O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) indeferiu o requerimento de habeas corpus apresentado pela defesa de Manuel Pinho e rejeitou a sua libertação imediata no âmbito dos autos caso EDP. O STJ não deu razão ao advogado Ricardo Sá Fernandes que solicitava que a prisão domiciliária do ex-ministro da Economia fosse declarada ilegal.

“Pelo exposto, delibera-se neste Supremo Tribunal de Justiça em indeferir o pedido de habeas corpus por falta de fundamento bastante”, lê-se no acórdão do STJ assinado pelos conselheiros Ana Barata Brito (relatora), Pedro Branquinho Dias e Nuno Gonçalves (presidente da secção criminal) e ao qual o Observador teve acesso.

O acórdão do Supremo revela ainda que o juiz Carlos Alexandre determinou em março a manutenção da prisão domiciliária de Manuel Pinho por mais três meses. Ou seja, Pinho deverá continuar preso até junho.

Em reação à decisão do STJ, Ricardo Sá Fernandes fez uma declaração escrita ao Observador: “Eppur si muove. A clamorosa ilegalidade desta prisão domiciliária permanece”.

Recorde-se que Pinho está em prisão domiciliária desde dezembro de 2021, após o juiz de instrução Carlos Alexandre ter ordenado a mesma por falta de pagamento de uma caução de seis milhões de euros.

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“A prisão domiciliária é ilegal” e “há um erro grosseiro na apreciação do perigo de fuga”. Os argumentos do habeas corpus de Manuel Pinho

Os argumentos do Supremo Tribunal de Justiça para rejeitar libertação

De uma forma resumida, os conselheiros do STJ rejeitaram o requerimento por a defesa ter tentado que fossem reapreciado matérias que já tinham sido decididas anteriormente pelo Tribunal da Relação de Lisboa em abril no âmbito de um recurso sobre a prisão domiciliária. “A providência de habeas corpus tem uma natureza excecional destinada a assegurar o direito à liberdade, mas não é um recurso. É um remédio para ultrapassar situações de prisão decretada a coberto de ilegalidade grosseira” — que os conselheiros não detetaram no caso de Manuel Pinho.

Apesar de reconhecerem que a prisão domiciliária pode ser abrangida por recurso extraordinário de habeas corpus, os conselheiros do STJ entendem que o argumento da defesa — de que a prisão domiciliária de Pinho tinha sido “motivada por facto pelo qual a lei o não permite” — não tem fundamento.

De acordo com o acórdão do STJ, a Relação de Lisboa já tinha confirmado em abril o “juízo de forte indiciação do perigo de fuga (como fundamento bastante da medida de coacção OPHVE)” e decidiu não revogar a medida de coação de prisão domiciliária — “entretanto mantida, em despacho de apreciação trimestral proferido posteriormente” por Carlos Alexandre.

Logo, nada mais há a decidir no âmbito do habeas corpus, entendem os conselheiros.

Recorde-se que, apesar de ter decidido não revogar o despacho que ordenou a prisão domiciliária de Manuel Pinho em dezembro de 2021, a Relação de Lisboa ordenou que fosse feito um novo despacho. Isto porque Carlos Alexandre tinha feito dependente a prisão domiciliária do pagamento da caução. Ao que o Observador apurou, o Ministério Público já promoveu a manutenção dessa medida de coação, aguardando-se agora uma decisão do juiz Carlos Alexandre.

Os argumentos de Manuel Pinho que foram rejeitados.

Tal como o Observador noticiou em primeira mão esta segunda-feira, o primeiro grande argumento da defesa prendia-se com a decisão do juiz Carlos Alexandre de meados de dezembro de 2021 de sujeitar Manuel Pinho a prisão domiciliária. Os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto tinham promovido a prisão domiciliária do ex-ministro ou a prestação de uma caução não inferir a 10 milhões de euros, invocando perigo de fuga, tendo Carlos Alexandre determinado que a prisão domiciliária poderia “ser substituída pela prestação de caução de seis milhões de euros”.

Ou seja, e de acordo com a defesa de Pinho, o juiz de instrução criminal decidiu que ou o arguido depositava uma caução de seis milhões de euros à ordem dos autos ou ficava em prisão domiciliária.

Invocando uma decisão tomada pela Relação de Lisboa em abril, que não “vislumbrou fundamento legal para colocar” em prisão domiciliaria “quem não pagar uma caução”, Ricardo Sá Fernandes, além de contestar o valor da caução, diz que “não vigora em Portugal o sistema de liberdade on bail; no nosso sistema, a liberdade não se compra”.

Sá Fernandes contestava ainda o facto de a Relação de Lisboa ter dado oportunidade a Carlos Alexandre para substituir o seu despacho por outro em que diga claramente qual é a medida de coação que é imposta: a prisão domiciliária ou a prestação de uma caução. “(…) Essa alternativa não pode ser agora colocada ao senhor juiz de instrução” porque Carlos Alexandre “inquinou de ilegalidade a sujeição à OPHVE” ao decidir que a mesma era dispensável se o arguido depositasse o valor da caução.

Os desembargadores Paulo Ferreira e Manuel Sequeira, que apreciaram o recurso de Ricardo Sá Fernandes na Relação de Lisboa, concordaram com o juiz Carlos Alexandre e com o Ministério Público ao reconhecerem que existem indícios que consubstanciam o perigo de fuga de Manuel Pinho — uma das condições legais para se agravar a medida de coação.

“Os recorrentes têm muita facilidade em se deslocar para o estrangeiro, têm condições económicas para isso, pelo que é real a possibilidade de se eximirem à ação da justiça. Acresce que a mudança de residência para Espanha é ela própria um indício de perigo de fuga”, lê-se no acordão da Relação de Lisboa

Sá Fernandes, contudo, defendeu no seu requerimento de habeas corpus que houve um “erro grosseiro” dos dois desembargadores. A defesa não quer que o Supremo avalie os fundamentos para o perigo de fuga. Quer, sim, que os conselheiros analisem o “chocante erro de declarações enunciativas da verificação dos pressupostos de facto e de direito”.

O advogado contestava o facto de a Relação de Lisboa ter descrito “circunstâncias tão gerais”, como as condições económicas de Manuel Pinho, para fundamentar o perigo de fuga. E que tal será “um clamoroso erro na aplicação do direito”. Para apoiar a sua alegação, o advogado junta diversos exemplos de outras decisões dos tribunais superiores que estabelecem isso mesmo.

O advogado contestava ainda o facto de a mudança de residência para Espanha ser usada contra Manuel Pinho. Tudo porque se verificou uma mudança da morada dos Estados Unidos (a anterior morada era em Nova Iorque) para um país do Espaço Schengen da União Europeia e não o inverso.

Sá Fernandes enfatizava ainda o facto de Manuel Pinho se ter deslocado a Portugal sempre que foi convocado para cada um dos seis interrogatórios a que foi sujeito.

“A liberdade é um bem jurídico precioso e até sagrado. Os tribunais devem ser a sua salvaguarda. Perante um quadro tão ostensivo e grave do direito à liberdade do requerente, conta-se com o Supremo Tribunal da Justiça para repor a legalidade e a confiança que os portugueses devem depositar na Justiça”, conclui Sá Fernandes.