Este verão, o jazz estará de volta em força à Gulbenkian, em Lisboa. Depois de dois anos condicionados pela pandemia, tendo em 2020 sido inclusivamente substituído por um evento paralelo chamado Jazz 2020, o festival Jazz em Agosto regressará entre 30 de julho e 7 de agosto para uma edição mais próxima do formato habitual pré-pandémico.

Desde logo, nesta que será já a 38ª edição do festival, caem algumas das exigências sanitárias que marcaram os últimos dois anos, como o distanciamento entre espectadores, o uso de máscaras e a obrigação de apresentação de certificados de vacinação ou recuperação. Mas também o cartaz, acabado de divulgar, sugere um regresso a uma velha normalidade, com a aposta em nomes internacionais de grande relevo do género que se somam a projetos e grupos nacionais.

Apresentado como “um retrato alargado daquilo a que hoje soam Chicago, Lisboa e Nova Iorque” — com “uma curta escala em Londres” —, o programa da 38ª edição é dedicado a “alguns dos lugares onde o jazz vive com uma pulsação mais intensa e criativa”. E inclui 13 concertos de jazz vanguardista e música improvisada divididos por duas salas: os noturnos (são nove) acontecem no Anfiteatro ao Ar Livre — Grande Auditório e os vespertinos (são quatro) no Auditório 2.

A abertura faz-se ao som dos Irreversible Entanglements, um dos grupos mais arrojados e imaginativos do atual panorama jazzístico mundial. Formados em 2015, começaram por destacar-se em 2017 com uma edição homónima na qual apresentavam já algumas das características que os destacavam: um jazz sonicamente livre, sem amarras e que almejava à “libertação”, com letras socialmente interventivas (sobre o racismo, a violência policial e outros problemas sociais e históricos) a condizer.

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Desde a estreia discográfica, o grupo lançou Who Sent You (2020) e Open The Gates (2021), edições elogiadas pela crítica. Regressam agora a Portugal, depois de três concertos em 2019 em Coimbra, Lisboa e Braga, dando início a um festival que programou vários outros artistas ligados à editora deste grupo, a International Anthem, de Chicago.

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Seguem-se, na programação do festival, mais dois concertos a 31 de julho. O primeiro junta Moor Mother, a ativista da palavra dos Irreversible Entanglements que tem feito carreira também na música eletrónica experimental, à flautista, poeta e compositora de jazz Nicole Mitchell, que no seu percurso tem tido projetos musicais muito diversos mas que em alguns discos, como Liberation Narratives, de 2017, mostrou pontos de confluência com o trabalho de Moor Mother.

A dupla tinha já atuado junta em 2018 no festival Le Guess Who?, nos Países Baixos, e Nicole Mitchell passou recentemente — em 2019 — pelo festival Jazz em Agosto, com uma outra formação.

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O concerto de Moor Mother e Nicole Mitchell em dupla antecede, nesse dia, uma atuação da formação Rob Mazurek Exploding Star Orchestra. Nesta “orquestra de estrelas que explodem”, liderada pelo músico de Chicago Rob Mazurek, renovador do underground jazzístico e experimental dos anos 90, estão vários músicos de relevo do jazz americano improvisado atual, como Damon Locks (textos, voz, eletrónica), Nicole Mitchell (flautas), Tameka Reid (violoncelo) e Jaimie Branch (trompete), entre outros.

No dia seguinte, 1 de agosto, uma segunda-feira, o Auditório 2 da Fundação Calouste Gulbenkian recebe um concerto do novo projeto da trompetista de Chicago Jaimie Branch (que em 2017 editou o álbum Fly or Die, que a projetou no panorama do free-jazz) com o baterista Jason Nazary, em que aprofundam a exploração das potencialidades eletrónicas da composição e interpretação.

Nessa noite de 1 de agosto, o músico Damon Locks apresenta-se com a formação Damon Locks Black Monument Ensemble, que inclui elementos como a clarinetista Angel Bat Dawid. Com este grupo, Damon Locks editou em 2019 o disco Where Future Unfolds e mais recentemente, em 2021, o álbum NOW.

Seguem-se, nos dias seguintes do festival, concertos do guitarrista Tashi Dorji e do grupo Turquoise Dream (quarteto de que fazem parte o violinista português Carlos “Zíngaro” e a violoncelista sueca, com carreira nos EUA, Helena Espvall) a 2 de agosto e, no dia seguinte, do grupo português Voltaic Trio e de um quarteto londrino de free-jazz composto pelos músicos Pat Thomas, Joel Grip, Antonin Gerbal e Seymour Wright, dedicado à revisitação e reinterpretação da música do contrabaixista nova-iorquino Ahmed Abdul-Malik.

No dia 4 de agosto, uma quarta-feira, o Anfiteatro ao Ar Livre da Gulbenkian recebe mais dois concertos. Sobem a palco a guitarrista norte-americana Ava Mendoza e a formação nacional João Lencastre’s Communion. Neste octeto liderado pelo baterista e compositor João Lencastre, que já editou (há menos de um ano) o disco Unlimited Dreams, tocam músicos portugueses com carreira sólida no jazz como o contrabaixista Nelson Cascais, o baixista João Hasselberg, o guitarrista Pedro Branco e o saxofonista Ricardo Toscano, entre outros.

Já na noite posterior, sexta-feira, 5 de agosto, os dois concertos noturnos ficam a cargo da dupla portuguesa Pedro Carneiro (marimba) e Rodrigo Pinheiro (piano) e de Nate Wooley’s Seven Storey Mountain VI, projeto do trompetista Nate Wooley mais próximo da música litúrgica do que do universo jazzístico a que mais é associado.

Para o fim-de-semana estão reservados mais quatro concertos, os últimos do festival. No sábado de 6 de agosto, o Jazz em Agosto arranca às 18h30 com um concerto no auditório 2 da dupla Chris Corsano & Bill Orcutt. O baterista e o guitarrista apresentam-se na sequência da edição de um dos álbuns de jazz mais elogiados pela crítica norte-americana em 2021: Made Out of Sound. Nessa mesma noite há ainda um concerto da formação de música improvisada Borderlands Trio, de que fazem parte o contrabaixista Stephan Crump, o pianista Kris David e o baterista Eric McPherson.

A fechar o festival, no domingo, há um concerto vespertino da dupla composta por Sara Schoenbeck (fagote) e Matt Mitchell (piano) e um concerto noturno de encerramento da formação John Zorn New Masada Quartet, em que a referência do jazz vanguardista e improvisado de Nova Iorque, o saxofonista John Zorn, vai apresentar-se ao vivo com um elenco de luxo: o baterista Kenny Wollesen, o contrabaixista Jorge Roeder e o prodígio da guitarra elétrica Julian Lage.