Um grupo de atletas ucranianas concluiu na terça-feira cerca de dois meses em Portugal, onde recomeçou a preparação para a competição após semanas de inatividade no seu país devido à guerra com a Rússia.

A barreirista Anna Ryzhykova, a velocista Anastasia Bryzgina e a meio-fundista Olga Lyakhova estiveram desde março a treinar no centro de alto rendimento do complexo desportivo de Vila Real de Santo António e contaram à agência Lusa como foi a sua vida desde que a Rússia lançou uma operação militar na Ucrânia, em 24 de fevereiro, iniciando um conflito que ainda prossegue e que gerou dúvidas quanto à continuidade das suas carreiras desportivas.

Anna Ryzhykova, quinta nos 400 metros barreiras em Tóquio2020, disse à Lusa que, antes de a guerra começar, já tinha planeado vir para Portugal fazer um estágio para a temporada de verão, mas a entrada das tropas russas na Ucrânia levou-a até a pensar que a sua “carreira desportiva estava acabada”.

“Pensei que não iria ter oportunidade de vir para cá e até que nem conseguiria pensar em desporto. Só pensava na minha família e em como sobreviver, estávamos numa situação terrível e não sabíamos o que ia acontecer amanhã”, afirmou a atleta de 32 anos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A barreirista ucraniana disse que, na véspera de o conflito estalar, estava em estágio na cidade ucraniana de Sumy a preparar os campeonatos nacionais, que deviam começar em 25 de fevereiro, mas as provas “foram canceladas” na noite de 23. Regressou a casa e, no dia 24, já acordou “com explosões” e “sem acreditar que era real”.

Ainda esteve “durante duas semanas sem treinar”, passando a maior parte desse tempo “presa em casa, assustada”, porque “qualquer ponto podia ser atacado e bombardeado”, até que, em meados de março, a colaboração das autoridades portuguesas na cedência gratuita de instalações desportivas para treino e o apoio de patrocinadores, como a Nike, para garantir alimentação ou alojamento, permitiram que a atleta rumasse a Vila Real de Santo António e pudesse recomeçar o treino e preparar a competição.

Já na localidade algarvia, Anna Ryzhykova sentiu-se “estranha” por “ver que havia uma vida normal” e que “ninguém estava assustado”, enquanto passava os dias preocupada com a sua família na Ucrânia e a “ler notícias a toda a hora” para saber como a guerra evoluía.

“O meu treinador está no exército e não pôde vir, envia-me mensagens com o que devo fazer e fazemos treino online“, lamentou, revelando que agora vai para a Polónia ultimar a preparação para o regresso à competição, em 18 de maio, no Meeting de Savona, em Itália.

Já Anastasia Bryzgina disse que, apesar de um período de paragem após o início da guerra, ainda pôde recomeçar o trabalho na zona oeste da Ucrânia, mas sublinhou que, “mesmo assim, era difícil, porque não era totalmente seguro” e qualquer ponto do país podia ser atacado.

Após quase dois meses em Portugal, a velocista adiantou que vai rumar a Espanha, onde vai prosseguir o treino e participar em provas em Huelva, com o objetivo de “continuar a preparar os campeonatos do mundo e da Europa”.

A campeã da Europa de sub-20 dos 400 metros em 2017, agora com 24 anos, reconheceu que, se antes já era um “orgulho” representar a Ucrânia, o conflito com a Rússia faz com que envergar as cores do país seja agora “especialmente importante mostrar a bandeira ucraniana perante todo o mundo”.

O regresso à competição é também duplamente importante para Olga Lyakhova, que foi mãe há um ano e, nas primeiras duas semanas da guerra, viveu “momentos terríveis com uma bebé de 10 meses” a fugir para abrigos ou a esconder-se na casa de banho da sua casa, em Kremenchuk, para fugir a bombardeamentos.

“A cidade tinha refinarias e foi bombardeada, não havia eletricidade, calefação ou água”, recordou a meio-fundista, de de 30 anos, agradecendo à marca desportiva que a patrocina a possibilidade de trazer a bebé e a mãe para junto de si, porque “nunca poderia sair do país e deixar a família lá”.

Lyakhova, medalha de bronze nos 800 metros dos Europeus de 2019 e nos 4×400 metros nos de 2017, disse ainda que, embora o seu pai continue na Ucrânia a “defender o país” das tropas russas, o tempo em Portugal foi útil para poder retomar o treino, tendo em vista o Meeting de Savona, cuja preparação vai ultimar a partir da Suíça e “ainda mais motivada para mostrar o que a Ucrânia é”.

“Vou começar a competir em Itália, em Savona, depois tenho outra competição na Polónia. Estive um ano sem competir por causa da gravidez e da maternidade, espero voltar agora da melhor forma, conseguir bons resultados e trabalhar para poder estar num bom nível nos Mundiais e nos Europeus”, anteviu.

Além de Ryzhykova, Bryzgina e Lyakhova, o complexo desportivo de Vila Real de Santo António acolheu a retoma desportiva de vários outros atletas ucranianos.