Depois de dois adiamentos devido a problemas de saúde do juiz Ivo Rosa, a instrução do caso BES arrancou esta terça-feira e já com atrasos. Das quatro testemunhas marcadas para a primeira sessão, só duas foram ouvidas pelo juiz de instrução Ivo Rosa. A inquirição do ex-banqueiro José Maria Ricciardi, a última das quatro, foi mesmo adiada e não foi marcada nova data, apurou o Observador junto de fonte ligada ao processo.
A sessão estava marcada para começar às 14h00, mas pelas 16h00 ainda só estava a falar a primeira testemunha, Carlos Calvário, ex-diretor de risco do BES. A segunda, Ana Saraiva, começou a ser ouvida uma hora depois, cerca das 17h00 — hora a que era suposto começar a inquirição do primo de Ricardo Salgado, José Maria Ricciardi, que acabou adiada para outra sessão. A inquirição de Nelson Pita, ex-diretor de contabilidade do banco também não aconteceu e não foi reagendada. Estas testemunhas foram arroladas por João Martins Pereira, diretor de compliance e de auditoria do BES, acusado de três crimes de burla qualificada.
O juiz Ivo Rosa ainda não se pronunciou sobre os pedido dos arguidos Ricardo Salgado e Amílcar Soares, que arrolaram 82 e 74 testemunhas respetivamente. Salgado quer mesmo que o ex-primeiro ministro, Passos Coelho, seja ouvido enquanto testemunha pelo juiz Ivo Rosa. Caso este pedido seja aceite, esta fase do processo vai estender-se ainda mais no tempo.
A acusação. Anatomia de uma associação criminosa que destruiu o Grupo Espírito Santo
A instrução retoma esta quarta-feira com as testemunhas arroladas por assistentes representados pelo advogado Sá Fernandes. Na quinta-feira, estão agendadas inquirições de testemunhas chamadas pelo arguido Pedro Costa.
Ricciardi falou com grupo de lesados do BES: “Testemunharei a vosso lado se alguma vez necessitarem”
O caso esteve seis anos em investigação e resultou numa acusação contra 25 arguidos — aos quais o juiz Ivo Rosa juntou mais cinco. A defesa teve 14 meses para requerer a fase de instrução, que agora arranca. Esta fase facultativa serve para o juiz de instrução apreciar a acusação, antes de chegar a julgamento, e depois decidir que arguidos seguem ou não para julgamento e por que crimes. No limite, o caso pode acabar arquivado no final desta fase, se o juiz considerar que não existem indícios suficientes para julgar os 30 arguidos.
No arranque da instrução, um pequeno grupo de lesados do BES manifestou-se à porta do Tribunal e, à chegada, Riccardi falou brevemente com o seu representante, Jorge Novo. “Fui testemunha viva de que se fez uma provisão absolutamente integral para vos pagar aquilo que vos era devido e que resultou da vossa confiança num nome que, infelizmente, apesar de ter sido credível durante muitos anos, foi destruído”, disse o ex-banqueiro de 67 anos, acrescentando: “Sou testemunha de que foi constituída a provisão e testemunharei a vosso lado se alguma vez necessitarem”.
O primo de Salgado lembrou que “havia um conjunto de factos importantíssimos que foram ocultados” e “havia pessoas que sabiam e pessoas que não sabiam, pessoas que reportaram às autoridades e outras que não reportaram”. Foi o meu caso, quando tive conhecimento. Era a minha obrigação”, disse ainda, reiterando que reportou às autoridades. Sobre a vontade de criar uma instituição financeira, reconheceu que é “muito difícil”, mas vai “tentar fazê-lo”. “Primeiro, para tentar limpar o nome que foi destruído e que tinha 150 anos e fez estes senhores investirem. Segundo, se tiver algum sucesso e se ainda puder ajudar a ressarcir uma parte do que estes senhores sofreram, também o farei”, explicou.
Instrução adiadas duas vezes devido a cirurgia de Ivo Rosa. Juiz está “visivelmente debilitado, cansado e magro”
O início da fase de instrução estava agendado para o dia 21 de fevereiro, mas foi adiado devido a problemas de saúde do juiz de instrução Ivo Rosa — que foi submetido a uma cirurgia de urgência ao coração. O juiz Ivo Rosa “está visivelmente debilitado, cansado e magro“, segundo contaram ao Observador fontes que estavam no interior da sala de audiências.
A nova data passou então a ser 29 de março, mas o arranque da instrução deste caso sofreu novo adiamento devido ao prolongamento da baixa médica de Ivo Rosa até 15 de abril. A baixa médica terminou assim durante as férias judiciais, entre 9 e 18 de abril, e por isso Ivo Rosa só voltou ao trabalho esta terça-feira, para o arranque da instrução do caso BES. Há sessões marcadas até esta quinta-feira, seguindo-se depois uma interrupção, com a fase de instrução a retomar no final de maio.
Ricardo Salgado está acusado de 65 crimes: um crime de associação criminosa (em coautoria com outros 11 arguidos, entre eles os antigos administradores do BES Amílcar Pires e Isabel Almeida), 12 crimes de corrupção ativa no setor privado, 29 crimes de burla qualificada, infidelidade, manipulação de mercado, sete crimes de branqueamento de capitais e oito de falsificação.
O processo conta com 30 arguidos (entre eles, sete empresas) — o juiz Ivo Rosa juntou mais cinco arguidos aos 25 acusados pelo MP: os ex-funcionários do banco Maria Beatriz Pascoa, Luís Miguel Neves, Rui Santos e Alexandre Monteiro, pelos crimes de abuso de confiança, burla qualificada e infidelidade. Num total de 361 crimes, o processo principal agrega 242 inquéritos, que foram sendo apensados, e queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro.
O arguido José Manuel Espírito Santo Silva, antigo administrador do BES e primo de Ricardo Salgado, é acusado de vários crimes de burla qualificada, e infidelidade. O ex-administrador e diretor financeiro do BES Amílcar Pires responde por associação criminosa, corrupção passiva no setor privado, burla qualificada, branqueamento de capitais, manipulação de mercado, falsificação de documento e infidelidade. A antiga administradora do BES, Isabel Almeida, foi também acusada por um crime de associação criminosa, em coautoria, corrupção passiva no setor privado, burla qualificada, branqueamento de capitais, manipulação de mercado, falsificação de documento e infidelidade.
São ainda arguidos neste processo Manuel Espírito Santo Silva, Francisco Machado da Cruz, António Soares, Alexandre Cadosch, Michel Creton, Cláudia Boal Faria, Pedro Cohen Serra, Paulo Carrageta Ferreira, Pedro de Almeida e Costa, Nuno Escudeiro, Paulo Nacif Jorge, Pedro Pinto, João Martins Pereira e João Alexandre Silva.
As sete empresas acusadas são a Espírito Santo Internacional, Rioforte Investments, Eurofin Private Investment, Espírito Santo irmãos – Sociedade Gestora de Participações Sociais, ES Tourism Europe, Espírito Santo Resources Limited e ES Resources (Portugal) por crimes como burla qualificada a corrupção passiva, falsificação de documentos e branqueamento de capitais.