Não é alien quem quer. Aliás, é cada vez mais difícil ser alien. A concorrência por um lugar do lado da estranheza, da surpresa, do choque, da novidade, é cada vez mais feroz e as estreias constantes nos gigantes do streaming são bem prova disso. “The Man who Fell to Earth” tenta ser estranho desde o princípio, mas isso, infelizmente, é das coisas mais vistas do mundo. Talvez se optasse por ser sóbrio, minimal, se usasse o tempo que tem do seu lado (uma série de 10 episódios de uma hora contra pouco mais de duas horas da longa-metragem original) conseguisse melhor os seus intentos. Mas a verdade é que é impossível voltar a ser-se estranho como nos anos 70 – ainda por cima, com seres humanos, em vez de extraterrestres de verdade.

A nova série da HBO Max não é um remake do filme de Nicolas Roeg, mas uma continuação, 46 anos depois, que vai também ao romance original de Walter Tevis para, muito livremente, procurar um caminho que a leve ao encontro do alien primeiramente caído: Thomas Jerome Newton. Em 1976, o papel e o filme foram feitos à medida de David Bowie, então a estrear-se no cinema; em 2022, já não há Bowie, pelo que é preciso substituí-lo por dois: Chiwetel Ejiofor na pele de novo viajante do Espaço recém-caído e com o ar agoniado de quem ainda não se adaptou à comida mexicana, e Bill Nighy enquanto Newton-agora-velho, ou uma espécie de Bowie de pau, versão smart cost do luxo premium que voltou às estrelas.

Ejiofor é Faraday, cidadão de Anthea que vem à Terra à procura de Justin Falls (Naomie Harris), cientista adormecida que é, segundo os antheanos, a única pessoa capaz de os ajudar a salvar o seu planeta. Mas a sua história sedenta não será contada de forma linear. Vai alternando entre passado e futuro, flashes da família na terra-natal, as suas experiências de peixe fora-de-água a tentar ser “humano”, aprender a falar e comportar-se como tal, e a apresentação ao estilo guru da tecnologia de um novo gadget na grande cadeia das coisas, perante uma plateia de fiéis devotos a quem confessa “ter muitos segredos”.

[o trailer de “The Man Who Fell To Earth”:]

“The Man who Fell to Earth” já teve várias encarnações. A primeira, desde logo, no bem-sucedido romance de Tevis em 63; depois, no citado filme de Roeg; em 87’, foi o piloto do projecto falhado para uma série da ABC; e, em 2015, viu subir ao palco do New York Theatre Workshop um musical off-Broadway que seria, na verdade, um dos derradeiros trabalhos de David Bowie, autor das letras e boa parte das canções. Chamava-se “Lazarus” e era também uma continuação da história de Thomas Newton, mas, desta vez, o papel em palco ficava para Michael C. Hall (excelente casting), enquanto Bowie confundia o alien com ele mesmo, fazendo de “Lazarus”, o tema homónimo, o single e videoclip final da sua vida – “Look up here, I’m in heaven / I’ve got scars that can’t be seen / (…) This way or no way / You know, I’ll be free / (…) Now, ain’t that just like me?”.

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A versão 2022 desta visita de seres estelares tem aos comandos Alex Kurtzman, argumentista capaz do pior (“Hawai: Força Especial”; “A Ilha”; ”A Lenda de Zorro” ou “Transformers” – o I e o II) e do melhor (a série “Fringe” ou o argumento que ressuscitou o franchise “Star Trek” em 2009), e Jenny Lumet, filha do histórico Sidney, e cúmplice habitual de Kurtzman (por exemplo, na “A Múmia” ou nas instalações televisivas de “Clarice” e “Star Trek”). O trabalho não é destituído de méritos e, ao fim de apenas um episódio, é demasiado cedo para julgar, mas, ainda que tentem fazer o seu próprio caminho, até Kurtzman e Lumet saberão que as comparações vão ser inevitáveis e que uma estará à cabeça de todas as outras: a presença vs. a ausência de Bowie. Afinal, eles mesmos se deram ao cuidado de batizar os episódios com títulos de canções do camaleão – desde logo, o primeiro “Hallo Spaceboy”, mas vêm aí “Under Pressure”, “Changes” ou mesmo um “The Man who Sold the World”. Porém, haverá figura mais complicada de substituir? Que é como quem diz: haverá forma de fazer “The Man who Fell to Earth” sem saber a descafeinado? Cerveja sem álcool?

Um episódio e um trailer chegam para perceber que este novo homem caiu na Terra para falar de muitas coisas que talvez ainda não tivéssemos percebido nos anos 60 e 70: da fragilidade e urgência ambiental, da necessidade da inclusão de migrantes e refugiados, da importância da ciência, da desmesura dos megalómanos senhores da tecnologia.

Talvez seja muita analogia para a camioneta de um só alien. Mas cá estaremos para ver daqui a mais nove episódios.