A diretora do Museu do Neo-Realismo de Vila Franca de Xira, Raquel Henriques da Silva, disse esta segunda-feira à agência Lusa que se demitiu do cargo, depois de o seu gabinete ter sido ocupado pelo diretor municipal de Cultura, David Santos.

De acordo com a historiadora de arte, antiga diretora do Instituto Português de Museus, foi-lhe comunicado por telefone, a 19 de abril, que o seu gabinete seria ocupado por David Santos, o novo diretor municipal de Cultura, que pediu em abril a exoneração do cargo de curador da Coleção de Arte Contemporânea do Estado (CACE).

A notícia foi avançada esta segunda-feira pelo jornal Público, que cita a historiadora e David Santos, e também uma carta enviada por Raquel Henriques da Silva à deputada socialista Maria da Luz Rosinha, antiga presidente da câmara de Vila Franca de Xira, que a tinha convidado para o cargo, descrevendo os acontecimentos.

A Lusa contactou o novo diretor municipal de Cultura, David Santos, que se escusou a fazer qualquer comentário. Contactou igualmente a Câmara Municipal de Vila Franca, aguardando resposta dos seus serviços.

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Contactada pela Lusa, a professora, curadora e diretora do museu vilafranquense, não quis comentar a situação, mas divulgou a mesma carta, datada de 24 de abril, com a descrição das circunstâncias da demissão, e do seu trabalho à frente do museu desde 2017, onde justifica a saída pela forma como foi tratada.

“Fui liminarmente posta na rua, de forma brutal que sinto como um ato de terrorismo”, conclui, na missiva, sobre o contexto no Museu do Neo-Realismo de Vila Franca de Xira (MNR).

Raquel Henriques da Silva relata que, no dia 19 de abril, foi contactada pela vereadora Manuela Ralha, a comunicar-lhe que David Santos tinha sido nomeado diretor de Cultura da autarquia, e que o historiador de arte e curador, nesse dia, já se tinha instalado no MNR, ocupando o gabinete que lhe fora atribuído em 2017, onde tinha “livros e arquivos, e o computador” que usou desde essa altura.

“Perante a minha indignação, que me levou a anunciar de imediato a minha demissão, ela [vereadora] apressou-se a lamentar e a concordar comigo porque não havia, cito, ‘mais nada a fazer'”, relata, na carta.

Raquel Henriques da Silva ressalva que a missiva dirigida à deputada, embora tenha sido “grosseiramente destratada” nesta situação, e de não ter conseguido concluir o trabalho a que se comprometera de renovar a exposição permanente no museu, até outubro de 2022, “não é uma queixa, nem um lamento”.

“É fundamental que haja espaço para o debate, para o confronto, que se respeitem compromissos assumidos, ainda que informalmente, e que não se interrompa violentamente desempenhos de qualidade que têm marca autoral. O problema de fundo reside, afinal, naquilo que eu quis confrontar desde 2017: um museu como o MNR tem de ter um diretor, escolhido em concurso e com o escrutínio de um júri especializado”, defende.

Acrescenta ainda que, “não sendo assim, continuarão a existir abusos, aqui concretizados na ideia de que há alguém a quem o lugar pertence e que não olha a meios para o ocupar, com o apoio e cumplicidade dos mais altos responsáveis pela governança da cidade e do seu concelho”.

A entrada da também antiga diretora do Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado no MNR aconteceu no final de 2017, quando foi contactada pelo próprio David Santos, e depois pela presidente de Câmara de Vila Franca, agora deputada, convidando para diretora científica do museu, depois da saída de António Pita que assegurara o lugar desde a saída de David Santos para diretor do MNAC.

“(…) aceitei, motivada, em primeiro lugar, por um desígnio que prossigo há muito tempo: que os museus autárquicos tenham diretor, escolhido com autonomia em relação ao mando político”, recorda, acrescentando que assumiu formalmente o convite “sobre uma promessa: ficaria um ano e, nesse período, o presidente da CMVFX comprometia-se a abrir o lugar de diretor do MNR, através de concurso externo e com júri qualificado”.

Entrou para o cargo de diretora científica através de um protocolo celebrado entre a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, com a intenção de levar a cabo a “urgente renovação da exposição permanente, imóvel desde 2007, e muito envelhecida (na museografia e sobretudo nos conteúdos)”.

No entanto, indica que, apesar das diligências da autarquia foram “esbarrando em impossibilidades administrativas”, voltou a fazer nova proposta de se manter “com duas condições que foram entregues por escrito: primeira, o museu iria ter meios para fazer uma coleção de fotografia internacional, e assim afirmar-se numa área do colecionismo, em que tal era possível”.

A segunda condição era “começar a trabalhar, com a equipa do MNR e com colaboradores externos, para substituir a exposição permanente”, comprometendo-se a “ficar no cargo até à sua inauguração, então prevista para 2021”.

Recorda que, ainda em 2021, foi possível inaugurar a primeira fase da nova exposição permanente — “Representações do Povo” — “com uma abertura intencional das questões centrais da cultura neo-realista à História da Arte, do passado e do presente”, e a segunda fase, prevista para abrir em outubro deste ano, “está, neste momento, com o programa museológico quase concluído e com o programa museográfico em fase de orçamentação de alguns equipamentos”.

Contactado pela Lusa, o novo diretor municipal de Cultura, David Santos escusou-se a fazer qualquer comentário sobre a demissão de Raquel Henriques da Silva e as suas circunstâncias, e remeteu qualquer resposta para a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira.

A 19 de abril, o Ministério da Cultura tinha anunciado que o então curador da CACE tinha pedido a exoneração das suas funções, “evocando motivos de ordem pessoal”, com “efeitos a 11 de abril último”.

Depois de ter deixado o cargo de subdiretor-geral do Património Cultural, que ocupava desde 2016, na tutela da Cultura de Graça Fonseca, David Santos assumiu funções na CACE em março de 2020, nomeado pela então ministra, e o seu mandato como curador, para três anos, foi aprovado em Resolução de Conselho de Ministros, e publicado em Diário da República em maio de 2021.

Historiador, com um doutoramento em Arte Contemporânea pelo Colégio das Artes da Universidade de Coimbra, David Santos foi também diretor do Museu Nacional de Arte Contemporânea — Museu do Chiado e curador-geral da Bienal de Fotografia de Vila Franca de Xira, em 2016, e responsável pelo Museu Do Neo-Realismo entre 2007 e 2013.

A Lusa contactou a Câmara Municipal de Vila Franca sobre as circunstâncias da demissão da diretora do museu, e se David Santos irá ocupar também o lugar deixado pela historiadora, e aguarda uma resposta.