A existência de corrupção é uma perceção instalada nas empresas, que, no entanto, não assumem conhecer casos dentro das suas organizações. A conclusão é de um inquérito realizado pela Rep. Circle,
fundada pela Lift, em parceria com a Kepler, no qual dizem temer casos de corrupção na atribuição dos fundos do PRR.

De acordo com os resultados do inquérito que foi feito com a colaboração de 123 altos quadros de empresas nacionais — número que os responsáveis pelo estudo consideram que é representantivo –, 67,5% dos inquiridos acreditam que a corrupção é frequente em Portugal, atravessando tanto o setor privado como o público. No entanto, 65% diz desconhecer casos dentro da sua organização.

É um estudo de perceção e não de realidades, ou seja, explica ao Observador Salvador da Cunha, CEO da Lift e fundador do Rep.Circle, não é um estudo para apurar se há ou não corrupção, mas sim para apurar se a perceção existe e se as empresas estão preparadas para lidar com ela. Nomeadamente detendo mecanismos de denúncias com segurança para o denunciante.

Há uma perceção generalizada que existe corrupção nas grandes empresas, nomeadamente nas relações com o Governo e nas que têm a ver com desporto. Mas perguntando-se se conhecem casos práticos, dizem ter a perceção que existem mas não conhecem”, realça o responsável.

Salvador da Cunha admite que essa perceção pode estar relacionada com a demora da justiça e com as notícias insistentes nos jornais de casos de corrupção, mas boa parte delas, acrescenta, “é sobre os mesmos processos, só que estão durante muitos anos para serem decididos e alimentam estas perceções.”

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46,3% diz que a corrupção é frequente nas empresas, essencialmente sob a forma de tráfico de influências, sendo que acresce 21,1% que diz ser muito frequente.

Mas os principais promotores, no entendimento deste inquérito, da corrupção são o poder político (69,9%) e as instituições desportivas (64,2%). Ainda assim, os grandes grupos empresariais e os gestores de topo juntam 65,04% das respostas que lhes atribuem também a promoção de casos de corrupção.

Fonte: Barómetro Rep.Circle

De acordo com o primeiro barómetro Corrupção e Transparência em Portugal, o favorecimento de grupos de interesse é causa mas é referida como a principal consequência da corrupção, que, lê-se nas conclusões, “promove uma distribuição desequilibrada da riqueza, com significativas perdas de competitividade e, consequentemente, de criação de valor.

Fonte: Barómetro Rep. Circle

O estudo é feito num momento em que Portugal está em execução do PRR (plano de recuperação e de resiliência), e também nesse plano reside algumas das preocupações dos inquiridos. Apenas 11,4% dos inquiridos esperam uma intervenção ética, imparcial e transparente do Governo na atribuição dos apoios associados ao PRR, apontando como obstáculos a uma execução transparente a insuficiente fiscalização (82,1%) — lembrando Salvador da Cunha que muita da fiscalização é feita aos mais pequenos — e corrupção na atribuição de fundos (73,1%), bem como a uma burocratização excessiva (66,7%). 37,2% ainda apontam para o risco de candidaturas fraudulentas. Ou seja, há a perceção de que os fundos são atribuídos por razões que não estão ligadas à meritocracia do projeto, realça Salvador da Cunha.

O estudo alerta que a perceção sobre a execução de fundos europeus “é historicamente desfavorável, agravada por episódios de atribuição negligente dos fundos e pela falta de comunicação relativa aos seus resultados positivos”.

Para as PME, “a burocratização e opacidade dos processos afasta os fundos da economia real”. E apontam riscos para uma má execução do PRR, a começar pela dificuldade ou atraso na implementação de reformas estruturais ou perda de competividade.

Fonte: Barómetro Rep.Circle

Implementar mecanismos de deteção

Embora haja a perceção da existência do fenómeno de corrupção enraizado na sociedade portuguesa, nomeadamente nas empresas, há, no entanto, falta de instrumentos para a detetar. E quando há mecanismos para se denunciar casos dentro das organizações muitas das pessoas dentro delas não as conhecem, alerta Salvador da Cunha.

Expressiva é a percentagem de 59,4% das respostas que dizem que a empresa assume publicamente o compromisso de combater a corrupção. Mas há 12,2% dos líderes que não sabem. “Uma tendência que denota a necessidade de reforçar a comunicação e o envolvimento de toda a organização na construção de uma cultura de transparência”, realça o estudo.

E são 17,9% os que respondem que a sua empresa não tem qualquer responsável pelo compliance. Mas são 73,2% os que respondam que a empresa tem um código de ética e conduta do conhecimento dos colaboradores. Mas as restantes respostas revelam o estado da arte: 14,6% diz que a empresa tem esse código, mas que é uma mera formalidade; 7,3% diz não existir qualquer código; e 4,9% diz desconhecer.

Questionados sobre a existência de um canal de denúncias dentro das empresas, apenas 36,59% diz existir e com efetiva aplicação e 8,9% diz existir mas só ser acionado em casos particularmente graves. De resto 4% diz que existe mas não é aplicado ou comunicado. É de 23,58% a percentagem dos que assumem que não existe qualquer programa de denúncia e de 26,83% os quadros de topo que dizem não ter conhecimento.

O estudo realça que “o sentimento de insegurança e a ausência de proteção aos denunciantes constitui um obstáculo significativo”. Salvador da Cunha chama a atenção para o facto de muitos dos colaboradores desconherem esses mecanismos. “Provavelmente não os conhecem e não têm o ambiente de segurança. É um trabalho que tem de ser feito para que as pessoas sintam a segurança para fazerem essas denúncias”, diz, realçando a questão da confiança, mesmo nas grandes empresas. E sem confiança não avança. “As empresas precisam de ter esses mecanismos preparados” e com segurança. E as que têm não estão disponíveis apenas para os colaboradores, podem ser utilizados por outros stakeholders como fornecedores. Segundo o estudo, “as empresas comprometidas com uma política de whistleblowing consistente tendem a influenciar toda a cadeira de valor. Esta visão integrada e responsável permite aumentar a área de influência das organizações, num esforço conjunto e integrado por uma economia mais transparente.”

Fonte: Barómetro Rep. Circle

Este estudo serve, segundo Salvador da Cunha, para perceber o estado da arte, já que a corrupção afeta a reputação das empresas, pelo que o objetivo é alertar para o tema e criar um conjunto de boas práticas que as empresas podem implementar, para que sejam “mais do que palavras escritas num manual”. Mas este responsável admite que implementar ferramentas a pensar no combate à corrupção acaba por não ser para todos, devido aos custos que isso pode acarretar e que podem afetar a rentabilidade. Assim aponta para empresas com uma faturação acima de 10 milhões de euros e com 500 trabalhadores.