos são da responsabilidade do patrão.

Houve também uma diferença drástica entre os dois candidatos:”O léxico e a gramática foram mais fortes no Macron”, clarificou Pascal de Lima. “Tenho a certeza de que o voto em Macron é uma consequência de um sistema completamente vazio em relação as personalidades políticas em Franca nos últimos dez anos”, diz.

Um panorama que tem esperança que mude com as legislativas, embora considere que Macron deverá optar por escolher um governo com várias cores políticas. “O Macron não vai poder fazer sozinho. Acho que vai haver uma coligação com a esquerda, vai haver uma surpresa”, diz. Ou seja, uma “geringonça à esquerda”.