Não é ainda um regresso a 2019, mas quase. Depois de dois anos de hibernação quase total, a procura pelos serviços das agências de viagens está novamente a descolar. Tanto que a entidade que representa o setor, a Associação Portuguesa de Agências de Viagens e Turismo (APAVT), teme que as empresas não tenham oferta suficiente para tanta procura.

O aviso foi deixado pelo presidente da APAVT no evento que serviu de lançamento à nova campanha de comunicação da associação. No que toca à procura, explica Pedro Costa Ferreira ao Observador, “existe um movimento de interruptor ‘off/on’, estava desligado e agora ligou. As pessoas querem viajar. Houve uma poupança forçada durante os anos da pandemia. As pessoas têm dinheiro para gastar e vão gastá-lo em consumo”. Já do lado da oferta, o “interruptor” não funciona assim.

“De um modo geral, a oferta está a tentar responder a este reacender da procura. Mas aqui a resposta não é tão rápida. É preciso fazer contratações, programações, reaberturas. São coisas que demoram algum tempo. Tenho receio que no verão não tenhamos oferta necessária para a procura existente. Do ponto de vista do consumidor, este não vai ser um ano de viagens de última hora. Vai ser de reservas antecipadas, porque estas podem não existir quando quisermos”, destaca o presidente da APAVT.

O desequilíbrio entre a oferta e a procura poderá ter impacto nos preços das viagens, admite o responsável. No geral, os preços já deverão aumentar este ano, devido à inflação. Pedro Costa Ferreira fala em subidas “visíveis mas ainda pouco acentuadas”. Um dos exemplos concretos é o do suplemento de combustível, “que os operadores estão a começar a lançar”. Se entre o momento da reserva e o momento da partida o combustível subir de forma significativa, os operadores cobram este suplemento, que em alguns casos “pode chegar aos 60 euros por pessoa”. Apesar disto, não tem havido cancelamentos, garante. “As pessoas querem muito viajar”. Portugal continental, Açores, Madeira, Cabo Verde, Tunísia, Marrocos e Caraíbas são os destinos mais procurados. Dubai e Maldivas também já entram nestas contas, porque “ganharam quota de mercado na pandemia”.

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Guerra terá pouco impacto

A recuperação tem sido mais visível no mercado do lazer do que nas viagens de negócios. Aqui, a procura está a aumentar mais lentamente. E por duas razões, aponta o líder da APAVT. Por um lado, “as grandes empresas decidiram viajar menos, até por questões de sustentabilidade. E isso terá um impacto a longo prazo. Por outro, há uma parte do mundo que ainda está muito fechada, nomeadamente a Ásia. Quem faz lazer e queria ir para a Ásia pode ir para as Caraíbas. Mas quem trabalha o mercado asiático terá de esperar que abra”, repara.

A guerra na Ucrânia coloca um fator de pressão adicional neste segmento. “Quem trabalha os países bálticos também terá de esperar que a guerra termine”. Mas, no geral, a associação não espera que a invasão russa tenha um grande impacto nas empresas do setor. “É quase insultuoso, face aos problemas que esta guerra está a causar, avaliar o impacto no negócio. Mas podemos dizer que não há alteração da procura. Há uma boa parte da nossa procura que vai para o lado contrário do globo”, sublinha.

A APAVT refere não ter sido apanhada de surpresa com o movimento rápido de recuperação. As preocupações do setor moram mais à frente, revela Pedro Costa Ferreira.

“Estávamos à espera disto. Não acreditámos quando os analistas diziam que as viagens iriam recuperar em quatro anos. Nós aprendemos em problemas anteriores, como atentados ou desordens sociais, que há uma sensibilidade muito grande do mercado no momento em que uma disrupção acontece, mas que há também uma recuperação muito rápida assim que a causa desaparece. Achámos que isso iria acontecer com a pandemia, e está a acontecer, no mercado do lazer”.

Neste sentido, a associação espera que o segmento de lazer tenha um melhor desempenho em 2022 do que em 2023. “Já começámos a ter inflação mas ainda não tivemos o efeito do aumento das taxas de juro nos empréstimos bancários dos particulares. Isso afeta muito o consumo, pela importância que tem no orçamento familiar. Tenho mais dúvidas relativamente à procura em 2023, quando teremos uma eventual crise económica, do que em 2022”.

O pior está para vir?

Mas estas não são as únicas dúvidas da APAVT. Apesar do bom momento que o setor se prepara para atravessar, há empresas que chegam a 2022 em situação muito precária, após dois anos de seca. “A luta ainda não acabou”, resume o presidente da associação. “Durante a pandemia houve perdas para os agentes de viagens e endividamento das empresas, mas houve apoios do Estado, nomeadamente o layoff, que foi importante. Tivemos menos falências em 2020 e 2021 do que em 2019“, revela. “O setor parou, mas as falências não existiram, e os despedimentos também não”. De acordo com as estatísticas da APAVT, os despedimentos por empresa nunca foram superiores a 3% num mês. Houve, no entanto, “muitos contratos a prazo que não foram renovados”.

“O pior, o mais desafiante, ainda está para vir”, considera. “Os problemas de tesouraria não se sentem em empresas que saíram de um ano de 2019 que foi bom e que depois estiveram sem atividade, mas com apoios. Os problemas de tesouraria sentem-se no retomar do negócio. Temos essa consciência. Não seria para nós uma surpresa se em 2022 houvesse mais falências do que 2020 e 2021. Temos de estar preparados para isso”.

No rescaldo da pandemia, a associação fala de um sentimento “agridoce”. Por um lado, “foi a pior situação das nossas vidas, no setor do turismo”. As perdas registadas nos anos da Covid vão “demorar anos” a recuperar.

Tivemos um endividamento importante das empresas e temos a consciência de que, mesmo quando voltarmos a níveis de 2019, o que parece já estar a acontecer, provavelmente demoraremos mais seis ou sete anos a reconstruir os balanços de 2019″.

Entre 2020 e 2021, o setor perdeu entre sete e 10 anos de resultados, revela Pedro Costa Ferreira. “Quando tivermos um resultado igual ao de 2019, provavelmente precisaremos de mais cinco ou seis anos iguais para retomar a situação que tínhamos. Desse ponto de vista, a pandemia foi altamente destruidora”.

No entanto, refere o responsável, a pandemia terá contribuído para reforçar a relação entre os consumidores e as agências. “As agências de viagens, do ponto de vista legal, são um porto de abrigo dos viajantes. São as melhores entidades para gerir a incerteza, do ponto de vista legal, porque somos responsáveis pelas viagens organizadas, quando a viagem corre mal, mesmo que a razão seja uma externalidade, como uma pandemia”.

Segundo o responsável, todos os clientes que ficaram retidos devido à pandemia foram repatriados, “e mesmo os que não eram clientes, conseguimos trazê-los, em cooperação com o Ministério dos Negócios Estrangeiros”. Também ao longo dos últimos dois anos foi possível reembolsar praticamente todas as viagens que ficaram por fazer. Há apenas uma exceção, revela, relativa a uma agência que trata de viagens de finalistas. “Esse caso está no provedor do cliente e nos centros de arbitragem, e os reembolsos vão ser realizados”.

No fim, conclui Pedro Costa Ferreira, “chegamos a este momento muito enfraquecidos, mas com a nossa reputação impoluta”.