Km 224

Mário, arquiteto, e Cláudia, gestora de hotelaria, amavam-se muito e tiveram um filho. Depois, tiveram o segundo e tudo mudou: vieram as discussões, as crises e a separação. Agora, Mário e Cláudia estão em processo de divórcio litigioso e os dois filhos andam em bolandas do pai para a mãe e para a avó paterna, e até para um taxista amigo que apara os esquecimentos e as emergências daquele.

Em “Km 224”, António-Pedro Vasconcelos filma a atribulada e dolorosa separação deste casal outrora feliz e o seu efeito sobre as duas crianças, e assina o seu melhor filme desde “Call Girl”, uma história de gente real e tirada ao quotidiano com toda a verosimilhança, das situações humanas às peripécias dramáticas (e também cómicas) e aos retratos das personagens, principais e secundárias, bem escrita e realizada como cinema e não como televisão tapeada.

José Fidalgo e Ana Varela são muito bons como Mário e Cláudia, ele estouvado e cabeça no ar até roçar o irresponsável, ela preocupada e controladora até à exasperação, mas ambos devotadíssimos aos dois filhos e querendo o melhor para eles, embora de maneiras diferentes. E, coisa rara numa fita portuguesa, até os miúdos vão bem. Houvesse mais filmes como “Km 224” e o cinema nacional tinha outra solidez, outra credibilidade, outra indústria.

“Traições”

Arnaud Desplechin adapta aqui o livro Engano, de Philip Roth, composto unicamente por diálogos, em que um escritor americano chamado Philip, casado e a viver em Londres, fala com a sua atual amante, uma atriz inglesa, com a mulher e com amantes de outros tempos.

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O facto de serem atores franceses (Denis Podalydès e Léa Seydoux) a vestir personagens anglo-saxónicas num contexto inglês e americano, tira verosimilhança à narrativa e cria uma sensação de deslocamento no espectador: não bate a bota daquelas com a perdigota da nacionalidade dos seus intérpretes e dos locais em que estão. E apesar de Desplechin multiplicar os espaços em que as várias cenas se passam, “Traições” não consegue libertar-se do peso da sua teatralidade, que se torna gradualmente mais óbvia, pesada e cansativa, e também ligada à logorreia neurótica e egocêntrica dos dois amantes, sobretudo da personagem de Seydoux.

Há aqui vários pontos de contacto com o universo de Woody Allen, só que Roth se leva demasiado a sério. Mais sequências “allenescas” como aquela em que Philip é levado perante um tribunal feminista para expiar o seu machismo teriam melhorado “Traições” (e talvez também o próprio livro).

“O Homem do Norte”

“O Homem do Norte”, realizado por Robert Eggers (“A Bruxa”, “O Farol”) passa-se na Islândia do século IX, com uma história que tem as linhas gerais da do “Hamlet” de Shakespeare. O jovem príncipe Amleth (Oskar Novak) assiste ao assassínio do pai, o rei Aurvandil (Ethan Hawke) pelo irmão bastardo deste, Fjolnir (Claes Bang), que depois rapta a sua mãe, a rainha Gudrun (Nicole Kidman).

Amleth consegue fugir aos soldados do tio que o querem eliminar e reencontramo-lo anos mais tarde, já adulto (agora interpretado por Alexander Skarsgard), transformado num guerreiro “berserker” de uma horda viking que se dedica a matar, pilhar e fazer escravos no Leste, e anestesiado pela violência. Um encontro com uma feiticeira numa vila que ajudou a conquistar e saquear, recorda-lhe a sua linhagem nobre e incita-o a vingar o pai.

Deixa então a horda escondido no meio de um grupo de escravos, do qual também faz parte Olga (Anya Taylor-Joy), que diz ter poderes de feiticeira e pela qual se apaixona, rumando ao país da sua infância decidido a resgatar a mãe das mãos do tio assassino e usurpador e a matá-lo. “O Homem do Norte” foi escolhido pelo Observador com filme da semana e pode ler a crítica aqui.