Por uns breves minutos e numa versão reduzida 3×3, Neemias Queta voltou a utilizar o equipamento branco e vermelho que tantos anos envergou nas camadas jovens do Barreirense, antes de uma última temporada no Benfica e a viagem para os EUA no verão de 2018. Quem estava mais por dentro da modalidade acreditava que esse era o passo decisivo para poder chegar à NBA, talvez para a maioria não passasse de um sonho com uma ambição demasiado grande para se tornar realidade. Aconteceu mesmo. E aquele jogador de 2,13 metros que fazia um jogo com algumas figuras públicas no campo improvisado no Porto de Lisboa, em Alcântara, era o que tinha transformado o sonho em realidade durante a temporada, confirmando a seleção na segunda ronda do draft e cumprindo os primeiros minutos de um português na principal liga do mundo.

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A sorrir, esteve sempre. Aplicado, também. E ainda apostado em não deixar o crédito por mãos alheias, tendo por isso de fazer mais do que defender à distância os seus adversários diretos. Fez cestos, afundou, andou à procura de oportunidades para fazer aqueles abafos que se tornaram quase uma imagem de marca ao longo de uma época onde foi muito elogiado pelo que consegue fazer no plano defensivo. “Este foi um primeiro anos de aprendizagem. É preciso subir um degrau de cada vez em vez de dar saltos demasiado grandes para a minha perna”, atirou depois em conversa com os jornalistas. Essa é a outra valência que mais se destaca no jogador: a humildade. Quer ser como os melhores, não se compara com nenhum dos melhores, vê os melhores apenas para ser melhor. E sabe de forma concreta o que quer melhorar na melhor liga mundial.

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“Foi uma conquista muito boa para mim e para o basquetebol português. Colocámos Portugal no mapa e percebi o que tenho de melhorar para ter mais minutos. Consegui encaixar bem na liga para não ser uma peça à parte mas tenho muito pela frente para poder singrar na liga. Acho que preciso de trabalhar mais no físico, tem sido um dos meus focos desde que comecei o basquetebol a sério. Tenho de continuar a estender o meu jogo, a lançar mais de fora… Já me sinto confortável perto do cesto, a lançar com qualquer mão, direita, esquerda, floaters, mid range, agora preciso afastar-me mais do cesto”, explicou depois de um ano inicial em que andou entre os Sacramento Kings e a equipa satélite, os Stockton Kings, com 119 minutos de jogo, 45 pontos, 31 ressaltos, oito desarmes de lançamento, seis assistências, 44,7% de eficácia de tiros de dois pontos (nunca tentou um triplo) e 64,7% de lançamentos livres (11 marcados em 17 tentados).

Neemias Queta concretizou sonho, mas viveu difícil época de rookie na NBA

“Não penso ainda muito em sonhos, só quero aproveitar cada momento. Ainda é cedo para falar sobre o futuro. Tenho contrato até 30 de junho e a partir daí vamos contactar a equipa e resolver. Tenho uma boa relação com Sacramento, eu gosto deles assim como eles gostam de mim e se ficar free agent logo se vê. Só tenho de tentar jogar”, salientou o português. “Ainda é muito cedo… Sei que temos uma boa relação, eu com a equipa, a equipa comigo, mas até estar tudo assinado e estarmos na mesma página não vale a pena estar a falar muito sobre essa questão. O importante é que sei que eles gostam de mim, eu gosto de Sacramento e havendo interesse podemos resolver isso muito facilmente”, acrescentou o poste que é o embaixador da Liga Betclic de basquetebol e participou no evento “Dream Big – Dá o Salto”.

– Então o teu segredo para ter esta altura é fazer sestas…
– Sestas e sopa…

Os pés que calçam um “anormal” 52 são aqueles que nunca deixam de estar na terra mas que serviram para dar passos seguro num primeiro ano em que nem as próximas praxes ou rituais foram muito pesados para o jogador. “Não tive de andar a transportar malas de viagem cor de rosa, o que tinha de fazer era ir às compras para a equipa e acho que fiz um bom trabalho, não me deram muito na cabeça. Faz parte, é um ritual que é uma tradição. Da minha parte, um dos rituais que tenho antes de todos os jogos é fazer uma sesta, meia hora a uma hora e meia. Desde miúdo que faço isso, faz parte da minha rotina. Momentos de maior stress? Costumo também meditar muito, gosto de estar afastado dos outros nesse momento e de pensar para mim o que quero fazer para canalizar energias para o que quero fazer”, contou.

