“Não sei se posso desejar-lhe um feliz ano”
Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado, Lisboa, até 28 de agosto
Grande exposição esta da Coleção Mário Teixeira da Silva com curadoria de Adelaide Duarte. É a primeira vez que este acervo é mostrado e a seleção parece-nos muito boa. A mostra é toda ela pautada por uma espécie de enigma, vindo talvez das máscaras indígenas provenientes, na sua maioria, da Nigéria, dos finais do século XIX ao século XX, às cabeças de terracota de 500 a.C. -500 d.C., qual cabinet de curiosités a evidenciar que esta coisa que vamos ver pode durar mais ou menos no tempo, mas há de ser visto com alguma surpresa, entusiasmo, ou desilusão.
Aqui a tónica está nos primeiros dois substantivos. As portas abertas por “Chantier”, um trabalho de Wim Delvoye de 1992 (na foto), todo um estaleiro de madeira entrançada e decorativa borda a face dos objetos que vão da bigorna ao carrinho de mão, da pá à betoneira, afiança que dá trabalho, a arte não é para todos. Miguel Rio Branco marca presença no corredor que, no piso de cima, dá acesso à Galeria Um, e aí sim, as boas-vindas chegam de todos os lados. São as máscaras, as esculturas Yoruba, é uma África selvagem, uma atmosfera adensada por uma imagem de Andreas Gursky, mas antes vincada também pelo mapa de Jorge Pinheiro, “A Ilha de Claude Levi Strauss”.
De repente, mais um piso e estamos lado a lado com “L’Escalade du désin”, uma obra de Julião Sarmento de 1977, passamos à fotografia de Bernd & Hilda Becher, à “Pintura Habitada”, de Helena Almeida datada de 1976, Sherry Levine, e a sua “After Walker Evans”, dá passagem à passadeira de Sylvie Fleury e antecede uma parede onde Ângelo de Sousa convive com Rui Chafes. António Sena, Souza Pinto, Silva Porto, Ana Mata, Álvaro Lapa, um grandioso Joaquim Rodrigo, Paula Rego e “The Vivan Girls at the end of the World”, para mais à frente, noutra sala, a fotografia começar a ganhar terreno, será ela no fim, de certo, a grande vencedora da exposição.
Candida Höfer, Wolfgang Tillmans antecedem Jorge Molder (ao qual se segue uma Aurélia de Sousa e uma Lourdes Castro, aqui, vá se lá saber porquê, apesar do núcleo dizer respeito ao Corpo e Representação) e somam e seguem Zhang Huan e Thomas Ruff. Nota para a “Napolitana”, um óleo de Henrique Pousão de finais do século XIX, algumas estrelas da fotografia como Nan Goldin ou Erwin Wurm, e os três Cabinet d’Amateur, quais mosaicos das mais variadas boas origens: Bill Brandt, William Eggleston, Paulo Nozolino, Lewis Baltz, Paul den Hollander ou António Júlio Duarte, por exemplo, num primeiro tempo; Gary Winogrand, Manuel Alvarez Bravo, Francesca Woodman e Elliot Erwitt, num segundo momento; e num terceiro, por exemplo, Lee Freedlander, Sandy Skoglund e Stephen Shore. A não perder.
“Pintura de Histórias”, de Júlio Pomar
Ateliê-Museu Júlio Pomar, Lisboa, até 2 de outubro
Entra-se e a pintura engole-nos, voraz. São as cores, os materiais, os grandes formatos, as narrativas. Na sala e na mezzanine que compõem o espaço expositivo do Ateliê-Museu estão cerca de 40 pinturas e quatro décadas de trabalho, dos anos 80 aos dois mil. São séculos de histórias, as histórias que fazem parte do imaginário do pintor, mas também do nosso, são as histórias dos livros, das gravuras, dos quadros, os mitos e lendas que criaram o mundo, os grandes referenciais da cultura dita ocidental.
Possantes azuis, vermelhos, laranjas, amarelos misturam-se em figuras mitológicas, que vão das sereias aos touros, cabras, cavalos, mulheres de outras geografias, sensualidade robusta que se agarra a outras referências, não só da cultura erudita, mas também da popular: da mais expressiva Virgem e o Menino, qual “La Via Lactea”, de Rubens, ao Rato Mickey, da Disney. O Centauro, D. Quixote e Sancho Pança, Ulisses, Diana e Ácteon, Europa, Eva, Adão e a Serpente, estão lá as alegorias e o traço inconfundível de um artista que gostava da narrativa e de com ela nos baralhar. Não só para baralhar, mas também para ensinar, sobretudo os mais jovens.
Lourdes Castro entre amigos
Galeria Ratton, Lisboa, até 29 de julho
Uma joia de exposição. Assim se pode traduzir esta pequena mostra numa galeria que historicamente se relacionou muito com a artista recentemente falecida. Composta por apontamentos artísticos de vários dos autores que com Lourdes Castro se relacionaram, a exposição põe em destaque a simplicidade delicada do seu trabalho, vai buscar o seu eterno jogo de sombras para o suporte do azulejo — a cerâmica é, de resto, o material de eleição da Ratton –, e permite-se colorir a vida de quem olha as suas obras com uma ingenuidade inquietante, da qual tudo renasce com o sabor da beleza.
De René Bertholo, com os seus “Anjo e Anja” absolutamente deliciosos (na foto), a Júlio Pomar com o seu “Gato Músico” a namoriscar as preciosas “Grinaldas” de Lourdes Castro, a Jan Voss, João Vieira ou Costa Pinheiro e os seus “Cavalinhos da Armada de D. Sebastião”, todos do célebre grupo KWY, a António Dacosta ou a Jorge Martins, e ainda a Pedro Morais. Esta coletiva é enriquecida por um vídeo de 25 minutos da autoria de Teresa Martha realizado no início da década de 80 sobre o Teatro de Sombras de Lourdes e Manuel Zimbro, uma espécie de making of espantoso de tão frágil levado a cabo em casa dos dois artistas em Paris.