Os primeiros na NBA. Neemias Queta marcou 11 pontos aos Cleveland Cavaliers

Mas como é um dia de um jogador português na NBA, numa Califórnia que chegou a dizer ser parecido em alguns momentos com Portugal? “O dia começa muito cedo. Chegamos ao pavilhão, treinamos em equipa, depois temos fazemos levantamento de pesos que é individual. Podemos ficar ali três ou quatro horas no pavilhão de manhã, à tarde é cada um por si. Eu às vezes costumo ir lá à noite treinar no que eu quero evoluir e à tarde são tempos livres, fazer o que gosto de fazer, sou muito novo… Gosto de jogar vídeojogos, ver TV, passear com os amigos, andar pela cidade…”, referiu numa das fases do momento que foi organizado pela Betclic, patrocinadora das ligas masculinas e feminina de basquetebol em Portugal.

“É um estilo devida diferente, novo mas senti-me confortável. Passado algum tempo uma pessoa habitua-se e temos todas as condições. Não é o fim do mundo… Não é assim tão difícil como parece. Diria que a NBA é acumular tudo: estar longe da família, andar a viajar… Foi difícil estar um ano sozinho mas ao mesmo tempo foi gratificante. Força? A força veio logo à partida de Deus, tenho uma fé muito forte,. Depois conto com a minha família sempre do meu lado, tenho sempre uma boa base e facilita-me a vida e uma boa relação com eles e com os meus amigos de infância. Foi sempre uma questão de manter os pés bem assentes na terra, de saber de onde é que eu vim e saber também para onde é que eu quero ir”, frisou o número 88 dos Kings.

A corrida após o primeiro cesto, um alley-oop e os 11 pontos de quem fez “o que tinha de fazer”: a noite de sonho de Neemias na NBA

E estando na melhor liga do mundo, com os melhores jogadores do mundo e podendo aprender com todos os melhores do mundo, o que ficou mais marcado neste ano 1 da NBA? “Em termos de adversário, para mim foi o [Joel] Embiid, foi o jogador contra quem senti mais vontade de jogar. Conseguiu sacar-me duas faltas num minuto [num jogo contra os Philadelphia Sixers] mas deixou-me com mais vontade de trabalhar para ter um bom jogo. Referências para melhorar? Não há um jogador que queira seguir. não ponho limites. Vejo alguém como o Steph Curry a lançar e quero lançar como eles, vejo alguém como o Kahwi Leonard a defender e quero defender como ele. Quero o que eles fazem de melhor e aprender para o meu jogo, para criar a melhor versão de mim. A NBA gosta muito de jogadores que sabem defender e essa vai ser a minha principal carta, o meu trunfo, mas quero evoluir, distribuir a bola, entrar em tudo”, destacou.

A juventude, Ticha Penincheiro e o fato. O momento em que Neemias Queta foi escolhido pelos Sacramento Kings

“No início era tudo um bocado surreal, estar ali no meio daquela gente toda, ver de longe parecia um bocado vida de filme mas acho que foi bom estar na G-League, ter minutos, ter repetições de jogo, estar sempre com bom ritmo e ao mesmo tempo, cada vez que ia lá para cima para a equipa principal, tinha bons treinos, aprendia com os mais velhos e dava para perceber melhor com eles o que é o jogo da NBA e o que é preciso para melhorar e estar em condições de fazer uma boa carreira lá. Entrar no draft é muito bom mas poder entrar depois no jogo, poder jogar, fazer o que sempre quis, é indescritível. Foram muitas horas a pensar em chegar àquele momento e poder usufruir foi gratificante. No início é algo estranho, não se sabe o que esperar, mas com o passar do tempo uma pessoa solta-se, percebe que pertence ali”, disse ainda sobre a estreia.

“Desde que cheguei, a primeira coisa que senti era que tinha de evoluir em termos físicos, habituar-me ao nível muito físico de jogo da NBA. Deixam jogar mais no poste baixo em termos físicos e não era comum na faculdade ter isso. E também tive de melhorar a defender lateralmente, a mover-me de forma lateral, aprender a jogar melhor no bloqueio direto, sair da minha zona de conforto e não ser batido pelos bases. É um processo que ainda não está acabado mas posso chegar a esse nível, de forma consistente”, acrescentou, antes de revelar também o maior elogio que lhe fizeram neste ano 1: “Foi um dos meus treinadores [Rico Hines] dizer que eventualmente podia ganhar um prémio de Defensor do Ano. Quando me dizem isso, quando confiam que posso lá chegar, isso fica-me na cabeça e quero lá chegar. É continuar a trabalhar. Sei que tenho margem para crescer com os pés assentes na terra e poder vir a ser um poste dominante na liga”.